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Retalhos da verdade

Tem sido um longo caminho até a verdade, que talvez nunca se conheça inteiramente. Agora, é um general aposentado que admite o que todos sabiam, mas é fundamental que ele confesse: que o Exército montou uma farsa para culpar grupos de esquerda pelo desaparecimento do deputado Rubens Paiva. No ano passado, registros do coronel Molinas Dias tinham revelado outro pedaço.
E tudo o que se tinha antes, para se contrapor a tão longo silêncio sobre a vida e morte do deputado, era uma carta-depoimento e um recibo burocrático. Na carta, a testemunha Cecília Viveiros de Castro relata que ouviu seu padecimento no Doi-Codi. “A noite toda eu ouvi perguntarem o nome do preso ao meu lado, e o ouvi responder: Rubens Paiva, Rubens Paiva.” Havia também uma prova física, guardada por 40 anos com a família, o recibo da retirada do carro do deputado do quartel da Polícia do Exército, onde funcionava o Doi-Codi.
Quando Molinas Dias foi assassinado em Porto Alegre, foi encontrado com ele documentos que detalhavam como Rubens Paiva chegou ao Exército, entregues pelo serviço de informação da Aeronáutica.
Mas tudo já se sabia. Que ele foi preso em sua casa no dia 20 de Janeiro de 1971, na frente da família. Que foi no seu carro, mas prisioneiro, para a Aeronáutica. Que de lá foi para a PE. Que se montou uma farsa para dizer que ele havia sido tomado dos militares, por grupos de esquerda, no Alto da Boa Vista. Mas o depoimento para a Comissão da Verdade do general Raimundo Ronaldo Campos, que, na época, capitão, dirigia o automóvel, é mais um retalho precioso da verdade que os militares não reconhecem.
Convivemos com essas certezas não confirmadas por um tempo longo demais. A Comissão da Verdade, agora, está juntando pedaços do que foi negado ao país por todas essas décadas. É espantosa a incapacidade de o Brasil olhar para trás, reconhecer sua história, procurar sua verdade.
Ainda convivemos com avenidas 31 de Março no Brasil todo. Ou ruas, praças e colégios com nomes dos ditadores. Ainda aceitamos que as Forças Armadas nada façam para tirar, um pouco que seja, o véu que encobre os fatos vividos na história do país, mesmo aqueles militares das gerações que vieram depois. Eles seguem ainda as ordens de silêncio enviadas por seus ex-comandantes aposentados. Aceitamos que a versão fraudulenta seja repassada de geração a geração de militares, numa renovação macabra do pacto do silêncio, da mentira, da cumplicidade.
País estranho esse que aceita que não se saiba como morreu Vladimir Herzog, o que foi feito do filho de Zuzu Angel, como foram as últimas horas e que fim teve o corpo do deputado Rubens Paiva. Tanto não se sabe de tantos. O tempo já se esgotou de saber sobre esses e outros mortos e desaparecidos. Foi há 50 anos que o pesadelo começou e ele se prolongou por 21 anos. Sobrevive no silêncio das instituições responsáveis.
Gerações de brasileiros nasceram sob esse manto da mentira e do silêncio eloquente das Forças Armadas brasileiras. Quando fiz a reportagem sobre Rubens Paiva, em 2012, no início dos trabalhos da Comissão da Verdade, o IBGE fez uma conta para mim do percentual de brasileiros que haviam nascido depois da morte de Rubens Paiva: eram 68%.
Os jornalistas têm conseguido encontrar nos escaninhos da burocracia, nos depoimentos de torturadores ainda vivos, nos documentos que ficam em subsolos de ministérios ou em arquivos particulares, retalhos da história. A maioria dos jornalistas, dedicados ao resgate, estão nos dois terços de brasileiros que nasceram depois da morte de Rubens Paiva. São os filhos dos jovens daquela época; logo, logo, serão os netos. E ainda não saberemos o que devíamos saber.
A busca coletiva por respostas permanece porque é necessária. O passado só pode passar depois de esclarecido. E um país que sofre um trauma político como esse, que em 2014 completa meio século, só se vacina contra a sua repetição procurando os fatos sonegados. Os poderosos da época já não mandam mais, a ordem democrática foi restabelecida, a faixa presidencial foi passada por ombros de eleitos pelo voto direto. E, ainda assim, chaves trancam os fatos. De vez em quando, arranca-se de um arquivo, ou em um depoimento, um retalho. E nos contentamos.
Enviado por Míriam Leitão – 

8.2.2014

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9h00m

COLUNA NO GLOBO

Começo difícil

O ano de 2014 não começou bem para a economia brasileira. Foram muitos indicadores ruins seguidos, e o momento da economia internacional é de incerteza. Mas o ano está só começando e novos números virão, podendo trazer algum alívio. Pior do que um número ruim é a queda da confiança na economia pelos empresários e consumidores.
O apagão desta semana não foi tão grave quanto outros, mas há uma crise no setor energético que o governo deveria enfrentar. Em vez de tapar o apagão com a peneira, ou culpar um ou outro dos seus auxiliares, a presidente deveria ver a sequência de erros cometidos por seu governo nessa área e começar a fazer o ajuste. Não há solução fácil. Corrigir preços que ficaram defasados elevará a inflação, cobrir tudo com subsídio governamental aumentará o déficit público e alimentará a desconfiança. O Brasil já está com sua nota de crédito sob revisão negativa.
Uma indicação de que há algo errado no setor de energia é a queda das ações das empresas do setor, apesar do aumento do consumo. Em condições normais, aconteceria o contrário: as ações subiriam com o aumento da demanda. O problema é que o país está produzindo uma energia mais cara e as empresas estão impedidas de repassar esse custo ao consumidor para não elevar a inflação. O ministro Guido Mantega admitiu novos aportes do Tesouro na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). O contribuinte pagará a conta que está sendo reduzida para agradar o eleitor.
A perda de confiança na economia não está restrita ao mercado financeiro. Várias sondagens, feitas por entidades diferentes, com consumidores, empresários e comerciantes mostram isso. Em apenas 30 dias, houve uma sensível piora nas projeções do mercado financeiro para o Brasil. Subiu a estimativa de juros e de inflação e caíram as projeções para o PIB deste ano e do próximo. A queda de 3,5% da indústria em dezembro promoverá novas revisões do crescimento.
Dois índices de confiança apurados por entidades diferentes mostraram queda ao menor nível desde julho de 2009. O Índice de Confiança do Empresário Industrial, da CNI, caiu a 53,1 pontos em janeiro. A média histórica é de 58,3 pontos. O Índice de Confiança do Consumidor, da FGV, desceu a 108,9 pontos, o nível mais baixo em mais de quatro anos. O Índice dos Empresários do Comércio, medido pela CNC, recua há seis meses. Em ambiente assim, a empresa investe menos, e o consumidor adia as compras.
As ações da Petrobras fecharam em alta nos últimos dois dias, mas, na quarta-feira, atingiram o menor valor dos últimos cinco anos. A bolsa brasileira fechou o mês de janeiro com queda de 7,5%, o pior resultado para o mês desde 1995. A bolsa pode inverter por vários motivos; um deles é a percepção de que certas ações estão baratas.
O déficit de US$ 4,05 bilhões da balança comercial em janeiro aumentou a pressão sobre as contas externas, que no ano fecharam com um déficit de 3,66% do PIB. Mas os chineses têm garantido bons preços para as commodities agrícolas e minerais, e isso favorece o Brasil. Com o menor crescimento chinês, esses preços podem até ceder, mas não será queda brusca. As previsões são de superávit comercial no ano e um número maior do que em 2013.
O Brasil vai fazer uma parada esportiva no meio do ano para a realização da Copa. A torcida geral é para que os atrasos nas obras sejam superados e não atrapalhem a festa. Claro, e que a seleção brasileira ganhe.
Será um erro o governo tomar decisões, nas várias frentes, com olho unicamente nas urnas. Há um médio e longo prazo a construir e há erros a corrigir. Os números não são negativos por acaso. É colheita do que foi plantado.

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