O impasse da reforma
Daniel Sarmento, professor adjunto de Direito Constitucional, procurador regional da República, e Aline Osório, mestranda em Direito Público e uma das advogadas da Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UERJ que, na qualidade de amicus curiae, sustenta a procedência da ADI 4.650, defendem em trabalho recente que, “se admitirmos doações irrestritas e a atuação indiscriminada dos interesses econômicos nas campanhas, estaremos comprometendo a normalidade e a legitimidade das eleições”.
Os autores entendem que a “profunda insatisfação da sociedade com os rumos da representação política e um descolamento evidente entre a vontade de representados e representantes” exige “uma ampla reforma do sistema político brasileiro, voltada a torná-lo mais democrático, republicano e eficiente”.
Consideram “um dos pontos fundamentais desta reforma” a alteração do modelo de financiamento de campanhas vigente, sistema que “ao possibilitar a excessiva infiltração do poder econômico nas eleições, dá ensejo a profundas desigualdades entre eleitores, candidatos e partidos, bem como a relações antirrepublicanas e ao agigantamento da corrupção”.
Esse ponto de vista tem sido majoritário até o momento no julgamento do Supremo Tribunal Federal, o que pode criar as condições para que a reforma política afinal se concretize, pois não é possível manter-se o mesmo sistema eleitoral sem o financiamento privado.
Na audiência pública que o ministro Luiz Fux promoveu para debater o tema, eu fui a favor do fim do financiamento por empresas, mas com a adoção do voto distrital misto, que baratearia as campanhas eleitorais e daria ao eleitor um controle maior sobre o seu representante distrital.
Jairo Nicolau, cientista político da UFRJ, um dos maiores especialistas em legislação eleitoral, não é otimista com relação à viabilidade de aprovação de uma reforma eleitoral. Em trabalho publicado recentemente em revista da Universidade Federal de Minas Gerais, ele faz um balanço dos 20 anos em que o tema está sendo debatido.
Para ele, “os legisladores praticamente esgotaram o estoque de propostas razoáveis de substituição (distrital, distrital-misto) ou de reforma da representação proporcional (lista fechada e flexível) no Brasil”. Por que deputados que se elegem basicamente por conta de seus esforços durante a campanha, e que cultivam uma relação direta com suas bases ao longo do mandato, quererão alterar o sistema eleitoral?, pergunta Jairo Nicolau.
Ele destaca que, entre os maiores partidos, apenas o PT tem uma posição forte em defesa de reforma do sistema eleitoral; o partido defende a adoção da lista fechada. Algumas lideranças do PSDB são simpáticas ao voto distrital, mas a opção não empolga a bancada do partido. Já o PMDB, o PSB e o DEM não defendem programaticamente nenhum sistema eleitoral específico, e seus dirigentes se dividem sobre o tema.
Nicolau identifica dois pontos de veto que praticamente inviabilizam qualquer mudança do sistema de lista aberta. “De um lado, a posição forte do PT em defesa da representação proporcional de lista fechada impede que qualquer opção por um sistema majoritário prospere; sem contar que uma mudança nesta direção exigiria uma reforma constitucional. Outro ponto de veto forte é constituído pelos parlamentares comuns, distribuídos por vários partidos, que temem ficar mal posicionados em seus partidos, na eventualidade de adoção da lista fechada”.
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