Clínica do voto: Com propaganda eleitoral antecipada, Bacelar usa unidades de saúde para se promover ilegalmente
Mesmo se dizendo defensor ferrenho da educação, é na área da saúde que o enrolado deputado estadual João Carlos Bacelar (PTN) mantém relações suspeitas. Sem a menor cerimônia, o parlamentar divulga em seu site oficial uma suposta “parceria” com a Organização Não Governamental (ONG) Instituto Crescer, que, por essas coincidências da vida, administra três clínicas médicas nos bairros de Itapuã, Nordeste de Amaralina e Boca do Rio, principais redutos políticos de Bacelar.
Nas clínicas, a população mais carente recebe tratamento gratuito, seja qual for seu problema de saúde, e é induzida por meio de banners, santinhos e afins com fotos de Bacelar, espalhados pelas unidades, a votar no deputado e em seus correligionários – o que é proibido pela legislação eleitoral e configura propaganda antecipada. Como toda parceria requer reciprocidade, os eleitores de Bacelar também têm preferência de atendimento no Instituto Crescer. Fundada em 1999, a dita ONG atende nas áreas de cardiologia, clínica geral, enfermagem, fisioterapia, pediatria e cardiologia e, segundo dados do seu próprio site, desatualizado desde 2011, já atendeu mais de 90 mil pacientes nas suas três unidades.
Unidades em redutos eleitorais
Além de funcionarem nos principais redutos eleitorais de João Carlos Bacelar, algumas unidades do Instituto Crescer foram inauguradas às vésperas das eleições, como a clínica de Itapuã, que começou a funcionar em outubro de 2005, um ano antes do pleito que elegeu Bacelar como deputado estadual. Já a unidade da Boca do Rio, a segunda a ser aberta, foi inaugurada em setembro de 2006, um mês antes da eleição, o que comprova o sucesso no atendimento aos futuros eleitores.
A clínica do Instituto Crescer na Boca do Rio funciona no fim de linha do bairro, em um lugar de difícil acesso. Na entrada da unidade, há um pequeno banner com a foto do vereador Toinho Carolino – muitíssimo ligado a Bacelar -, pregado no mural de recados da clínica e outro banner, este de tamanho médio, com foto de Bacelar e felicitações natalinas, davam as boas vindas e indicavam: trata-se de território do PTN.
Banners de Bacelar ‘decoram’ clínica
A clínica funciona numa casa modesta, mas com ampla área externa. Na parte de dentro, os pacientes se aglomeram à espera de atendimento: alguns sentados em cadeiras plásticas, outros em pé. Outro banner com a foto de João Carlos Bacelar, idêntico ao exposto do lado de fora, decora a área interna da clínica.
Questionada se já havia votado em Bacelar, uma paciente nega, mas garante que a maioria dos clientes da clínica são eleitores do deputado. “Aqui, um bocado de gente vota nele. Eu moro no Alto de São Francisco e muita gente vota nele por causa do atendimento”, revela.
“Ganha voto com isso”
Na clínica da Boca do Rio, a marcação de consultas é feita todas as quintas-feiras, presencialmente, e os pacientes têm que chegar cedo para pegar uma ficha – do contrário, perdem a oportunidade de atendimento, como explica uma senhora que preferiu não se identificar. “Eu mesma cheguei na semana passada às 5h. Mesmo assim, já tinha gente na minha frente. A coisa aqui é concorrida porque tem muita especialidade. A gente tem que se virar”, falou.
Outros moradores da região vão além e afirmam que o Instituto Crescer é de propriedade de João Carlos Bacelar. “Todo mundo sabe que a clínica é dele, por isso que tem as fotos lá. Ele não esconde, porque ganha voto com isso. Ele vive aqui na época da política, faz campanha e tudo”, disse uma comerciante da região, que também preferiu não se identificar.
O deputado nega. “A clínica não é minha. Acho que [os moradores dizem isso] não por ignorância, mas por saber que é um trabalho que eu ajudo, que eu apóio. E pela minha vida nessas comunidades”, afirmou.
“Isso configura ilícito eleitoral”
Débora Guirra explica que os banners com as fotos de Bacelar e Carolino não poderiam estar expostas nas dependências da clínica. “Não pode haver propaganda eleitoral em ambiente de bens de uso comum, como a clínica, muito menos as que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”, declarou.
O site do Instituto Crescer é divulgado na página do próprio Bacelar na internet. Segundo a advogada, este fato e a foto dele estampada em banners na unidade comprovam a estreita ligação do deputado com a organização. “Pela legislação eleitoral, a foto não poderia estar lá. Isso configura um ilícito eleitoral. Neste primeiro momento, ele poderia receber uma multa por propaganda eleitoral antecipada. Como a foto que está no banner é idêntica à foto do site, ela faz referência a outras propagandas que ele já faz”, explicou.
“Clientelismo político”
Para o cientista político Joviniano Neto, a relação de Bacelar com o Instituto Crescer pode ser considerada uma espécie de clientelismo político. “O clientelismo é um jogo de mão dupla, onde os mais pobres pedem ajuda aos mais ricos e retribuem esses favores com lealdade política. Há um velho costume do brasileiro de não saber separar o público do privado. É aquela velha história de ‘quem tem padrinho, não morre pagão'”, opinou.
Segundo Neto, esta prática mostra que há espaços que o estado não quer ou não ocupa eficazmente. “Se existissem serviços públicos que as pessoas pudessem acessar, sem precisar de padrinhos, isso não aconteceria”, destacou o cientista político.(Metro 1)