Tributação e dono: o que vai mudar no Bahia se a venda para o Grupo City for aprovada
Tributação e dono: o que vai mudar no Bahia se a venda para o Grupo City for aprovada
Entenda as diferenças entre SAF e associação nos times de futebol
Com a chegada da proposta do Grupo City para a compra das ações de uma SAF do Bahia, os sócios vão ter o papel de decidir se aprovam ou não a transformação em clube-empresa e consequentemente a venda do Esquadrão para o fundo árabe. A decisão será tomada durante uma Assembleia Geral Extraordinária, a ser convocada após análise do acordo pelo Conselho Deliberativo.
Desde o fim do ano passado, o termo SAF, que significa Sociedade Anônima do Futebol, se popularizou entre os torcedores brasileiros. A lei que permite aos clubes de futebol um novo modelo de clube-empresa foi publicada em agosto de 2021 e ganhou notoriedade após a adesão de Botafogo, Cruzeiro e Vasco.
Diante de uma decisão que vai mudar o futuro do Bahia de forma permanente, é preciso entender do que se trata este novo modelo. Atualmente, a maioria dos clubes no Brasil, entre eles o tricolor, são associações sem fins lucrativos. Essas agremiações possuem uma série de benefícios fiscais que não teriam caso fossem empresas, mas também restrições que as impedem de se colocarem no mercado, ter um investidor ou mesmo distribuir lucros.
Desde a década de 1990, os clubes de futebol podem se tornar empresas no país. Para isso, bastava optar pelo modelo de Associação Limitada (LTDA) ou Sociedade Anônima (S/A). O próprio Bahia viveu essa experiência entre 1998 e 2006, quando foi uma S/A que tinha como acionista majoritário o Banco Opportunity, dono de 51% das ações. Por sinal, uma dívida com o Opportunity, resolvida somente neste ano, foi o último entrave superado antes da formulação da proposta atual de SAF, que será apresentada sexta-feira (22) pela diretoria do clube aos conselheiros, em um evento na Fonte Nova.
A principal diferença da SAF para os dois modelos citados é que a nova lei versa exclusivamente sobre o futebol. Assim, apesar de terem um dono e pagarem impostos como empresa ao migrar da associação para a SAF, os clubes têm uma tributação menor do que as demais empresas, o que resulta em uma vantagem para atrair investidores. É o que explica o advogado Fabrício de Castro, ex-presidente da OAB-BA.
“A SAF possui uma maneira de tributação mais simplificada do que as empresas em geral. Alguns tributos são descontados de forma conjunta com base nas receitas, e esse regime simplificado ajuda bastante”, explica.
A mudança para clube-empresa não é obrigatória, mas o boom que vem acontecendo após a criação da Lei 14.193 (conhecida como Lei da SAF) se deve à expectativa de atração de capital estrangeiro – num mercado com clubes endividados e investidores de olho no reconhecido talento e potencial de venda dos atletas brasileiros.
Os clubes devem seguir um conjunto de regras ao migrar para o novo modelo. Entre os requisitos estão: a formação de um Conselho de Administração obrigatório formado por parte indicada pelo clube e parte pelo investidor; proibição de que o administrador da SAF seja o mesmo da instituição; criação de um Conselho Fiscal; e o controle nas informações. A divisão das dívidas entre SAF e associação pode pesar na atração de investidores.
“Olhando para frente, agora temos um marco regulatório que divide muito as dívidas que os clubes tinham anteriormente com o futuro do clube. Hoje o investidor tem a segurança de que todo o passivo não será administrado por ele. O investidor tem responsabilidade com o passado, parte da receita da SAF é destinada para pagar dívidas antigas, mas ele poderá fazer os investimentos, o planejamento, e seguir em frente”, completa Fabrício de Castro.
Dono ou sócios?
Ao entrar no mercado e negociar as ações da SAF, os clubes passam a ter um dono. O investidor será o responsável por gerenciar o futebol, explorar a marca, decidir sobre as contratações e rumos do time. Eventual aporte que será feito no ato do acordo de compra fica estabelecido em contrato. Dependendo de cada caso, o valor pode ser usado no pagamento de dívidas ou investido de outra forma.
“No aspecto negocial, os clubes precisam, quando forem fazer os contratos, terem os marcos de investimentos. Por exemplo, o clube que celebra um contrato hoje vai ter um patamar mínimo de investimento. Garantias que precisam ser contratuais. A lei não vai impor que o investidor faça investimentos tais que não o próprio contrato”, diz o advogado.
É importante destacar que, mesmo com a criação da SAF, a associação permanece viva. Ela concentrará as dívidas trabalhistas e fiscais do clube. Para garantir o pagamento aos credores, a SAF deve repassar à associação 20% das receitas anuais.
Alterações nas cores, hino, escudo e quaisquer outros símbolos da agremiação só podem ser feitas com a anuência da associação. Nesse caso, a decisão final terá a participação dos sócios, que seguem vinculados à instituição original.
No exemplo do Bahia, nenhum símbolo será alterado. Já o Club Atlético Torque mudou o escudo e até o nome depois que se tornou franquia do Grupo City no Uruguai. Hoje é o Montevideo City Torque.
“O sócio torcedor continua exercendo os seus direitos dentro da associação. No limite que a associação tiver de funcionamento na SAF, o sócio, dentro da associação, poderá se manifestar”, explica Fabrício de Castro, resumindo o que está em jogo.
“Para existir a SAF, antes é preciso que o clube original aprove. Não haverá SAF se esses próprios sócios não aprovarem. Então, não há nenhuma supressão de direitos. Evidentemente vai perder poder, não vai poder votar para presidente [da SAF]. Mas vai ter mais investimento. É uma escolha”, finaliza.
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