Diga não ao Real
Sob gritos e cartazes com a frase do título acima e lemas como “Contra o plano FHC”, sindicatos, alguns partidos e categorias protestavam durante o primeiro semestre de 1994 contra o “caráter eleitoreiro” e penalizante do Plano Real para os trabalhadores. O passar do tempo provou que o plano foi um sucesso duradouro e que o fim da hiperinflação era uma vitória do, e para, o povo. Hoje, como em 1994, diversos segmentos da sociedade organizada esbravejam contra a reforma da Previdência, e seu mérito e propostas para melhorá-la se perdem na falta de informação e na politização do tema.
Neste ambiente, é importante verificar quais são as premissas por trás da reforma e entender o porquê da mesma. Atenho-me a duas estatísticas em particular:
1) O bônus demográfico acaba em 2020, segundo as Nações Unidas, o que quer dizer que, a partir dali, haverá cada vez mais aposentados para cada trabalhador ativo. Isso significa que teremos uma massa cada vez maior de aposentados, com um volume menor de trabalhadores ativos financiando a Previdência. E, dado o avanço da expectativa de vida, a proporção de pessoas muito idosas aumenta, significando que este contingente maior ficará recebendo sua aposentadoria por mais tempo.
2) Devido às alterações demográficas em curso, se até 2100 o Brasil continuar a gastar por aposentado (média) o mesmo que hoje, o valor total do gasto previdenciário atingiria mais de 45% do PIB, segundo o BID. A estimativa do governo aponta para cerca de 20% do PIB em 2060, valor já bastante expressivo. Parte do elevado gasto tem a ver com regimes previdenciários (de juízes, servidores, professores etc) generosos e que são reservados apenas para alguns setores, enquanto cerca de 60% dos aposentados recebem apenas um salário mínimo. Este desenvolvimento cria dois problemas gravíssimos: como financiar este gasto, uma vez que nossos filhos e netos podem (e provavelmente vão) se negar a fazê-lo; e como financiar os demais direitos sociais, como educação e saúde. Este segundo ponto é ainda mais dramático quando se leva em conta que o número de idosos que requerem assistência médica vai crescer substancialmente nas próximas décadas, exigindo assim mais recursos proporcionalmente para a área da saúde. Quem vai financiar o déficit explosivo daqui a 30 anos? Nossos filhos. Mas eles podem também resolver rachar esta conta com os aposentados do futuro (nós), através de diminuições do benefício em um momento em que não poderemos nos precaver e poupar mais para a velhice.
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Os dois pontos acima já expõem o X da questão previdenciária: ela trata de um conflito de gerações. Nós, que podemos nos aposentar com as regras atuais e temos mecanismos de pressão política, versus “eles”, crianças de hoje e de amanhã, que não têm lobby ou sindicatos, que não votam em representantes para seus interesses e que pagarão a conta de nossas decisões. Infelizmente, nossos filhos ainda não podem faltar um dia de aula para se manifestarem. A reforma vai viabilizar não apenas a existência de uma aposentadoria para nós, mas também para eles, e eximi-los de uma carga tributária esmagadora, que preserva regalias para poucos setores.
Quando se fala de “perda de direitos trabalhistas”, as palavras de ordem tratam de trabalhadores correntes que terão que trabalhar mais alguns anos ou abrir mão de regimes especiais de aposentadoria. Mas não deveriam eles também defender o direito dos trabalhadores do futuro a uma educação e saúde públicas, aposentadorias e uma carga tributária decente? Vamos ver em que lado da história estarão sindicatos e grupos organizados em 20 anos.
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