MPF aciona Estado, União e consórcio por obra ‘ilegal’ de estaleiro na Bahia
O Ministério Público Federal em Feira de Santana (BA) divulgou que ajuizou nesta segunda-feira (9) ação civil pública contra as empresas que formam o Consórcio Estaleiro Enseada do Paraguaçu, formado Odebrecht, OAS Engenharia e Participações, Construtora OAS, Kawasaki Heavy Industries e UTC Engenharia, a União e o Estado da Bahia pela instalação considerada ilegal do Estaleiro Enseada do Paraguaçu, na Reserva Extrativista Baía de Iguape, no município de Maragogipe, a cerca de 150 Km de Salvador.
De acordo com o órgão, instalação do polo naval na região provocou danos ambientais que haviam sido previstos antes da obra, mas que não foram evitados. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) também são alvos da ação, segundo o MPF, por terem autorizado a obra, orçada em R$ 2,6 bilhões.
O autor da ação foi o procurador da República Samir Cabus Nachef Júnior. Ele pediu à Justiça Federal, liminarmente, que os réus tomem providências para reparar os danos ambientais causados pela obra.
Das empresas que formam o consórcio responsável pela obra, três (Odebrecht, OAS Engenharia e Participações, Construtora OAS) são alvo da Operação Lava Jato e tiveram dirigentes presos durante ações da Polícia Federal em todo o país. As empresas são investigadas por pagamento de propinas.
Em outubro de 2014, o estaleiro recebeu a Licença de Operação (LO) concedida pelo Ibama para iniciar a fabricação de navios-sonda para a Petrobras. Em fevereiro de 2015, no entanto, o Consórcio Estaleiro Paraguaçu (CEP) anuicou o encerramento das atividades nas obras alegando crise na indústria naval. Na ocasião, mais de 2 mil funcionários foram desligados em quatro meses. O estaleiro tem obras 82% concluídas, porém paradas e sem previsão de continuação.
Ação ilegal
Segundo o MPF, o Estaleiro Enseada do Paraguaçu foi construído em parte da Reserva Extrativista (Resex) Baía do Iguape, que, conforme o órgão, teve seus limites territoriais alterados para possibilitar a implantação do polo naval na região.
A alteração, de acordo com o órgão, foi feita por meio do que o Supremo Tribunal Federal (STF) considera um “contrabando legislativo”, o uso de uma medida provisória (MP) para aprovar assunto diverso de seu conteúdo principal. O MPF ressaltou que a MP 462/2009 tratava da prestação de apoio financeiro, pela União, por meio do Fundo de Participação dos Municípios, à obra, mas o texto, no Senado Federal, contou com 23 emendas alheias ao texto principal, entre elas a alteração da área da reserva.
Na ação, o MPF lembra que a MP 462 foi a última medida provisória com possibilidade de incluir as chamadas “emendas de contrabando”, emendas que não se referem ao
conteúdo principal da medida provisória. Em junho de 2009, o então presidente da
Câmara, Michel Temer, decretou que, a partir da MP 463, não seriam mais aceitas
emendas sobre matérias diferentes do texto principal da medida provisória.
Conforme o MPF, essa decisão decisão “provocou uma corrida de parlamentares interessados em incluir assuntos diversos no corpo da MP 462, entre elas a alteração da poligonal da Resex Baía de Iguape”. Para a alteração, como lembra o MPF, foram utilizados como argumentos a suposta existência de erro que fazia com que o estaleiro de São Roque do Paraguaçu estivesse localizado parcialmente dentro da RESEX Baía de Iguape.
A Lei nº. 12.058/2009, sancionada pouco depois, alterou em definitivo os limites da Resex. Segundo o MPF, os novos limites, apesar de terem aumentado o tamanho da RESEX, tiraram dela importantes áreas que necessitam de proteção, como a parte sudeste da unidade de conservação, onde se localiza o estuário do Rio Baetantã, área de produtividade pesqueira na baía.
Impactos
A modificação, no entanto, segundo o MPF, não considerou a necessidade de
proteção do bioma da região e foi realizada sem a realiação de estudos técnicos necessários ou a consulta à população local.
Segundo o Ministério Público Federal, de acordo com avaliação da Comissão Pró-Iguape, formada por ONGs ambientalistas, entidades da pesca e pesquisadores que se uniram para a defesa da Baía do Iguape, a instalação do estaleiro na região implica, entre outras questões, em impacto nos crustáceos locais devido à dragagem, na alteração no processo das marés, na qualidade da água, na remoção da biota marinha e também na erosão de margens do rio.
O MPF informou que o Ibama havia destacado, em relatório prévio, que a instalação do estaleiro implicaria na retirada de 15 hectares de manguezal na região — o que já ocorreu — causando problemas à hidrologia do local, incluindo a impermeabilização do solo, mas mesmo assim concedeu permissão para execução da obra. Ainda segundo o MPF, em parecer técnico o Ibama afirmou, que os Estudos de Impacto Ambiental do estaleiro e das obras do terminal portuário foram realizados com falhas, erros e baixa representatividade ou falta de dados que comprometeriam a determinação da viabilidade ou não do empreendimento.
“A maneira como se processou as tratativas iniciais para a instalação do estaleiro já deixava evidente que, em primeiro lugar, seriam levados em consideração os fins econômicos. O Meio Ambiente se mostrava como questão secundária e desimportante”, afirmou o procurador Samir Nachef.
O MPF pediu à Justiça, em caráter liminar, que as empresas sejam obrigadas a contratar equipe multidisciplinar para avaliar o dano socioambiental causado pelas obras. O órgão reiterou o pedido em caráter definitivo e pediu, ainda, que a equipe elabore laudo, no prazo de 90 dias, em que conste a totalidade do impacto ambiental e a valoração dos impactos socioeconômico e socioambiental causados, considerando a participação efetiva da população atingida.
O MPF também quer que as empresas sócias do consórcio e o poder público sejam obrigadas a reparar o dano causado e realizar as devidas indenizações, devendo apresentar um plano socioambiental para isso também em 90 dias, e ainda a pagar danos morais coletivos de pelo menos 20% do valor do empreendimento, que teve investimento de R$ 2,6 bilhões, e sociais de pelo menos 10% desse valor.
Em nota, o consórcio Enseada Estaleiro Enseada do Paraguaçu informou que não teve acesso aos autos e que, até agora, “não foi citada na Ação Civil Pública” divulgada nesta segunda-feira pelo Ministério Público Federal. Ainda na nota, a companhia afirma que “desde o início da implantação do estaleiro vem cumprindo com a legislação vigente e todas as exigências dos órgãos licenciadores”.
O Ibama informou que os atos administrativos do órgão são públicos e baseados na legislação vigente. O Instituto divulgou que aguarda notificação da Justiça para analisar o teor da ação civil pública e apresentar defesa em juízo.
O G1 entrou em contato com as assessorias do ICMBio e do governo da Bahia, mas, até a publicação desta reportagem não recebeu os posicionamentos sobre o caso. A reportagem não conseguiu contato com a assessoria da Advogacia-Geral da União.(G1)