Falta de verba atrasa identificação de doença misteriosa

A falta de verbas para a compra de reagentes químicos está atrasando exames que tentam identificar a causa do surto misterioso que provoca dores musculares e urina preta, afirma Gúbio Soares, professor do Laboratório de Virologia da Ufba. Convicto de que se trata de um vírus, Gúbio informou que está prestes a conhecer o nome do microorganismo que estaria relacionado com o surto, mas lhe falta dinheiro para continuar a pesquisa.
“Encontramos indícios de dois vírus nas fezes de pacientes. A única dúvida é se é um ou outro”, disse o professor, que precisa do reagente para realizar o sequenciamento do material genético do vírus. “Fazer esse sequenciamento é caro. Um reagente desses custa em torno de R$5 mil. É um material importado. A Ufba não tem dinheiro”, afirma Gúbio.
Os dois vírus que tiveram indícios encontrados são o Enterovírus e o Parechavírus. “É muito importante identificar o vírus e notifica-lo às autoridades”, acredita. Enquanto isso, nota técnica divulgada nesta quarta-feira pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) atualiza o número de pessoas atingidas.
De acordo com a nota, entre os dias 14 e 30 de dezembro foram notificados 30 casos suspeitos de mialgia aguda (dores musculares) nos municípios de Salvador, Vera Cruz e Lauro de Freitas, investigados tanto pelas prefeituras quanto pela própria Sesab. Especialistas chegaram a desconfiar que o consumo de peixe esteja relacionado ao surto. Mas Gúbio questiona: “Se eu encontro o problema no ser humano, como vou acusar o peixe?”.
Apesar da falta de dinheiro, Gúbio Soares espera concluir a pesquisa entre o final dessa semana e início da outra. Para tal, vai adquirir o reagente “fiado” com uma empresa alemã que tem representante em São Paulo. “Se for levantar a verba através de edital, vai demorar muito. Teria que elaborar um projeto. Não temos tempo. Vou conversar com a empresa e pago depois de fazer o projeto”, explicou o professor.
InteresseGúbio afirma que tanto a Sesab quanto a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) conhecem sua pesquisa e não se mostraram interessados em apoia-la. “Tudo é uma questão de interesse do estado. O pessoal da Sesab me conhece, sabe que estou realizando este trabalho”, disse. Em nota, a Sesab explicou que “não foi procurada oficialmente pelo pesquisador Gubio Soares a respeito da demanda”.
Em paralelo à pesquisa de Gúbio, o infectologista Antônio Bandeira, do Hospital Aliança, também diz não ter verbas para reagentes químicos. No caso de Bandeira, a pesquisa feita em parceira com a SMS tenta identificar possível toxina ou substância química que tenha provocado a doença.
Os materiais coletados (fezes de pacientes e pedaços de peixes) foram encaminhados para o Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) e para o Ministério da Saúde. “Um dos pacientes cedeu um pedaço do peixe consumido. Ainda estamos vendo a possibilidade de ser uma toxina. Mandamos para o Ministério porque os reagentes são muito caros”, admitiu o médico.
Ações do LacenNa nota técnica da Sesab, o Lacen informa que amostras biológicas de 18 pessoas com quadro clínico compatível com mialgia aguda até 29/12/2016 estão sendo realizadas, com possíveis causas infecciosas de origem viral, fungica ou bacteriana.
Mas, um total de sete amostras de fezes foi encaminhada ao laboratório da Fiocruz, no Rio de Janeiro, para a pesquisa do enterovírus, ou seja, o mesmo que o professor Gúbio tenta identificar na Ufba. No Lacen, as amostras biológicas dos casos suspeitos deram resultado negativo. “Mas no Lacen se investiga apenas material pesado. As análises são diferentes”, disse o infectologista Antônio Bandeira.
O CORREIO buscou junto à Sesab representante do Lacen ou da Diretoria de Vigilância Epidemiológica para comentar as ações, mas não obteve resposta. No mesmo Lacen, a pesquisa microbiológica para bactérias e fungos também deu negativa. Parte de duas amostras de peixes olho de boi (uma in natura e outra cozida), da mesma forma, teve resultados parciais negativos, mas também foi encaminhada para o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo.
Detalhes da nota técnicaA nota do Lacen também detalha informações sobre os casos notificados. Das 30 notificações, 27 (90%) são de pessoas residentes no município de Salvador. A média de idade foi de 44 anos, variando de 08 a 73 anos. Houve predomínio de casos do sexo feminino, 17 (58%). Quanto aos sinais e sintomas, destaca-se que 29 (97%) apresentaram dores musculares intensas de início súbito; 14 (46,7%) dor ao leve toque no corpo; 13 (43,3%) urina escura; 10 (33,3%) dores articulares e sudorese.
(Correio)