Casa dos avós: use sem abusar!
Dia desses, conversava com um rapaz espanhol, Jorge, há dois anos no Brasil. Criado em Madri, formado em engenharia, veio para cá em busca de trabalho, já que a Espanha vive em meio a uma profunda crise econômica. Já bem alocado em uma empresa de construção civil, Jorge disse que antes de migrar viveu à custa da aposentadoria do avô, que também custeou a viagem ao Brasil.
A realidade de Jorge é a mesma de muitas famílias espanholas. E no Brasil, país que hoje tem estabilidade econômica reconhecida, uma situação semelhante se esboça. Dados do IBGE mostram que os aposentados brasileiros sustentam 12 milhões de famílias e, pasmem, na maioria dos municípios com mais de 20 mil habitantes, são os responsáveis por dinamizar a economia local.
Casas de avós são relíquias para a memória afetiva das pessoas. Mas hoje em dia, por conta de mudanças profundas nas constituições familiares, além de afeto os avós vêm contribuindo com reforços consideráveis no orçamento. Pais e mães solteiros, ou que se separam e voltam para as casa dos pais, muitas vezes com filhos, tornaram-se situações até corriqueiras. Pode-se dizer que as novas constituições familiares, em parte, existem em função dos avós.
Também são eles que, na lei, são chamados a contribuir com pensões alimentícias, caso o pai ou a mãe não possam assumir. A lei determina que na falta de condições financeiras dos pais, os parentes de primeiro grau devem se responsabilizar – avós, irmãos mais velhos ou tios da criança ou adolescente a quem a pensão alimentícia é destinada. E devem fazê-lo na medida de suas possibilidades.
Claro, na maioria das vezes quem socorre são os avós e em geral o fazem com prazer e carinho. E é aí que mora o perigo: sim, há alguns que simplesmente se aproveitam da bondade dos pais e esquecem que a responsabilidade de manter e educar os filhos é deles.
Por conta disso, os avós deixam de fazer exames de rotina e prevenção, economizam nos remédios e muitas vezes param de pagar planos de saúde. Outros dedicam-se à educação dos netos, levando-os à escola, ocupando-os com lazer apropriado e muito mais.
Essa situação, porém, não deve vigorar por muito tempo: pessoas acima de 65 anos têm necessidades específicas, que devem ser atendidas. Assim, é possível aos avós recorrerem de sentenças judiciais que lhe impugnam responsabilidade maior do que podem arcar. Ou, caso surja uma doença ou a situação dos avós se complique, é possível recorrer à Justiça para refazer a análise de possibilidades financeiras.
Aliás, se há deveres a serem compartilhados, vale lembrar que os idosos também têm seus direitos. Quando não recebem pensões nem aposentadorias, a lei lhes garante a possibilidade de recebimento de pensão dos próprios filhos, o que, convenhamos, deveria ser um ato espontâneo, mas nem sempre o é.
Da mesma forma, carinho, atenção e visitas cordiais deveriam ser um gesto rotineiro na vida de quem tem pais idosos. Acontece que, cada vez mais, a vida transforma-se numa corrida e, pouco a pouco, os momentos de folga são preenchidos de outra forma. A casa dos pais idosos – se estes não são o esteio da família ou o próprio lar dos filhos adultos – se tornam apenas mais um local de passagem rápida ou de deslocamento obrigatório. Esse fenômeno, infelizmente, é mundial.
Para dar uma ideia, na China, país onde o respeito pelos mais velhos e, em consequência, pelos pais, sempre foi uma das virtudes mais levadas em consideração, foi promulgada recentemente uma lei que obriga filhos a visitarem seus pais.
Assim como o Brasil, a China é um país de dimensões continentais, em que muitos importantes centros urbanos estão a vários quilômetros de distância da cidade onde moram os pais. Os especialistas afirmam que é a industrialização e o ritmo vertiginoso do crescimento das cidades chinesas os motivos que estão levando ao afastamento entre pais e filhos.
O vice-diretor do Centro de Pesquisas sobre Envelhecimento chinês, Dang Janwu, afirmou à imprensa internacional que seu país consegue assegurar o bem estar material dos idosos, mas que as necessidades espirituais também são tão ou mais relevantes do que o aspecto material – e que, estas, apenas os filhos podem prover.
Outra medida tão importante quanto a lei em questão foi a reedição de um texto clássico, uma coletânea de contos folclóricos que, por seis séculos, foi utilizada pelas famílias para educar as crianças e incutir nelas o respeito aos idosos.
No Brasil, o Estatuto do Idoso cerca com instrumentos jurídicos a provisão das necessidades mais prementes dos idosos por parte do poder público. Mas interfere muito pouco quanto à forma com que os filhos devem agir em relação aos pais; afinal, não é característica das leis brasileiras adentrarem o espaço doméstico.
Quanto ao Jorge, uma vez estabelecido, disse que já tem dinheiro poupado para pensar numa boa viagem de férias. Pergunto: vai ver o avô? Ele responde: Não, vou conhecer o Nordeste brasileiro!
Por mais comercial em que a data de 26 de julho, Dia dos Avós, possa se converter, seria bem interessante refletirmos sobre eles. Será que há mesmo necessidade de uma lei para prover um afeto que deveria ser, no mínimo, espontâneo? E, consideremos: afinal, a maneira com que os filhos agem com seus pais idosos tem relação, em grande parte, com a maneira como foram criados. Dá mesmo o que pensar, não é? (DC)