Dislexia é tema de audiência pública no Poder Legislativo
Ana Aparecida sempre se sentiu diferente das outras pessoas. Quando criança, chegou ao ponto de fugir da escola. À época, era difícil para a comunidade escolar entender o motivo que levava a garota a ter um desenvolvimento mais lento em relação aos outros alunos. A menina, hoje mulher e cursando Serviço Social, só ficou sabendo que tinha dislexia quando ingressou no contexto acadêmico.
“A minha caminhada sempre foi essa: conhecer quem eu sou, e identificar o meu valor. Desbravar esse mundo acadêmico é um desafio para nós. Lembro que quando criança tive receio da escola. Eu sabia copiar as letras, mas não sabia ler. Fui crescendo e percebendo que decorava as coisas ditas pelos outros com muita facilidade, mas na hora das provas não compreendia os enunciados das questões. Achava que não aprendia. A intervenção correta só tive mais tarde, quando já era acadêmica”, relatou.
Os desafios narrados por Ana Aparecida fazem parte da realidade de até 10% das crianças e adolescentes presentes nas escolas brasileiras, como revelou Priscila Garrido, fundadora da Associação Baiana de Dislexia (DislexBahia), durante uma audiência pública semipresencial realizada na manhã desta quarta-feira (6) na Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA), por iniciativa do deputado Paulo Câmara (PSDB), vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa Legislativa.
O encontro fez parte da Semana Estadual de Conscientização e Informação sobre a Dislexia e Transtornos de Aprendizagem, e trouxe o tema oficialmente às discussões no Parlamento baiano. Segundo Câmara, a pauta possui alta relevância, sobretudo, no que se refere à identificação ainda na infância, o que pode ser decisivo para o desenvolvimento do indivíduo.
“Esse mandato passou a ter um sentido novo quando fui na DislexBahia. Confesso que era leigo no assunto. Depois que comecei a estudar e a aprender, percebi quantas pessoas têm filhos disléxicos e passam despercebidos. Pude acompanhar os desafios de quem tem dislexia e a entender como o diagnóstico precoce é importante para o desenvolvimento das crianças. É uma obrigação do Poder Público cooperar, principalmente, através da escola”, afirmou.
A dislexia é um distúrbio genético que dificulta o aprendizado. Entre as consequências mais comuns estão o atraso na fala, a diferenciação entre direita e esquerda, a dificuldade de leitura e escrita e, consequentemente, da interpretação. Conforme ressaltou Priscila Garrido, um dos motivos que tem resultado no diagnóstico tardio da dislexia é o desconhecimento dos pais, do Poder Público e dos próprios educadores, o que precisa ser sanado.
“Tudo isso mexe com a autoestima da pessoa com dislexia. No caso da criança, observamos que ela se sente desmotivada e desinteressada. A criança não se sente pertencente à escola, isso até chegar à fobia escolar. Às vezes, a criança chega aos 10, 11 anos sem sequer saber ler. Mas nós sabemos que é possível superar isso. Transformar essa realidade é uma missão. Precisamos contar com o apoio do Poder Público. Todos podem aprender e ter sucesso acadêmico e profissional. Precisamos dar oportunidade para estas crianças”, enfatizou.
Segundo Maria Angela Nico, presidente da Associação Brasileira de Dislexia (ABD), o transtorno não tem cura, mas a dificuldade pode ser reduzida de maneira significativa com o diagnóstico precoce e o tratamento adequado. Em relação à identificação do disléxico, Maria Angela destaca que, além das deficiências, como dificuldades de leitura e escrita, o indivíduo precisa ter uma inteligência na média. No caso das crianças, o profissional que deve ter condições para identificar os indícios da dislexia é o próprio professor. Em muitos casos, é indicado aos pais da criança que procurem a ABD para uma avaliação mais profunda.
“A dislexia é hereditária, e a avaliação é preventiva. A ABD realiza interferências que iniciam com o monitoramento do indivíduo. Após fechar o diagnóstico, temos um protocolo para cada disléxico. Cada caso é diferente do outro. Esse tratamento é longo. São anos de tratamento, mas apresenta resultados surpreendentes, como, por exemplo, o desenvolvimento da leitura e da escrita”, afirmou.
O acompanhamento da pessoa com dislexia deve ser feito por uma equipe multidisciplinar, composta por neuropsicólogos, fonoaudiólogos, pedagogos, neuropediatra, psiquiatra, entre outros profissionais. Ainda durante a audiência pública, a fonoaudióloga Laura Joto ressaltou três importantes implementações na Bahia para que o diagnóstico precoce e o tratamento necessário seja realizado de maneira célere. Segundo a profissional de saúde, deve-se investir na prevenção, com campanhas educativas; na capacitação do educador, para a mais fácil identificação do quadro disléxico, e a mudança na grade escolar com base nas necessidades de cada estudante.
“A dislexia é uma distinção, que faz os disléxicos realizem tudo o que os outros fazem, mas de uma maneira diferente. A formação dos nossos educadores tem compromisso com o conteúdo e não com o aluno. Deve-se se comprometer com o aprendizado da criança, valendo-se das maneiras que funcionam para cada uma delas, respeitando suas peculiaridades. Diante da gravidade dos prejuízos dessas crianças, isso precisa ser corrigido”, afirmou.
Ainda conforme a fonoaudióloga, uma pesquisa revelou que a ação precoce no aprendizado eficaz da leitura e escrita, trouxe benefícios para o sujeito e sua comunidade, inclusive reduzindo a evasão escolar.
Para a neurologista, Clarisse Tardio, as crianças precisam ser acolhidas na sua diversidade. “A criança que é acolhida, vai criando confiança, bases neurológicas, para se desenvolver. A fase mais decisiva é a infância, quando se tem neuroplasticidade, isto é, a capacidade do cérebro de fazer novas conexões, redes neurais, para melhorar a sua capacidade. A escolaridade e a graduação vão interferir em toda a vida do indivíduo. As interferências na infância vão dizer como o cérebro será nas outras etapas da vida.”, explicou.
(ALBA)