Como o Facebook mudou a internet, o comércio e até a política
O século 21 começou com o estouro de uma bolha. Em 2001, o primeiro ano do milênio, a nova economia digital americana, que na segunda metade dos anos 1990 havia enchido de entusiasmo investidores, empreendedores e economistas, desmoronou.
Empresas criadas em torno da internet, que se tornou acessível depois da criação e da popularização da World Wide Web, a partir de 1995, receberam investimentos e atingiram valorizações astronômicas. Quando o crescimento econômico diminuiu em partes do mundo, incluindo os Estados Unidos, grande parte das empresas digitais faliu.
Nos anos seguintes, os esforços em torno desse mundo digital foram repensados. Nasceram as plataformas em que pessoas podiam criar sua presença online e interagir com outros usuários. Uma delas, criada em 2004, viria a se transformar numa das maiores empresas do mundo. O Facebook mudou o uso da internet, o comércio, a publicidade e até a política.
Junto com o Google, a rede social estabeleceu um novo modelo para a economia digital. Para o bem e para o mal, em grande medida o Facebook definiu como seria a vida nas primeiras décadas do século 21.
Uma nova rede social
Em meados dos anos 1990, uma espécie de corrida do ouro digital foi iniciada, em busca de um lugar ao sol na nova realidade da World Wide Web. O que simbolizava tal disputa era a procura por um bom domínio, ou seja, um bom “ponto com”.
Essa primeira geração da internet contou com inúmeras novas empresas nos Estados Unidos – e muitas fracassaram de forma espetacular.
Um caso simbólico foi o da Pets.com, que foi criada em 1998, atraiu mais de US$ 80 milhões em sua abertura de capital e, no fim de 2000, foi à falência. Sem plano de negócio ou estudo de mercado, a Pets.com foi um exemplo dos tempos irresponsáveis do início da internet.
Muitas empresas fecharam na virada do milênio, devido a mudanças no cenário econômico e falta de planejamento. Outras foram compradas por valores estratosféricos por empresas maiores, como a Broadcast.com, vendida por US$ 5,7 bilhões ao Yahoo em 1999.
Três anos depois, o Yahoo fechou as operações da Broadcast.com, selando o que é considerado um dos piores negócios da história da internet.
Enquanto algumas empresas tornaram-se potências digitais – como Amazon ou Ebay -, o cenário geral foi de decepção com o setor. Entre o primeiro semestre de 2000 e o último de 2002, o índice Nasdaq da Bolsa de Nova York, de empresas de tecnologia, sofreu uma queda de 78%. Foi o estouro da chamada “bolha da ponto com”.
A internet precisava urgentemente de novos modelos – e uma nova injeção de ânimo. O segredo veio na palavra “interatividade”. Das cinzas da bolha anterior, começaram a surgir nos Estados Unidos as primeiras plataformas e empresas baseadas na participação do usuário.
O conceito ficou conhecido como Web 2.0, em oposição à primeira versão, a Web 1.0, termos usados pela primeira vez pela especialista em tecnologia digital Darcy DiNucci, num artigo publicado em 1999.
“A Web que conhecemos agora, que é carregada numa janela de navegador essencialmente em telas estáticas, é apenas um embrião da Web que está para vir. Os primeiros sinais da Web 2.0 estão começando a aparecer.”
O que DiNucci já via desde 1999 começou a virar realidade no cenário pós-bolha. Na nova Web, os usuários já podiam provê-la de conteúdo e participar ativamente da criação dos negócios formados na internet. Com isso, proliferaram os weblogs – ou simplesmente blogs – e surgiu o conceito de UGC – user generated content, ou conteúdo gerado por usuário.
Foi nessa realidade que apareceu a primeira rede social da Web 2.0. Em março de 2002, Jonathan Abrams fundou o Friendster, um site que mostrava conexões indiretas (amigos de amigos), incentivando o estabelecimento de novas amizades.
Um ano depois, usuários do Friendster que trabalhavam na empresa eUniverse resolveram fazer algo parecido. Nascia o MySpace, que, assim como a rede de Abrams, acumularia milhões de usuários.
Era clara a disposição de pessoas, especialmente os mais jovens, de usar a internet para contatos sociais.
Em 2004, o mercado ganhou novos competidores. Em janeiro, o engenheiro Orkut Buyukkokten, que trabalhava no Google, lançou uma rede social criada por ele como um projeto paralelo da empresa. A plataforma ganhou seu nome – Orkut.
Depois do grande sucesso inicial, especialmente em países como os Estados Unidos e o Brasil, a Friendster acabaria fechada anos depois. O MySpace trocou de mãos de forma multimilionária, mas perdeu usuários e relevância. O Orkut não se modernizou e, ofuscado pela concorrência, acabou fechado pelo Google.
Em fevereiro de 2004, porém, surgia na Universidade Harvard, no Estado de Massachusetts, uma versão de rede de amizades online que teria muito mais sucesso. Ajudado por outros quatro colegas, o estudante de psicologia e ciências da computação Mark Zuckerberg, talentoso programador de apenas 19 anos, colocou no ar o que chamou de The Facebook.
Era uma rede social inicialmente apenas para o público de Harvard. Em três semanas, 6 mil estudantes se cadastraram.
Um mês depois, o site começava sua expansão para outras universidades, como Columbia e Yale, na costa leste, e Stanford, na Califórnia. No mesmo ano, Zuckerberg transferiu a empresa para a região de São Francisco, dando início ao que se tornaria um verdadeiro império digital.
Convergência na rede vencedora
Zuckerberg apresentava seu The Facebook como “um diretório online”, como disse numa entrevista ao canal CNBC, ainda em 2004. “Você entra, faz um perfil sobre você mesmo respondendo a algumas perguntas, coloca algumas informações, como o que você estuda, números de telefone, interesses, de que livros você gosta, filmes. E o mais importante: quem são os seus amigos.”
Sem dúvida, essa era a informação vital para The Facebook.
Diferentemente de outros ambientes sociais online, que ofereciam formas de criar novos contatos, o Facebook – o “The” original não duraria muito – apostou na ideia de trazer seus contatos da vida real para o mundo digital.
Em 2006, quando a plataforma já tinha cerca de 8 milhões de usuários, o então diretor e co-fundador Chris Hughes explicou a lógica em uma entrevista.
“A ideia é de que nós todos temos comunidades da vida real em que vivemos, no dia a dia, e nós queremos construir um espaço para elas na internet, para as pessoas saberem mais sobre seus colegas. Você não está indo online para conhecer, de forma aleatória, alguém que vive a 8 mil milhas de você. Você está entrando para ver informações sobre pessoas que já são importantes para você.”
O Facebook não foi a primeira rede social do mercado, nem era a mais badalada em seu início, mas aumentou sua base de usuários de forma consistente. Durante mais de dois anos, foi um site fechado, que Zuckerberg e sua equipe ofereciam a universidades, escolas de segundo grau e empresas. Estudantes dessas escolas ou funcionários dessas firmas entravam na rede e viam os perfis de seus amigos e colegas.
O Facebook só foi aberto para qualquer usuário, a partir de seus 13 anos de idade, em setembro de 2006. “Estamos expandindo para atender aos pedidos de milhões de pessoas que querem fazer parte do Facebook, mas até hoje não podiam”, disse Mark Zuckerberg em um comunicado.
Modelo de negócio: personalização
Aberto ao público em geral, o Facebook cresceu de forma ainda mais impressionante, ultrapassando os 100 milhões de usuários em 2008. A plataforma também evoluiu rapidamente, deixando de ser o “diretório” descrito por Zuckerberg em seu primeiro ano.
Em 2007, ela chegou ao telefone celular, apesar de ainda numa solução simples, baseada na navegação via Web. No mesmo ano, dias antes de permitir a entrada de qualquer pessoa na rede, em caráter individual e sem ligação com alguma escola ou empresa, o site criou o chamado News Feed.
Apresentado como uma home page alternativa, o News Feed trazia o registro de tudo o que seus amigos faziam na plataforma – o conteúdo que postavam ou comentários que deixavam.
Como em muitas coisas que o Facebook faria ao longo dos anos, o News Feed causou polêmica inicial por expor seus usuários de uma forma que eles não haviam autorizado. Zuckerberg desculpou-se, e níveis de privacidade foram criados com o tempo.
O News Feed, entretanto, ficou e tornou-se a essência da plataforma: a ferramenta oferecia um relatório em tempo real das atividades de seus amigos, sem a necessidade de o usuário visitar seus perfis.
Além disso, o News Feed era uma reunião de conteúdos exclusiva, já que ninguém tinha os mesmos amigos nem, portanto, os mesmos registros em sua tela. Essa experiência única seria a base para o futuro da monetização do Facebook.
Seu império seria construído a partir da criação de uma experiência, de serviços e de mensagens publicitárias específicos para cada pessoa.
Tal personalização foi possível a partir da maciça e ininterrupta coleta de informações sobre cada usuário, o que permitia um ajuste constante de seu algoritmo – o comando matemático que determina o comportamento da plataforma – para implantar a oferta individual de forma cada vez mais eficiente.
A aposta na personalização exigia que o Facebook soubesse mais e mais sobre cada um que usasse a plataforma. Mais do que saber quem eram seus amigos e de que música ou filmes gostavam, o Facebook passou a se esforçar para descobrir todo tipo de hábito de cada usuário. Isso envolvia avançar significativamente sobre sua privacidade.
Quando esse avanço mostrava-se exagerado, o Facebook costumava pedir desculpas, recuava, mas logo depois achava outra forma de seguir em frente em sua missão.
Um grande exemplo foi o Beacon, uma ferramenta do Facebook lançada em novembro de 2007, que conectava a plataforma com outras empresas. Quando o usuário fazia uma compra numa dessas empresas, essa informação era publicada, via Beacon, em sua News Feed, numa combinação de compartilhamento de atividade pessoal com publicidade.
Com um detalhe: os usuários não haviam autorizado tal publicação, cujo cancelamento exigia uma complicada ação de “opt-out” para que o usuário desligasse o Beacon de seu perfil.
Em poucas semanas, o serviço tornou-se motivo de um processo contra a empresa, e o Facebook criou as opções de desligamento além de tornar o serviço “opt-in” – ou seja, o Beacon só seria ativado se o usuário o solicitasse.
Em 2008, ao participar de uma conferência de tecnologia, Zuckerberg disse: “Você não perguntou, mas eu vou te dizer: o Beacon foi um grande erro para nós, de várias maneiras”.
Em setembro de 2009, menos de dois anos depois de sua criação, a ferramenta foi encerrada, como parte do acordo feito na Justiça.
A experiência, entretanto, foi valiosa para o Facebook, que aprendeu na prática até onde poderia ir antes de incomodar – ou indignar – grande parte de seu público.
Em 2008, a rede social lançou a ferramenta de se “logar” com outros sites usando sua identidade do Facebook – o chamado “Log in with Facebook” ou, em seu nome oficial, Facebook Connect.
No ano seguinte, foi a vez do lançamento do botão de “Like”, que facilitou a expressão de sentimento positivo em relação a qualquer tipo de conteúdo dentro da rede. Gostou do que viu ou leu? É só dar um “like”, e o autor ficará sabendo – assim como outras pessoas.
Para o Facebook, o botão potencializou o conhecimento sobre os gostos e inclinações de cada pessoa por meio de uma coleta indireta. Em vez de o usuário declarar abertamente seu gosto por algum tipo de comida, esporte ou música, o botão de “like” registrava aquele gosto na prática, de forma espontânea.
O Facebook começava a saber mais sobre seus usuários do que eles mesmos – um “like” poderia revelar um interesse que a própria pessoa ainda não tinha percebido ter.
Em 2010, o “Like” ganhou asas. Em abril, em sua conferência interna anual chamada F8, o Facebook anunciou a expansão do botão de “Like” para toda a Web.
Ao iniciar sua apresentação, Mark Zuckerberg disse no palco: “O que temos para mostrar a vocês hoje será a coisa mais transformadora que já fizemos para a Web”. E era mesmo: o botão de “Like” passava a ficar disponível para qualquer site que quisesse implantá-lo, levando o Facebook para todos os cantos da Web.
A ideia, disse ele, era “fazer experiências instantaneamente sociais e personalizadas em todo lugar que você vá” usando a internet. Para isso, ele contava com a quase onipresença de sua rede social, que em 2010 já acumulava 400 milhões de usuários.
Zuckerberg falava em experiências “sociais e personalizadas”, dando destaque ao “sociais”, mas o que interessava mesmo era o “personalizadas”.
Quanto mais o Facebook sabia sobre seus usuários e crescia, mais poderoso e lucrativo ele se tornava. Ao noticiar a novidade, a revista americana Time identificou o potencial comercial que o avanço da rede social sobre a rede de computadores representava.
“A empresa já tem uma plataforma de publicidade altamente desenvolvida, permitindo que anunciantes visem consumidores em demografias estreitamente definidas. (…) Se o Facebook de repente puder ter contato também com suas preferências, a plataforma poderá ser muito mais poderosa. A empresa manteve-se calada sobre qualquer plano de monetização para o futuro (…), mas poderá em breve ter a capacidade de direcionar anúncios de uma forma mais estreita do que qualquer outro.”
Os números confirmaram tal previsão. Até 2008, o Facebook ainda acumulava prejuízo – cerca de US$ 56 milhões de perdas naquele ano, para um faturamento de US$ 272 milhões. No ano seguinte, a empresa entrou no azul, com lucro de US$ 229 milhões. Foi, porém, a partir de 2010 – ano do lançamento do botão de “Like” na Web – que tanto seu faturamento como seu lucro dispararam.
Em 2010, entraram US$ 1,97 bilhão na empresa, que registrou lucro de US$ 606 milhões. Em 2015, o faturamento foi nove meses maior que cinco anos antes – US$ 17,9 bilhões -, e o lucro o acompanhou: US$ 3,7 bilhões.
Esse desempenho refletiu-se no valor total da empresa. Em 2009, ela era avaliada em US$ 10 bilhões pelo mercado.
Em 2012, após anos de especulação, o Facebook fez sua estreia na Bolsa de Nova York. A US$ 38 cada ação, a empresa, de apenas oito anos de existência, abriu seu capital avaliada em US$ 104 bilhões.
Aprendendo com o Google
O período de 2007 a 2010 foi decisivo para o Facebook, particularmente o ano de 2008. Em março, chegou à empresa para assumir a posição de COO (Chief Operating Officer, ou diretora de Operações) a executiva Sheryl Sandberg.
Economista, Sandberg vinha do Google, onde era responsável pela área de publicidade. Em linhas gerais, ela fazia o Google ganhar muito dinheiro com anúncios publicitários – e chegava ao Facebook para repetir o feito.
Com suas ferramentas e algoritmos, o Facebook havia criado a personalização social em grande escala, mas o lucro em grande escala com a personalização era obra do Google.
Fundado em setembro de 1998 pelos engenheiros americanos Larry Page e Sergey Brin, estudantes de doutorado na Universidade Stanford, na Califórnia, o Google revolucionou o mundo digital em vários aspectos.
Primeiro, com seu algoritmo PageRank, que classificava a relevância de páginas da Web com base em suas conexões com outros sites – páginas que apareciam em mais links de terceiros eram mais relevantes. Depois, com seu Google Ads, criado em 2000 como uma plataforma de anúncios publicitários que usa leilões em tempo real para definir preço e visibilidade.
É possível que a maior revolução do Google, no entanto, tenha sido sua terceira inovação. A empresa percebeu que, no processo de navegação pelo Google, com suas pesquisas e perguntas, todo usuário deixava uma trilha de pegadas. Um enorme amontoado de dados revelando interesses de uma pessoa era produzido e recebido pelo Google.
A empresa, então, decidiu fazer algo com isso. Passou a considerar essas informações na hora de oferecer os resultados de suas buscas a um indivíduo. Mais: passou a considerar esses interesses pessoais na hora de exibir anúncios para cada pessoa.
Estava criada a publicidade direcionada – que, de posse de cada vez mais detalhes sobre cada usuário, se torna uma publicidade microdirecionada.
A pesquisadora e escritora americana Shoshana Zuboff identificou na invenção do Google o nascimento do que ela considera um novo – e perverso – sistema econômico.
“A invenção do Google de anúncios direcionados abriu o caminho para seu sucesso financeiro, mas também estabeleceu o pilar de um acontecimento de alcance ainda maior: a descoberta e a elaboração do capitalismo de vigilância”, escreveu Zuboff em seu livro A Era do Capitalismo de Vigilância (Editora Intrínseca).
Baseado no constante monitoramento dos comportamentos dos consumidores – a partir do que eles pesquisam na internet, o que compram, aonde vão, o que leem e muito mais -, esse novo capitalismo tem, segundo a autora, o poder de se antecipar aos desejos das pessoas.
Além disso, diz Zuboff, depois de se antecipar a esse desejo e oferecer-lhe exatamente aquilo que uma pessoa buscava, esse novo sistema adquiriu a capacidade de influenciar o comportamento dos consumidores. Criou assim um círculo virtuoso para os lucros de empresas, mas vicioso para a privacidade e autonomia dos cidadãos.
Sheryl Sandberg entrou no Google em 2001 e foi peça fundamental na criação de tal modelo extremamente lucrativo para a empresa de Page e Brin, como vice-presidente para vendas globais.
O faturamento do Google, de US$ 400 milhões em 2002, atingiu US$ 16,6 bilhões em 2007. Shoshana Zuboff chamou de “superávit comportamental” a matéria-prima usada pelo “capitalismo de vigilância”, e para ela Sandberg sabia muito bem do potencial do Facebook para monetizar tal material.
“Sandberg compreendeu que, por meio de uma manipulação habilidosa da cultura de intimidade e compartilhamento do Facebook, seria possível usar o superávit comportamental não apenas para satisfazer uma demanda, mas também para criar demanda”, escreveu Zuboff.
Não demorou para que alguns percebessem que o mesmo modelo que permitia a criação de desejos por produtos ou serviços permitia também o incentivo a ações políticas e sociais.
O mesmo Facebook dos anúncios microdirecionados de cosméticos, seguros de veículos ou pacotes turísticos se tornaria uma arma da política.
Aquisições, Cambridge Analytica e abusos
A partir de 2010, com seu crescente poder de maximizar seus resultados baseados no microdirecionamento de anúncios publicitários, o Facebook continuou aumentando de tamanho, tanto a plataforma como a empresa.
Os 400 milhões de usuários de 2010 viraram 1,6 bilhão no final de 2015, ano em que seu faturamento atingiu US$ 17,9 bilhões – e lucro de US$ 3,7 bilhões.
O império de Zuckerberg não apenas seguiu atraindo mais e mais usuários e clientes como intensificou outra estratégia de dominação do mercado: a aquisição de concorrentes.
Em abril de 2012, o Facebook pagou US$ 1 bilhão pelo aplicativo de fotos Instagram, que fora lançado menos de dois anos antes e contava na época com 30 milhões de usuários.
Dois anos depois, uma compra ainda mais impressionante: o WhatsApp, que contava com 400 milhões de usuários, foi adquirido por US$ 19 bilhões.
O Facebook, segundo informações do mercado, ainda tentou comprar, sem sucesso, outro novo aplicativo em crescimento, o Snapchat, lançado em 2011. A oferta, que teria sido feita em 2013, teria supostamente chegado a US$ 3 bilhões. Sem conseguir concretizar a aquisição, Zuckerberg resolveu incorporar ao Instagram funcionalidades que faziam do Snapchat uma ferramenta peculiar e abriu concorrência direta entre as plataformas.
O Facebook cresceu, mas o modelo que permitiu seu avanço sofreu um golpe de imagem significativo em 2018, quando vieram à tona revelações sobre o papel da plataforma – e da empresa – em acontecimentos de 2016.
O escândalo, revelado pelo jornal britânico The Observer – a versão dominical de seu parceiro The Guardian -, denunciava o uso dos dados de milhões de usuários do Facebook como ferramenta para propaganda política em favor do candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump.
A mesma estratégia também teria sido usada por interessados na vitória do Brexit no referendo britânico sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia.
Como resumiu a reportagem do Observer de 18 de março de 2018, logo em sua abertura: “A empresa de análise de dados que trabalhou com a equipe eleitoral de Donald Trump e a vencedora equipe de campanha do Brexit colheu milhões de perfis do Facebook de eleitores americanos, em uma dos maiores violações de dados do gigante da tecnologia, e os usou para construir um poderoso programa para prever e influenciar escolhas nas urnas”.
A reportagem foi baseada nas revelações de um denunciante, Christopher Wylie, que havia trabalhado com um acadêmico da Universidade de Cambridge na obtenção do material.
O acadêmico, Aleksandr Kogan, colheu os dados num trabalho sem ligação com a universidade: um aplicativo por meio do qual sua empresa GSR (Global Science Research) e a britânica Cambridge Analytica tomaram dados de centenas de milhares de usuários do Facebook – que receberam por isso.
As empresas, porém, também tiveram acesso a dados pessoais das conexões dessas pessoas na rede social, o que elevou a base de dados a cerca de 50 milhões de usuários. A Cambridge Analytica, na época da operação, tinha entre seus executivos Steve Bannon, então assessor político de Donald Trump.
Em poucos dias, Mark Zuckerberg divulgou uma declaração em que admitiu que sua empresa havia cometido “erros”.
“Nós temos uma responsabilidade de proteger seus dados, e se nós não podemos, então nós não merecemos servir vocês.”
Em entrevista à rede CNN, ele também pediu desculpas ao público.
O escândalo, que provocou o fechamento da Cambridge Analytica e levou Wylie a depor no Congresso americano, foi tratado pela empresa e pela maior parte da mídia como uma falha de segurança e invasão de privacidade no ambiente do Facebook.
O problema, no olhar de autoridades e muitos especialistas, era o fato de os dados de milhões de usuários terem caído nas mãos de terceiros sem seu consentimento. Entretanto, no cenário mais amplo da nova realidade econômica e social criada por Facebook e Google, mais importante ainda era o que foi feito com esses dados.
Os usuários cujos dados foram roubados acabaram alvos de anúncios políticos direcionados especificamente para eles, numa adoção do modelo já usado na venda de produtos para a propaganda – e desinformação – política.
O Facebook, assim como aconteceria com outras plataformas digitais, passou a ser uma ferramenta na propagação das chamadas “fake news” – informações mentirosas divulgadas de forma deliberada para criar falsas narrativas e distorcer a realidade.
A possibilidade de enviar mensagens a grupos específicos na plataforma também foi usada na organização de crimes. Em 2016 e 2017, a minoria muçulmana Rohingya, de Myanmar, foi alvo de uma campanha de limpeza étnica que, segundo autoridades internacionais, foi promovida pelas Forças Armadas do país.
O Facebook, cujo aplicativo era o mais popular em Myanmar, sendo usado por mais de um terço da população, foi amplamente utilizado para a difusão de mensagens de ódio contra os Rohingya.
Citada pela BBC, uma representante da ONU (Organização das Nações Unidas) para direitos humanos, Yanghee Lee, disse em março de 2018 que “o Facebook tornou-se um monstro, não aquilo que originalmente tinha a intenção de ser”.
Uma outra plataforma da empresa, o aplicativo WhatsApp, também transformou-se em eficiente ferramenta de propaganda política, mas de uma maneira diferente. Sem o amplo uso publicitário visto no Facebook, o WhatsApp trazia outro atrativo: conexões entre pessoas próximas e grupos num ambiente fechado, de difícil monitoramento por entidades externas.
Em vez de anúncios, no WhatsApp a propaganda política ou ideológica passou a ser feita pelos chamados “disparos” – mensagens enviadas e repassadas a um número grande de pessoas.
Uma reportagem da BBC News Brasil, de outubro de 2018, mostrou como eleitores brasileiros eram colocados em grupos de WhatsApp sem seu consentimento depois que seus telefones eram coletados de alguma maneira – de listas comerciais ou de dentro do Facebook.
Uma dona de casa de São Paulo disse à BBC: “Não sei onde encontraram meu telefone. Os administradores e algumas pessoas tinham números estrangeiros. Eu fiquei com medo. Saí de todos e denunciei todos os grupos para o WhatsApp.”
O Facebook e o WhatsApp prometeram, em várias oportunidades, eliminar as brechas de seus sistemas que permitiam a invasão de privacidade indevida e o abuso por grupos políticos. Medidas específicas foram tomadas nos Estados Unidos, em Myanmar e no Brasil, enquanto mudanças nas plataformas – como um limite menor de pessoas para quem uma mensagem poderia ser repassada no WhatsApp – foram implementadas.
Mark Zuckerberg e outros CEOs de empresas de mídias sociais e tecnologia, como Google e Twitter, foram sucessivamente convocados a depor no Congresso americano devido a problemas no setor de tecnologia, incluindo invasão indevida de privacidade e uso político dissimulado.
Monopólio questionado
Em agosto de 2019, usuários do Instagram e do WhatsApp podem ter notado uma pequena mudança nos aplicativos. Ao lado da marca, aparecia uma referência a seu dono: “From Facebook” (Do Facebook).
Segundo a empresa, a medida dava mais transparência à relação com o usuário, que passaria a ser informado mais claramente que os aplicativos eram do Facebook.
Três meses depois, um novo logotipo para a empresa Facebook, com a palavra em letras maiúsculas, foi adotado para diferenciá-la da rede social.
Tal transparência também atendia a um outro objetivo do grupo: dificultar qualquer tentativa das autoridades americanas de forçar uma divisão da empresa, um dos focos de investigações do Congresso sobre monopólios no setor de tecnologia.
Em outubro de 2020, o relatório de uma comissão da Câmara dos Representantes disse que Facebook, Google, Amazon e Apple exerciam o papel de monopólios no setor.
“Essas quatro corporações servem cada vez mais como controladores do comércio e das comunicações na era digital, e esse poder de controlador lhes dá uma capacidade enorme de abusar desse poder”, disse um representante da comissão, citado pela rede americana NPR.
As conclusões da comissão tinham caráter consultivo e não implicavam nenhuma medida do Congresso contra as empresas, mas a possibilidade de que alguma norma viesse a forçar a divisão dessas grandes corporações não estava descartada.
Enquanto seguia intacto, o Facebook crescia. Em meados de 2020, a rede social registrava um total de 2,7 bilhões de usuários ativos.
Segundo estimativas do mercado, o WhatsApp contava com 1,5 bilhão de usuários – 120 milhões apenas no Brasil -, e o Instagram acumulava outros 1 bilhão.
O faturamento da empresa em 2019 atingiu US$ 70,7 bilhões, com US$ 18,5 bilhões de lucro.
Os impressionantes números acumulados desde que o ainda adolescente Mark Zuckerberg programou a primeira versão do Facebook, em fevereiro de 2004, fazem da mais famosa rede social do planeta uma das histórias mais memoráveis do início do século 21.
Outras redes sociais independentes da empresa de Zuckerberg, como Twitter, YouTube, Snapchat e as chinesas TikTok e WeChat, também tiveram grande impacto na forma como as pessoas interagem entre si.
O Facebook, porém, concluiu as duas primeiras décadas do milênio sem dar sinais de que perderia público, influência ou poder tão cedo.
Em 2020, com apenas 36 anos de idade e uma fortuna de mais de US$ 100 bilhões, Mark Zuckerberg parecia disposto a continuar fazendo história.
(BBC)