Os 8 mitos sobre vacinação que estão levando ao ressurgimento de doenças evitáveis
No dia 7 de fevereiro, as autoridades de saúde das Filipinas anunciaram um aumento de 74% no número de casos de sarampo no primeiro mês de 2019, em comparação ao mesmo período de 2018.
O país asiático foi o mais recente a declarar um surto da doença – mas está longe de ser o único.
A infecção viral, altamente contagiosa, matou 111 mil pessoas no mundo em 2017, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Em seu relatório mais recente, divulgado em novembro, a OMS listou “complacência” e a maior disseminação de informações falsas sobre vacinas – em paralelo ao colapso dos sistemas de saúde de vários países – como fatores por trás do aumento de 30% nos casos de sarampo no mundo entre 2016 e 2017.
“Casos relativamente esparsos (que um país possa registrar hoje) podem rapidamente se tornar dezenas, centenas ou milhares sem a proteção dada pelas vacinas”, alertou a organização.
As Américas, a Europa e o leste da região mediterrânea sofreram os piores episódios de surto – incluindo os Estados Unidos, que viraram uma espécie de bastião do movimento anti-vacina, caracterizado pela persistência de mitos sobre as vacinas e a queda nos níveis de imunização a despeito das evidências científicas sobre os benefícios da imunização.
Veja, a seguir, 8 mitos sobre vacinação que contribuem para a desaceleração da cobertura vacinal no mundo e para o ressurgimento de doenças que poderiam ser facilmente evitadas.
1. ‘Vacinas podem causar autismo’
A queda nos níveis de imunização em países ocidentais nas últimas décadas tem sua origem, de forma mais ampla, em uma polêmica criada pelo cirurgião britânico Andrew Wakefield.
Em um artigo publicado em 1997 no prestigiado periódico médico The Lancet, Wakefield argumentava que a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola estaria por trás do aumento de casos de autismo entre crianças britânicas.
Uma série de estudos publicados desde então tem refutado a existência de uma relação de causa e efeito entre a vacina e o autismo – de lá para cá, a revista The Lancet acabou retirando o estudo de seus arquivos e, em 2010, Wakefield teve o registro de médico cassado no Reino Unido.
Ainda assim, suas alegações – ainda que já desmistificadas – tiveram repercussão suficiente para derrubar as taxas de imunização contra sarampo, caxumba e rubéola no Reino Unidos de 92% em 1996 para 84% em 2002.
Daquele ano em diante, os níveis voltaram a subir e chegaram a 91%, ainda abaixo do recomendado pela OMS, contudo, de 95%.
2. ‘O sistema imunológico das crianças não suporta tantas vacinas’
Há pelo menos 11 vacinas recomendadas a bebês e crianças de até 2 anos de idade. Alguns pais consideram esse número elevado e temem que a imunização na primeira infância sobrecarregue o sistema imunológico dos filhos.
Uma preocupação recorrente é o fato de que muitas vacinas funcionam inoculando vírus ou bactérias causadores de doenças no corpo, ainda que atenuados.
Nesses casos, contudo, os fabricantes usam versões modificadas dos micro-organismos para que eles não consigam desencadear os efeitos da doença no organismo – mas prepará-lo para reagir quando em contato com o agente patogênico de fato.
“Recém-nascidos desenvolvem a capacidade de responder a antígenos (substâncias capazes de estimular uma resposta imunológica) ainda antes de virem ao mundo”, escreveu o pediatra americano Paul A. Offit em um dos mais conhecidos trabalhos de revisão de dados científicos disponíveis sobre a relação entre múltiplas vacinas e o sistema imunológico de crianças.
“Com apenas algumas horas de nascidos eles são capazes de estruturar uma resposta imunológica às vacinas.”
3. ‘Muitas doenças já estavam desaparecendo quando as vacinas surgiram’
A discussão aqui é a de que a melhoria das condições socioeconômicas – na nutrição e na infraestrutura de saneamento, por exemplo – teriam sido tão eficientes quanto as vacinas no decorrer do tempo.
É verdade que esses avanços vinham contribuindo para a redução das taxas de mortalidade de algumas doenças antes de as vacinas serem introduzidas. Mas a intensificação na trajetória de diminuição do contágio é um forte indicativo de que as vacinas tiveram papel importante na melhora do quadro geral de saúde.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o total de mortes causadas por sarampo caiu de 5,3 mil em 1960 para 450 em 2012, de acordo com o Centro para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês). A primeira vacina contra sarampo surgiu em 1963.
Mas a imunização não apenas melhorou as taxas de sobrevivência: também contribuiu para a redução dramática no número de casos da doença nos 5 anos após o surgimento da vacina, de 1963 a 1968.
As informações disponíveis hoje sinalizam que uma redução nos níveis de imunização podem levar ao ressurgimento de doenças – nos anos 1970, Japão e Suécia registraram um salto no número de casos e de mortes de outra doença evitável, a coqueluche, depois de uma temporada de menor vacinação das crianças.
4. ‘A maioria das pessoas que adoece foi vacinada’
Adeptos do movimento anti-vacina usam esse como um dos argumentos contra a imunização.
Nenhuma vacina é 100% eficaz e a OMS afirma que a maioria das rotinas de imunização infantil funciona para 85% a 95% dos recipientes.
Cada pessoa reage de uma forma particular, o que significa que nem todos entre aqueles que foram vacinados desenvolverão imunidade à doença.
Mas a razão pela qual mais pessoas vacinadas adoecem em comparação àquelas que não foram imunizadas se deve ao simples fato de que elas são maioria.
Pessoas não vacinadas, na verdade, costumam adoecer com maior frequência.
5. ‘As vacinas são um grande negócio para a indústria farmacêutica’
O economista especializado em saúde da OMS Miloud Kadar estima que o mercado global de vacinas valia US$ 24 bilhões em 2013 – menos de 3% do valor total do mercado farmacêutico naquele mesmo ano.
Recentemente, o mercado de vacinas ganhou novo ímpeto, impulsionado por fatores como a expansão de programas de imunização em países como a China e a decisão de filantropos de financiar fundos para pesquisa e desenvolvimento de novas vacinas – o fundador da Microsoft, Bill Gates, é um exemplo nesse sentido.
As vacinas podem ser uma área interessante para as empresas farmacêuticas, mas, mesmo do ponto de vista financeiro, elas são um bom negócio para a humanidade como um todo – já que ficar doente é muito mais caro.
Um estudo conduzido pela Universidade Johns Hopkins em 2016 estimava que, para cada dólar investido em vacinação nos 94 países de menor renda média do planeta, poupava-se US$ 16 em despesas no sistema de saúde, em perdas salariais e perdas com produtividade causadas por adoecimento e por morte.
6. ‘Meu país praticamente erradicou essa doença, então não preciso me vacinar’
Ainda que a vacinação tenha reduzido a incidência de doenças evitáveis em vários países, isso não significa que elas estejam sob controle sob uma perspectiva global.
Algumas delas são mais prevalentes em alguns lugares e até endêmicas em partes do globo – e, por isso, poderiam viajar com facilidade, graças à globalização, e ser reavivadas diante do declínio da cobertura vacinal.
Casos de sarampo na Europa triplicaram entre 2017 e 2018 e chegaram a quase 83 mil – o maior número nesta década.
7. ‘Vacinas contêm toxinas perigosas’
Outra preocupação dos pais que se sentem inseguros em relação a vacinar os filhos é o uso de substâncias como formaldeídos, mercúrio e alumínio na produção das vacinas.
Se consumidas em determinado nível, essas substâncias fazem mal à saúde – não, porém, na quantidade presente nas vacinas.
De acordo com a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, agência local de controle e regulamentação de alimentos e remédios, uma vacina padrão que utiliza mercúrio na composição tem uma concentração de 25 microgramas do elemento a cada 0,5 ml.
A agência afirma ainda que essa é a mesma quantidade de mercúrio contida em 85g de atum em lata.
8. ‘Vacinas são uma conspiração’
A crença de que as vacinas são parte de um plano para atacar populações civis ainda persiste.
No norte da Nigéria, a luta contra a poliomielite é prejudicada pela crença de que a imunização poderia causar infertilidade em garotas e disseminar HIV – ataques contra profissionais da saúde não são incomuns no país.
O mesmo tipo de desinformação é observado no Afeganistão e no Paquistão, que, ao lado da Nigéria, são os únicos países em que o vírus que causa paralisia infantil continua endêmico.
Esse quadro é agravado por episódios como o que aconteceu em março de 2011, quando a agência de inteligência americana, a CIA, forjou uma campanha de vacinação contra hepatite B no Paquistão em uma tentativa de coletar DNA da população e tentar encontrar parentes do então líder da al-Qaeda e fugitivo Osama Bin Laden para determinar seu paradeiro.
A trama foi descoberta e acabou aumentando a desconfiança em um país em que a cobertura vacinal já era baixa.
(BBC)