Mais de 40% dos parlamentares eleitos devem explicações à Justiça
Pelo menos 42 dos 108 eleitos para exercer mandatos como deputados federais e estaduais pela Bahia nas eleições deste ano devem algum tipo de explicação à Justiça. Um levantamento feito pelo CORREIO mostra que ao menos18 dos 39 eleitos como deputados federais respondem a processos na Justiça, ou são investigados, levando-se em consideração todas as instâncias. O número corresponde a 46% dos eleitos no último domingo (dia 7). Entre os que foram escolhidos pelos baianos para atuar na Assembleia Legislativa, 24 passam pela mesma situação, o que corresponde a 38% da principal casa legislativa da Bahia.
O levantamento foi realizado com base nos inquéritos e ações que estão em andamento, não tendo sido levados em consideração procedimentos arquivados ou já julgados. Os inquéritos são realizados quando há uma suspeita em relação a algum fato, o que leva à investigação policial. Nem todos os inquéritos evoluem para uma ação ou processo na Justiça. O processo acontece depois que o inquérito mostra indícios de culpabilidade. Enquanto os inquéritos são conduzidos pela polícia, as ações tramitam no Judiciário, podenfo ser cíveis ou criminais.
Entre os eleitos como deputados federais que devem explicações à Justiça, oito têm foro privilegiado e são investigados no Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento em esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro. Seis deles são mencionados por delatores da Operação Lava Jato.
As acusações
Entre os deputados federais, o que mais aparece em inquéritos do Supremo é João Carlos Bacelar (PR), parte em procedimentos por falsidade ideológica, peculato, corrupção, lavagem de dinheiro, violação de sigilo funcional e crimes eleitorais, além de uma ação penal aberta contra ele por injúria. O Ministério Público Federal (MPF) afirma em um dos processos que o parlamentar ganhou dinheiro após votar pela prorrogação de uma medida provisória no Congresso, em benefício de uma empresa.
Os demais deputados eleitos citados em esquemas de corrupção investigados no Supremo respondem a apenas um inquérito, cada. Destes, seis são os mencionados em delações de ex-executivos da Odebrecht: Arthur Maia (DEM), Cacá Leão (PP), Daniel de Almeida (PCdoB), Nelson Pellegrino (PT) e Antônio Brito (PSD), além da atual senadora e deputada federal eleita, Lídice da Mata (PSB). Em setembro, a Justiça Eleitoral da Bahia arquivou o inquérito que investigava o deputado federal Antonio Brito (PSD-BA).
Outro citado em investigações do STF é o deputado federal Ronaldo Carletto (PP). De acordo com a denúncia, o inquérito apura “suposta prática de crime contra o Sistema Financeiro Nacional por Carletto, na qualidade de sócio da empresa Expresso Brasileiro”. Ele é acusado de ter adquirido, em 2008, imóvel da Cooperativa de Crédito Rural Eunápolis Ltda abaixo do valor real de mercado.
O deputado federal eleito Mário Negromonte Jr. (PP) era investigado em duas ações na Corte. A primeira delas foi arquivada e a segunda foi enviada ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-BA).
Segundo a denúncia do MPF, o deputado recebeu da Cervejaria Petrópolis R$ 110 mil para financiamento de campanha e R$ 200 mil em doação não contabilizada. Para o órgão federal, há indícios de que a empresa agiu como intermediária de pagamentos ilícitos.
Recursos
O deputado federal Carlos Caetano (PT) foi reeleito recorrendo da decisão do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA), que determinou a perda dos direitos políticos dele por cinco anos, além do ressarcimento ao erário e aos cofres públicos.
O petista foi condenado por improbidade administrativa com dano ao erário por contratação ilegal da Fundação Humanidade Amiga. Caetano recorreu ao Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1) e o recurso está em andamento.
A mesma ação penal tramitou contra o deputado no Supremo Tribunal Federal (STF) e, segundo a última movimentação, a Corte determinou incompetência para julgar o processo, uma vez que o crime foi cometido enquanto Caetano era prefeito de Camaçari, na Região Metropolitana.
No último dia 4 de outubro, o Ministério Público Federal entrou com recurso pedindo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a impugnação da candidatura de Caetano por inelegibilidade. Como o deputado federal já foi eleito, com a apreciação do recurso, o tribunal vai decidir se o político pode se manter no cargo e, inclusive, ser diplomado para mais um mandato a partir de 2019.
Kannario
O que tinha tudo para ser mais uma micareta tranquila e alegre no município de Feira de Santana, no centro norte baiano, se transformou em uma ação penal. Esse é um dos processos contra o vereador e deputado federal eleito Igor Kannario (PHS). Durante o carnaval fora de época, o cantor foi acusado de cometer crimes de injúria e calúnia contra uma policial militar.
Outra pendência de Kannario com a Justiça é um caso envolvendo a empresa de eventos que se denomina como a responsável por “alavancar” a carreira do artista. Os sócios cobram valores ao cantor, que seriam débitos provenientes de quebra de contratos. Ele ainda tem ações movidas pela Prefeitura de Salvador por não pagamento de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
Outros casos
Os deputados federais João Carlos Bacelar (Podemos), Jorge Solla (PT), Marcelo Nilo (PSB) e Félix Mendonça (PDT) também têm ações tramitando na Justiça. Bacelar é alvo de três ações cíveis, sendo uma por improbidade administrativa, na qual é acusado de causar um dano ao erário no valor de R$ 39.424.355,84.
Jorge Solla responde a duas ações também por improbidade administrativa, nas quais é acusado de irregularidades durante o tempo em que foi secretário da Saúde da Bahia. Uma delas trata da terceirização irregular de mão de obra para a Sesab.
Marcelo Nilo é réu em três ações no Tribunal de Justiça da Bahia, todas por violação de princípios administrativos, relacionados ao tempo em que presidiu a Al-Ba.
Além disso, Nilo foi um dos alvos da Operação Opinião, da Polícia Federal e do Ministério Público Eleitoral, que investiga a prática de supostos crimes eleitorais na Bahia. Ele também responde no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acusado do crime de caixa 2, cometido enquanto era presidente da Assembleia.
Na Assembleia
Os casos relacionados aos deputados estaduais costumam ficar mais restritos à Justiça baiana. Foram identificados processos e investigações relacionadas a 24 parlamentares eleitos. Jusmari (PSD), Jânio Natal (Podemos) e Osni (PT) são os que respondem ao maior número de acusações.
Eleita para o mandato que se inicia em 2019, Jusmari, aparece como ré em 10 ações no Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1) e em mais 34 na Justiça estadual.
Ex-prefeita de Barreiras, no oeste baiano, entre 2009 e 2012, Jusmari chegou a ser condenada em maio de 2017 à pena de 3 anos por fraude em licitação para compra de medicamentos, materiais hospitalares e odontológicos.
De acordo com denúncia do MPF, os vícios da licitação somam R$ 5,9 milhões. A condenação foi revertida em serviços comunitários. O juiz de primeira instância ainda suspendeu os direitos políticos da ex-prefeita por 3 anos, mas ela recorreu e o processo foi encaminhado aos tribunais superiores.
Jânio Natal, que já foi deputado federal, tem inquéritos e petições em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF). Em um deles, é investigado por “possíveis irregularidades na gestão de recursos provenientes do FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização da Educação”.
O deputado também aparece como réu em ações do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), inclusive no segundo grau. Os crimes imputados a Jânio Natal são decorrentes de fraudes em licitações nos municípios de Porto Seguro, Lauro de Freitas e Vitória da Conquista. Outra ação corre no TRF1 e investiga a realização de obras em patrimônio nacional, tombado, sem autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A lista de Jânio no primeiro grau da Justiça baiana é vasta e totaliza 15 ações, entre processos criminais e cíveis, além de execuções fiscais.
Já o deputado estadual Osni tem ações tramitando tanto no TJ-BA quanto no TRF1. O ex-prefeito de Serrinha, no nordeste baiano, é acusado de ter feito despesas com assessoria tributária, em 2015, no valor de R$ 15 milhões, não ressarcindo o município de forma devida, além de ter cometido irregularidades na aplicação de recursos do Fundo Nacional de Educação Básica (Fundeb) no ano de 2012.
Quanto a essa última acusação, o MPF denunciou o caso e Osni foi condenado em primeira instância à perda dos direitos políticos por três anos. Após recurso, o processo tramita na segunda instância judiciária, o que é arriscado, uma vez que a perda do mandato acontece depois de condenação em segunda instância.
Políticos reclamam da complexidade de normas
Ouvidos pelo CORREIO, os políticos que devem explicações à Justiça reclamam de uma “complexidade das normas”, em que tudo se tornaria motivo de judicialização. A ex-secretária estadual de Desenvolvimento Urbano, Jusmari Oliveira (PSD), é uma das que se diz vítima da situação.
“É muito difícil um gestor público hoje não responder a um processo. É quase que uma atividade de risco. Muitas vezes erros formais geram ações penais e de improbidade”, reclama.
O também eleito deputado estadual Osni (PT) alega ter sofrido “perseguição política por parte de uma advogada”. “Tudo meu ela judicializou. Estou me defendendo de todos e acredito que serei inocentado”, diz.
O ex-presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Nilo (PSB), negou ter recebido caixa 2. “Eu recebi oficialmente esse dinheiro. Só estou esperando a Justiça Eleitoral e o Ministério Público me chamar para que eu prove. Até agora eu não fui chamado”, disse.
Mário Negromonte Jr (PP) se defendeu da acusação de ter recebido recursos irregularmente da Cervejaria Petrópolis. A assessoria afirmou, ao CORREIO, que o parlamentar espera o arquivamento desta ação, “assim como das demais”.
Em telefonema à Redação ontem após a publicação da reportagem, o deputado federal reeleito Antônio Brito (PSD) afirmou que não responde a nenhum processo na Justiça. Segundo ele, o Tribunal Regional Eleitoral (TE) arquivou o inquérito 4455/17 no qual era acusado de receber recursos de caixa 2 para campanha da Odebrecht. Ele apresentou uma cópia do despacho com a decisão pelo arquivamento.
O CORREIO entrou em contato com Caetano (PT), João Carlos Bacelar (PR), Igor Kannário (PHS) e Jânio Natal (Podemos) mas não obteve posicionamentos até o fechamento desta matéria.
Recurso pode alterar cálculos eleitorais
O recurso pedido pelo ex-prefeito de Juazeiro Isaac Carvalho (PCdoB), que teve votos suficientes para ser eleito deputado federal nestas eleições, pode alterar o cálculo do coeficiente eleitoral para a definição de vagas na Câmara dos Deputados. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considerou os votos recebidos por ele como “votos anulados” porque a candidatura tem pendências ainda não julgadas.
Isaac foi condenado pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) acusado de desviar R$ 111,9 milhões da Lei Orçamentária da cidade. Em maio de 2016 foi inabilitado a exercer algum cargo ou função pública por cinco anos. Por ter sido condenado em segunda instância, Isaac é considerado como “Ficha Suja” e não poderia ser eleito. O Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) o considerou inelegível.
“Se ele conseguir deferir, os votos são contabilizados e um novo cálculo das vagas da Câmara deve ser feito”, explica Rafael Mattos, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
Políticos acusados podem disputar eleições
Políticos que tenham processos em andamento nas diversas esferas da Justiça brasileira, ou sejam alvos de investigação, podem se candidatar desde que não tenham sido condenados em segunda instância. “Não se pode impedir ninguém de se candidatar simplesmente por responder a processos. Diversas vezes as ações são julgadas improcedentes”, explicou o advogado Rafael Mattos, mebro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
Ele explica que a inelegibilidade por condenação em ações judiciais são dadas em duas circunstâncias: em ações penais e em ações de improbidade administrativa.
Em ambos o caso, a inelegibilidade só é confirmada quando a condenação for confirmada por órgão colegiado, e não feitas em primeira instância ou por decisões tomadas por um único magistrado de segundo grau.
Para ações por improbidade administrativa, a inelegibilidade é configurada quando há condenação com suspensão de direitos políticos e com a figuração de dano ao erário de enriquecimento ilícito.
Mattos ressaltou a importância da necessidade do julgamento por órgão colegiado para que a inelegibilidade ocorra. “Ou que a própria condenação, em processos criminais com foro privilegiado, seja proferida por órgão colegiado”, ponderou.(Correio)