Como a Previdência virou uma bomba-relógio
A cada 24 horas, o déficit do sistema de pensões em oito das maiores economias do mundo aumenta em US$ 28 mil (R$ 115 mil) – uma bomba-relógio que vai explodir em 2050, quando a cifra total chegar a US$ 400 trilhões, o equivalente a cinco vezes o tamanho da economia global, de acordo com um estudo do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês).
A análise incluiu Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Canadá, Austrália, China, Índia e Holanda e destaca que não é preciso esperar três décadas para ver como o financiamento das pensões pode desmoronar.
No Brasil, o debate em torno de uma reforma da Previdência gera polêmica na corrida eleitoral, inclusive sobre qual é tamanho do rombo do sistema de pensões – alvo de disputa entre diferentes correntes políticas. No fim do ano passado, o governo de Michel Temer chegou a elaborar um projeto de reforma no INSS, mas foi derrotado no Congresso.
Em âmbito global, Yik Han, chefe do departamento de investidores institucionais do WEF, disse à BBC que os efeitos dessa crise estão evidentes hoje e que o país mais afetado é os Estados Unidos, onde “o número de pessoas (financeiramente) falidas depois dos 65 anos está atingindo níveis sem precedentes”.
Entre 1991 e 2006, o problema triplicou, afetando 3,6 pessoas a cada mil habitantes, explicou o especialista.
O Japão tem tentado estratégias para se adaptar a essa realidade, por exemplo, através da expansão do mercado que oferece serviços para a terceira idade, robôs que prestam assistência a idosos e academias de ginástica voltadas a essa parcela da população.
No entanto, diz Yik, se as medidas não forem tomadas a tempo, “o pior cenário seria uma pirâmide invertida, com um grande número de pessoas idosas vivendo em situação de falência ou pobreza e sendo mantidas por uma população jovem cada vez menor”.
Mas de onde sairá o dinheiro?
Pesquisadores destacam que governos têm de reformar os sistemas de aposentadorias e pensões para que países se adaptem a sociedades em que será cada vez mais comum que pessoas vivam até os 100 anos.
Na verdade, muito se fala sobre isso, mas a pergunta é sempre a mesma: quem será o responsável por aumentar a poupança para os idosos? E a resposta é geralmente que o dinheiro deve sair de três partes: do trabalhador, do empregador e do Estado.
De quanto deve ser a contribuição de cada um deles? É aí que o debate se torna, às vezes, irreconciliável.
O estudo do WEF propõe medidas para as principais economias do mundo, focando principalmente em poupanças individuais.
Uma delas seria aumentar a idade de aposentadoria de acordo com as expectativas de vida. Por exemplo, em países como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Japão, isso deveria ocorrer pelo menos aos 70 anos nas próximas décadas.
Outras propostas se referem a tornar a poupança individual automática – ou seja, fazer com que parte do salário seja automaticamente depositada numa conta bancária. No Reino Unido, 8% da remuneração será descontado desta forma a partir de 2019.
No entanto, outros pesquisadores argumentam que, apesar da escassez de recursos perante o envelhecimento da população, mecanismos de poupança solidária são necessários para apoiar as famílias vulneráveis, que não têm possibilidade de poupar e precisam de assistência social.
Esta postura contraria a ideia de que o caminho mais viável para o sistema de pensões é que as pessoas trabalhem mais anos e economizem mais dinheiro, algo que só pode dar resultados nos países com níveis mais altos de renda.
Na América Latina, por outro lado, há grandes setores da população com trabalhos informais ou autônomos que dificultam a formação de uma poupança futura para a aposentadoria.
O que acontece na América Latina?
“O Chile liderou o caminho na América Latina em termos de enfrentar a situação das aposentadorias por meio de várias reformas”, diz Han Yik. “Agora eles estão vendo como implementar mais reformas neste ano, focadas em aumentar as contribuições.”
A questão tem se destacado em debates recentes no país sul-americano, e inclusive, motivado protestos massivos nas ruas em que as pessoas exigem pensões “mais dignas”.
Sob o sistema chileno, os trabalhadores poupam em contas individuais administradas por empresas privadas. Essas empresas investem esses recursos nos mercados internacionais para tentar obter maior rentabilidade.
A contribuição de cada empregado é obrigatória e gira em torno de 10% de seu salário. Nos últimos anos, os governos têm feito propostas para aumentar esse nível, acrescentando a contribuição dos empregadores e do Estado, de acordo com cada caso.
Existe ainda um “Pilar Solidário” no Chile, que é um fundo público que complementa as pensões mínimas, para ajudar as famílias mais pobres.
Mas, para a maior parte da população, o sistema está construído basicamente em torno da contribuição individual. Até agora, não se sabe quanto e como a contribuição aumentará no futuro, como o Pilar Solidário vai mudar e qual será a nova idade de aposentadoria.
Enquanto países como Chile, El Salvador, Bolívia e República Dominicana estão procurando formas de lidar com o déficit, diz Yik, há outros que enfrentam uma crise mais profunda.
É o caso de Brasil, Argentina ou Venezuela, países que têm “problemas endêmicos de sustentabilidade”, acrescenta o pesquisador.
Outros estudos destacam que mais da metade dos idosos na América Latina não recebem pensão, e os trabalhadores se veem forçados a permanecerem ativos no mercado de trabalho, segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Seguindo a tendência atual, é cada vez mais provável que muitos dos bebês nascidos neste ano vivam até 2118. Parece distante, mas as opções que estão agora na mesa provavelmente vão determinar como será a velhice deles.(BBC)