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Os erros e acertos no duelo sobre prisão de Lula

Até o final da manhã do domingo(8), poucos analistas políticos admitiriam a possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser solto antes de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas o imponderável aconteceu e, por algumas horas, o petista — que está preso desde 7 de abril — viu a chance de sair da cadeia antes das eleições de outubro ficar mais palpável.

A decisão, tomada pelo desembargador Rogério Favreto, plantonista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, colocou o caso no centro de uma queda de braço jurídica. Em três momentos a ordem foi questionada. Por mais duas vezes, Favreto bateu o pé e manteve sua decisão.

O imbróglio só foi solucionado no início da noite deste domingo, quando o presidente do TRF4, Carlos Eduardo Thompson Flores, mandou o caso de volta para o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato na corte, e endossou a permanência de Lula na cadeia.

Foram mais de 10 horas de expectativa sobre o destino de Lula. Nesse meio tempo, sobraram dúvidas sobre quem errou e quem acertou no confronto. Dada o quanto o caso foi inusitado, as avaliações sobre o impasse não são uníssonas no meio jurídico. Mas todos juristas consultados por EXAME concordam em um ponto: tecnicamente, o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, foi o que mais errou. Entenda.

Favreto tinha autoridade para decidir sobre o caso de Lula?

A defesa do ex-presidente Lula foi cirúrgica ao protocolar o pedido de habeas corpus do petista na última sexta-feira. Se tivesse feito isso antes das 19h, a solicitação cairia nas mãos de Gebran Neto. Mas o pedido analisado por Favreto foi protocolado exatamente às 19h32 – dentro, portanto, do plantão do TRF4, que começa às 19h de sexta-feira e só termina às 11h de segunda-feira.

Favreto já foi filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e foi procurador da prefeitura de Porto Alegre na gestão de Tarso Genro nos anos 1990. Depois, foi assessor da Casa Civil e do Ministério da Justiça durante o governo Lula.

O fato de o magistrado ter um passado de relação com o partido do réu, no entanto, não seria um impeditivo para que ele avaliasse o caso. A questão é se ele teria autoridade jurídica para julgar o habeas corpus durante seu plantão. O debate nesse ponto é se o habeas corpus e o fato apresentado por ele são, realmente, uma novidade ou se apenas retomam assuntos já julgados pelo tribunal.

Segundo Gustavo Badaró, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo, a alegação de que o petista é pré-candidato à Presidência da República (argumento alegado pela defesa no pedido protocolado na sexta) em si não é um fato novo “juridicamente relevante”. “Se fosse assim, qualquer pessoa que estiver presa poderia alegar ser pré-candidato para ter sua condição revista pela Justiça”, afirma.

Outros juristas ouvidos por EXAME discordam desse ponto de vista. “Como era um habeas corpus novo, em tese, por um fato novo. Pode até não ser um bom fato novo, mas o Favreto podia, sim, soltar”, afirma Davi Tangerino, professor de Direito Penal da FGV Direito São Paulo.

“Tecnicamente falando, a pré-candidatura não é um fato que foi apreciado nas decisões que levaram o ex-presidente à prisão. Portanto, não há dúvidas de que é um fato novo”, diz o jurista Flávio de Leão Bastos, professor de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Apesar da tecnicidade, por outro lado, Tangerino lembra que o assunto “não era tão urgente ao ponto de que não se pudesse esperar a segunda-feira” para evitar eventuais questionamentos em torno da decisão.

Moro tinha autoridade para desacatar a ordem de Favreto?

Nesse ponto, não há divergências entre os especialistas consultados por EXAME. Todos afirmam que Moro errou feio ao questionar a decisão de Favreto. Sem contar o fato de que está de férias, o juiz mais famoso da Lava Jato não era o destinatário final da decisão (caberia à Vara de Execuções Penais cumpri-la) e, mesmo se fosse, caberia a ele apenas acatá-la já que está um grau abaixo de Favreto.

“O show de horrores é o Moro que não é destinatário da ordem, em férias, entrar em campo e não deixar soltar. Quem tem que recorrer de decisão é o Ministério Público, não ele. Foi uma ordem judicial como outra qualquer: ou cumpre ou recorre. Essa é a ordem jurídica”, diz Tangerino, da FGV.

Gebran podia revogar a decisão de Favreto, que estava no plantão?

Depois do confronto entre as duas instâncias, Gebran entrou na discussão sob o argumento de que ele é o juiz natural do caso e de que, portanto, poderia reverter a decisão de Favreto. Na prática, ele poderia ter tomado essa atitude (sem grandes questionamentos) a partir do fim do plantão de fim de semana, nesta segunda-feira.

Todos os juristas ouvidos por EXAME concordam que é raro um relator alterar a decisão de um plantonista no meio de um plantão – nenhum deles se recorda de uma experiência semelhante. No fim das contas, isso abriu margem para Favreto rejeitar o despacho de Gebran e, pela terceira vez, ordernar a soltura de Lula.

“A solução foi aplicar o artigo 202 do regimento interno do TRF4, que estabelece que quando há um conflito positivo, duas autoridades se julgando competentes para julgar o caso, o relator, por iniciativa própria ou quando há requerimento por qualquer uma das partes, pode tomar uma decisão”, afirma o jurista Flávio de Leão Bastos, professor de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

O jurista lembra que é competência do presidente do TRF4 fazer cumprir o regimento – algo, portanto, feito hoje pelo presidente da corte, Carlos Eduardo Thompson Flores. No total, foram mais de 10 de horas de impasse que revelam o quanto a política (de um lado e de outro), muitas vezes, fala mais alto do que o Direito na Justiça brasileira – fato que joga o país em uma maré (nada positiva) de imprevisibilidade jurídica.(EXAME)

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