Esporte

Por que o gol olímpico é tão raro em Copa do Mundo

Gol de cabeça. Gol de letra. Gol de falta. Gol de cobertura. Gol irregular. Gol contra. Gol de placa. Gol de pênalti. Há muitas formas de se fazer um gol no futebol, mas, de todas, existe uma que você dificilmente verá na Copa do Mundo da Rússia: o gol olímpico, aquele que é marcado diretamente a partir de uma cobrança de escanteio – e que não acontece há 56 anos no Mundial.

O primeiro e último gol olímpico já registrado durante uma Copa do Mundo foi marcado no Chile, pelo colombiano Marcos Coll (1935-2017), em junho de 1962. Foi há tanto tempo que a adversária era a seleção da extinta União Soviética e a competição passava em preto e branco na TV.

A origem do nome adotado para esse tipo de lance foi baseada em uma ironia. Em 1924, um jogador da Argentina marcou um gol direto do escanteio pela primeira vez, contra o Uruguai, que era então o campeão olímpico.

Também ironicamente, desde então, só houve um único gol desse tipo na história das Olimpíadas: em Londres-2012, durante a semifinal do futebol feminino. Depois da partida, a meio-campista americana Megan Rapino disse que se tratou, na verdade, de um acidente: a intenção era acertar o chute dentro da área.

Mas por que o gol olímpico é tão raro não só em grandes torneios, mas no futebol em geral?

A resposta envolve ciência, habilidade e um pouco de sorte, contam à BBC News Brasil dois físicos especializados em esporte e um ex-jogador de futebol conhecido por fazer gols olímpicos:

O efeito Magnus

O gol olímpico é uma aparente impossibilidade – mas, graças à física, deixa de ser impossível para ser tornar apenas improvável.

O jogador está na mesma linha das traves ao bater um escanteio e não pode simplesmente chutar direto para o gol. Ele precisa tentar acertar um alvo que não consegue ver.

A saída é apurar a mira e acertar a bola de um jeito que a faça girar lateralmente. É o chamado chute de trivela.

O jogador não pode, portanto, acertar o centro da bola, senão ela irá apenas para frente. Ele deve acertar um dos cantos inferiores. No direito, a bola sai girando em sentido anti-horário e no sentido horário se for no esquerdo.

“O giro faz com que a bola faça uma curva no ar e vá em direção ao gol. É o chamado efeito Magnus”, explica John Eric Goff, professor de Física da Universidade de Lynchburg, nos Estados Unidos, e autor de Física da Medalha de Ouro: a ciência dos esportes (John Hopkins University Press, 2009).

O fenômeno ganhou esse nome do físico alemão Heinrich Gustav Magnus em 1852. Ele investigava o comportamento de tiros de canhão quando foi o primeiro a descrever como a rotação de um objeto altera sua trajetória em um fluido. Neste caso, uma bola de futebol que cruza o ar enquanto gira em torno no próprio eixo.

Essa rotação movimenta o ar em torno da bola e cria uma zona de maior pressão de um lado, explica o físico Marcos Duarte, coautor de Física do Futebol: mecânica(Oficina de Textos, 2016).

A maior pressão de uma das laterais exerce uma força sobre a bola e faz com que ela mude de direção e realize uma curva rumo ao gol.

“Como não dá para deslocar o gol, você desloca a bola para criar uma área em que é possível fazer um gol. Essa área antes era nula”, diz Duarte.

O mesmo fenômeno está por trás de uma das cobranças de falta mais famosas na história da seleção brasileira, do lateral Roberto Carlos em um amistoso do Brasil contra a França, em 1997.

Mais recentemente, foi graças a esse efeito na bola que Cristiano Ronaldo fez um gol de bola parada e empatou o jogo contra a Espanha, evitando a derrota de Portugal em sua estreia no Mundial da Rússia.

Nos dois lances, a bola faz uma curva em pleno ar, contorna a barreira e termina dentro da rede adversária. Parece mágica, mas é “só” ciência.

Força do chute e design da bola

Não basta apenas acertar a bola no ponto e do jeito corretos. É preciso também dosar a força do chute para que a bola faça uma curva ideal.

“A trajetória é determinada pela relação entre as forças que empurram a bola para frente e para o lado. Se você chutar uma bola muito forte, a força para frente vai ser muito maior do que para a lateral, e a mudança de direção vai ser pequena”, diz Duarte.

O físico explica que um chute muito forte é capaz de fazer a bola viajar a mais de 100 km/h, ou 30 m/s.

A distância entre o canto do campo e a trave é de cerca de 30 metros, então, a essa velocidade, a bola chegará lá em um segundo, um tempo curto demais para o giro da bola criar uma curva de gol olímpico.

Duarte recomenda um chute médio, para a bola alcançar 70 km/h, ou 20 m/s. “Também não pode ser fraco demais, senão aumenta a chance de o goleiro pegar.”

Existe ainda outro elemento que influencia a probabilidade de um gol olímpico: o design da bola.

“Quanto mais ranhuras e reentrâncias ela tiver, menor a resistência do ar que a bola enfrenta em sua trajetória”, explica Goff.

Em outras palavras, quanto mais lisa for a bola, mais ela se comporta de forma imprevisível.

Era a principal queixa sobre a bola oficial da Copa de 2010, a jabulani. A falha foi corrigida no Mundial no Brasil, com a bola brazuca, mais rugosa.

Talento e sorte

Mesmo se todos esses fatores confluírem, até o melhor jogador do mundo precisa ter o acaso a seu favor para conseguir um gol olímpico.

“Não é difícil fazer a bola girar, mas é difícil que a bola percorra todo o caminho do gol sem que nenhum dos jogadores na área toque nela”, diz Goff.

“Muitas vezes, o jogador não busca marcar direto de um escanteio, mas lançar para que alguém chute para o gol. Tudo isso contribui para que o gol olímpico seja um acontecimento raro.”

Mas não é tão raro assim para o ex-jogador sérvio Dejan Petković, o Pet. Ele tem um conselho ou dois para ajudar quem tenta um gol assim.

Petković passou por alguns dos principais clubes brasileiros em sua carreira e ficou conhecido por aqui por seu talento para bater faltas e cobrar escanteios – e fazer gols olímpicos.

Diz ter na conta oito em jogos oficiais e vários outros em não oficiais. Ele reconhece que a sorte é importante, mas não basta.

“Houve vezes em que quis fazer e fiz, mas teve muitas que foi por acidente. Desses oito, ao menos três foram assim”, conta Pet.

“Mas precisa também treinar bastante e ter competência. Você precisa dar um efeito firme e forte na bola, mas ela não pode viajar muito, senão não tem como surpreender o goleiro, fica mais fácil para ele pegar.”

Petković diz ainda que, ao contrário do se pensa, o gol olímpico não é um feito individual, mas coletivo.

“Se fosse só eu contra o goleiro, seria quase impossível, mas, com muita gente dentro da área mudando de posicionamento, isso cria uma distração e faz ele não prestar atenção só em mim.”

E por que não tem um gol olímpico na Copa há 56 anos, Pet? “Porque eu não joguei uma Copa”, diz ele, rindo.

“Agora, sério. Um jogador precisa ter confiança e ser ousado para tentar isso em um Mundial. São jogos muito importantes, você faz a jogada que foi mais praticada.”

Mas não dá para dizer por enquanto que esse tabu não será quebrado na Copa da Rússia. Ainda há muitos jogos pela frente.

Quem se habilita?(BBC)

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