Redação do Enem: mistério que vale mil pontos
O tema da redação é o grande mistério do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Afinal, o texto vale mil pontos, e poucos alunos conseguem a nota máxima, já que, além de técnicas de escrita, são necessários conhecimentos culturais, históricos e políticos para o desenvolvimento da dissertação.
Certamente, o tema escolhido, em algum momento, fez parte dos debates. A Rádio Senado fez um levantamento com base no que tem sido discutido na internet ou nos colégios e cursinhos, por professores e candidatos. E recuperou discursos e audiências públicas sobre esses temas, para que os estudantes tenham mais informações para o exame.
Redes sociais e fake news
O papel das redes sociais na sociedade moderna frequenta as listas de favoritos para tema de 2017 e isso talvez não seja uma das chamadas ‘fake news’ (notícias falsas).
A comunicação está passando por uma extrema transformação e cada vez mais os cidadãos de todo o mundo emitem e recebem informações em tempo real. Sempre aparecem novas notícias bombásticas que em pouco tempo tomam proporções gigantescas. Mas e quando essas notícias não são verdadeiras? Temos aí as fake-news.
A prática da difusão deste tipo de material vem sendo comum, principalmente no debate político. O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) foi vítima da difusão desenfreada de um áudio atribuído a ele, mas que na verdade, não passava de uma imitação. O imitador sugeria o apoio do senador do DF a uma intervenção militar no país. Cristovam desmentiu a informação no plenário do Senado.
E ele não foi o único. Randolfe Rodrigues (Rede-AP) sofreu constrangimento semelhante.
— Nesse momento grave da vida nacional têm muitas mentiras sendo espalhadas principalmente nas redes sociais. Estejam vacinados — disse Randolfe.
Todo cuidado é pouco quando o assunto é informação na internet. E é bom saber que vários crimes estão acontecendo no mundo virtual, muito devido a sensação de anonimato passada pela web. É o caso da pedofilia.
O Legislativo se movimentou para combater esse crime, ao aprovar, em 2010, lei com regras para a infiltração de agentes policiais na internet em operações para identificar pedófilos que aliciam crianças e adolescentes nas redes sociais. O senador Humberto Costa (PT-PE) que foi o relator da proposta no Senado, acredita que a medida vai ajudar a desbaratar quadrilhas que agem na rede:
— Essa é uma das formas que permite que os órgãos de inteligência, as polícias possam fazer investigações mais aprofundadas — disse o senador.
Refugiados já são realidade no Brasil
Os movimentos migratórios em todo mundo – inclusive no Brasil – e as suas repercussões na política, na cultura e na economia vão marcar presença no Enem 2017. Nas questões de História e Geografia e, quem sabe, na Redação.
As chances aumentaram quando o problema dos refugiados, que parecia coisa apenas da África, Ásia e Europa, se fez presente na realidade brasileira.
Além de refugiados que têm como origem o outro lado do Atlântico, o país já recebeu milhares de venezuelanos, que chegaram em decorrência da crise política no país vizinho.
O Enem, por sinal, também é feito por estrangeiros que estão estudando no país, embora o exame não sirva mais como prova de obtenção do diploma do ensino médio, como acontecia em anos anteriores. Em 2017, a Universidade Federal de São Carlos já ofereceu vagas para refugiados via Enem e a tendência é que a medida possa se repetir em outras universidades.
O tema refugiados está presente na pauta desde 2014, inclusive em discussões na Comissão de Relações Exteriores do Senado. De acordo com dados das Nações Unidas, já são 22 milhões de refugiados no mundo. Mais de 80% dos pedidos de refúgio são para países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, que registrou um aumento de 12% no fluxo, de 2015 a 2016. Eles vêm principalmente da Síria, da República Democrática do Congo e do Paquistão.
Em audiência pública na CRE, o professor da Universidade de São Paulo, André de Carvalho Ramos, lembrou que o Brasil foi construído com imigrantes, e que o fluxo migratório favorece o que chamou de “multiculturalidade”.
— O Brasil tem uma sociedade com qual deve se orgulhar, justamente pelo esforço dos imigrantes — disse.
A síria Nana Jabbour, veio da capital Damasco para o Brasil, fugindo da guerra civil. O depoimento dela mostra as dificuldades por que costumam passar os refugiados.
— Meu pai e minha mãe resolveram sair de lá e o único país que aceitava era o Brasil. Deixei tudo e vim para cá. Deixei família e os amigos e mudei a vida completamente — A síria reconhece que na maioria das vezes recebe apoio dos brasileiros, o que “tem deixado tudo mais tranquilo”.
O estado de Roraima tem vivenciado um grande fluxo migratório, a partir da fronteira com a Venezuela. Somente em 2016, mais de dois mil venezuelanos foram à sede da Polícia Federal para solicitar visto na condição de refugiados. Só que os municípios não contam com infraestrutura adequada para receber essas pessoas.
– A União tem que cumprir a sua parte – afirmou a senadora Ângela Portela (PDT-RR), prevendo que o número de pedidos dobre em 2017.
Segurança pública: muitos temas em um só
Na hora de apontar os maiores problemas nacionais, a segurança pública, ou a falta dela, estará no alto da lista. O tema – por comportar tantas propostas de solução – também costuma ser citado como favorito para cair no Enem e é um dos mais recorrentes nos debates do Senado. São muitos os aspectos discutidos: polícia de fronteiras, ação das forças armadas, maioridade penal, porte de armas e situação dos presídios.
O presidente do Senado e do Congresso, Eunício Oliveira, disse que os projetos ligados à área devem ser prioridade.
— Há projetos na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania ou no plenário das duas casas legislativas que podem contribuir decisivamente para melhorar a proteção da sociedade e levar o país a um novo patamar de segurança pública.
Dados apresentados na CCJ do Senado mostraram que o Brasil é o país com o maior número absoluto de homicídios no mundo, e o nono em relação à população, com 30 assassinatos para cada cem mil habitantes, resultando em 60 mil mortes violentas por ano. A situação brasileira foi classificada como uma epidemia pela Organização Mundial da Saúde.
O senador Wilder Morais (PP-GO), que defende um plebiscito para saber a opinião da população sobre a liberação do porte de armas de fogo, disse que os números são alarmantes.
— Nem mesmo nas nações em guerra, há tão elevado número de homicídios. Como se não bastasse isso, ainda temos a baixa taxa de solução de homicídios no Brasil. Mata-se em nosso país com a quase certeza da impunidade — avalia.
Já a senadora Regina Sousa (PT-PI), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), vê riscos na flexibilização do Estatuto do Desarmamento. Ela citou o caso recente de um atirador em Las Vegas, nos Estados Unidos, que matou 59 pessoas.
— Será que é oportuno? Nos Estados Unidos, morre mais gente nesses atos individuais do que nos atos terroristas, porque lá o acesso à arma é muito fácil. É bom que a gente reflita se no Brasil vai dar certo esse negócio de liberar arma para a população — alerta.
Outras medidas voltadas para a segurança pública estão em debate. Uma delas é a proposta de emenda à Constituição que cria fundo para a segurança pública e é defendida pelo senador João Capiberibe (PSB-AP).
— A vinculação de recursos recolhidos da produção e venda de armas e material bélico iria garantir o fundo — explicou.
O senador Elmano Férrer (PMDB-PI) apresentou um projeto que cria no Senado uma comissão específica para tratar de segurança pública. Seria a décima quarta comissão permanente da casa.
– Essa casa é o fórum para se discutir essa questão em caráter de urgência, urgentíssima. Temos tantas comissões importantes, mas não temos uma comissão tão importante como é a da segurança pública – justificou.
Meio ambiente cada vez mais presente na prova
A relevância do Brasil quando o assunto é meio ambiente torna o tema um dos mais citados nas previsões para a redação do Enem. E ainda que não caia na redação, o assunto, por envolver diversas disciplinas e áreas de conhecimento, certamente será cobrado no Enem.
Em 2017, as chances são ainda maiores depois das discussões sobre a Reserva Mineral de Cobre e seus Associados (Renca), uma área de 47 mil quilômetros quadrados localizada entre o Pará e o Amapá. O governo Temer editou um decreto, já revogado, que extinguia a reserva, o que gerou críticas no Senado.
— Em nome de um suposto ganho econômico, [o decreto] expôs à sanha da mineração uma área de preservação incluída entre as mais ricas em biodiversidade em todo o planeta — disse o senador Paulo Rocha (PT-PA).
Mas também houve apoio à medida. O senador Cidinho Santos (PR-MT) afirmou que o decreto só traria luz a uma situação que já ocorre na região, o garimpo ilegal.
— O que o governo está fazendo é autorizar que a atividade garimpeira seja profissionalizada nessa região, respeitando o meio ambiente, e seja feita por empresas especializadas, que possam ser responsabilizadas e também fazer a restauração da área degradada — comentou.
Também podem surgir na prova questões relacionadas às consequências da preservação para a vida nas cidades, incluindo situações extremas, como cheias e secas severas.
No caso do Distrito Federal, a população já convive com um racionamento de água uma vez por semana desde o início de 2017. Para o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), a falta de planejamento e de cuidado com o meio ambiente começa a mostrar seus efeitos.
— O governo demorou muito a agir tanto para criar novas reservas de água, como para iniciar um processo de educação no consumo que diminuísse a gravidade do racionamento.
O Nordeste vive, desde 2010, uma seca que atinge mais de 80% dos municípios da Região. Situação grave, como destaca o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).
— Há milhões de vozes na minha região que apelam por cuidados e por ajuda. Vozes com sede de água e de cuidado que vêm da caatinga, exatamente o mais esquecido dos biomas brasileiros.
O senador Jorge Viana (PT-AC) atenta para outro fator de desequilíbrio para o meio ambiente: o aumento populacional somado ao aumento do consumo e na geração de resíduos. O Brasil produziu 76 milhões de toneladas de lixo em 2013. Cada brasileiro gera um quilo de lixo por dia.
— Os modelos que implementamos são absolutamente insustentáveis, o risco de mudanças no clima é atual, presente e grave — disse o senador.
Enem traz novidades e a tensão de sempre
Nos próximos dias 5 e 12 de novembro, seis milhões de estudantes farão uma prova que pode, de alguma forma, definir o rumo de suas vidas. Trata-se do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), usado como requisito para a obtenção de bolsas de estudos, para a participação em programas educacionais de acesso ao ensino superior e para concorrer a vagas em universidades públicas.
A prova em dois domingos é uma novidade de 2017. O objetivo é diminuir a tensão e o cansaço típicos dos vestibulares. Além disso, os estudantes ganharão um tempo extra para os estudos de última hora.
O Enem possui outro objetivo, ainda que indireto: fornece às autoridades da área de educação um diagnóstico do setor. Muitas diferenças aparecem a partir do resultado, como aponta o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP).
— As médias nacionais apontam para uma diferença abissal entre estados, regiões e sobretudo entre escolas públicas e privadas — afirma.
Há também dados que indicam disparidades entre as diversas áreas de conhecimento. Os números de 2016 mostram que os estudantes conseguem uma nota melhor na área de ciências humanas, com média 536 em uma possível nota 1000. Já as ciências da natureza, que incluem conteúdos de física, química e biologia, contaram com a pior média: 482.
Para o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), as médias são baixas, e é urgente uma reformulação do sistema educacional para que os índices possam melhorar.
— Nós estamos caminhando para sermos um país absolutamente atrasado em matéria de conhecimento e, além disso, de extrema desigualdade educacional, que vai levar a todas as outras desigualdades, num processo de desintegração.
Outro aspecto importante do Enem é o alcance do exame. Como é uma prova nacional, todos os temas ali tratados são repercutidos por milhões de cidadãos em todos os cantos do país. Em 2015, por exemplo, o tema da redação foi o combate à violência contra a mulher no Brasil.
– A construção de uma pátria educadora se faz a partir da discussão de questões que mudam mentalidades e, com isso, provocam mudanças culturais e rompem paradigmas. [Em 2015], o Enem conseguiu levar esse debate para dentro da casa de milhares de famílias – afirmou a senadora Fátima Bezerra.