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O país europeu que vende cidadania – e quanto ela custa

Enquanto mexe em seu véu e com palavras um pouco mais altas que um sussurro, Amar Al-Sadi me diz que Malta a salvou de uma vida de bombas, destroços e doenças fatais.

Sua família escapou do Iêmen, abalado pela guerra, em uma evacuação aérea das Nações Unidas há dois anos.

“Eu acho que ninguém no mundo gostaria de viver daquele jeito”, disse ela. “Estávamos dormindo outro dia e ouvimos uma bomba muito grande perto. Foi realmente assustador”.

“Eu ainda tenho amigos no Iêmen. Eles me dizem que as pessoas estão morrendo de cólera. Alguns tentam escapar, mas eles não conseguem porque ninguém aceitará seus passaportes agora.”

Amar não está em Malta como refugiada nem como migrante econômica. A mulher de 21 anos, seus pais e quatro irmãos são agora cidadãos malteses.

Eles não nasceram em Malta e não tinham parentes malteses. Então como eles têm passaporte maltês?

Eles compraram os passaportes, assim como outras milhares de pessoas o fizeram, desde que o país começou a vender cidadanias, em 2014.

Passaporte de negócios

Diferentemente de programas de concessão de direito de residência ou de vistos de investimento, que muitos países (inclusive o Reino Unido e Portugal) oferecem a estrangeiros, o Programa de Investidor Individual de Malta dá cidadania completa a solicitantes bem-sucedidos.

O custo mínimo é de 880 mil euros (R$ 3,2 milhões) por pessoa.

Três quartos desse valor é uma contribuição não reembolsável para o Fundo Social e Nacional de Desenvolvimento de Malta, que financia educação, saúde e projetos de criação de empregos. O resto é dividido entre investimentos em alianças com governos e na posse ou aluguel de uma casa por ao menos cinco anos.

A ilha caribenha de St Kitts e Nevis vende cidadanias desde 1984, mas desde 2011, Áustria, Bulgária, Hungria e Chipre lançaram seus próprios programas.

“É a apólice de seguro do século 21”, diz Christian Kalin, chefe da empresa de planejamento de moradia e cidadania Henley and Partners.

Ele diz que há uma “rápida expansão” na área, parcialmente movida por governos buscando novas fontes de renda, mas também por causa da turbulência geopolítica, como no Oriente Médio.

Pessoas ricas podem usar esses esquemas para escapar de problemas ou de mudanças políticas dramáticas. Mas, além das preocupações com segurança, muitos querem simplesmente oferecer oportunidades para seus filhos ou facilitar a criação de um negócio.

“É sobre mobilidade e flexibilidade pessoais, com acesso a outros países. Nós temos um cliente que é americano mas tem dois importantes investimentos na Itália e na Holanda”, diz Kalin.

“Ele precisa de uma permissão para trabalhar em ambos. Se ele tem cidadania maltesa, ele não precisará lidar com permissão de trabalho ou qualquer outra questão”, diz Kalin.

Isso é porque Malta está na União Europeia e é parte da Área de Schengen – o que permite o movimento sem passaporte na maior parte da União Europeia. Esse é um dos pontos mais fortes do esquema.

O passaporte maltês seria uma opção, por exemplo, para cidadãos britânicos preocupados em manter os vínculos com a União Europeia após o Brexit, mas nenhum britânico chegou a se alistar. “É evidente que o Reino Unido fará algum tipo de acordo com a União Europeia”, diz Kalin.

O esquema de cidadania de Malta também é popular porque é relativamente rápido. Os aplicantes geralmente recebem seus passaportes entre 12 e 18 meses.

Exigência de posse

O programa também exige que os solicitantes comprem uma propriedade no valor de no mínimo 350 mil euros (R$ 1,2 milhão) ou aluguem uma por no mínimo 16 mil euros (R$ 59 mil) por ano durante cinco anos.

Mais de 80% dos solicitantes optam pelo aluguel. No entanto, há uma preocupação crescente de que muitas propriedades fiquem vazias, o que leva algumas pessoas em Malta a questionar as intenções dos aplicantes.

“Esses bilionários não estão interessados em viver em Malta, eles só querem acesso à União Europeia”, diz a jornalista maltesa Daphne Caruana Galizia. “Eles provavelmente não têm intenção de se instalar aqui. Se eles realmente estivessem interessados em ficar, eles teriam comprado uma casa”.

O banco central de Malta disse que o Programa do Investidor Individual é uma das causas do aumento do preço das casas em Malta em ao menos 7% ao ano e dos alugueis em cerca de 10%.

Jonathan Cardona, executivo-chefe da Identity Malta, que coordena o programa, concorda que o acesso à UE é um ponto-chave para vender o passaporte maltês, mas diz que a ilha é um investimento atraente por si só.

“Eu conheço alguém que investiu cerca de 70 milhões de euros em Malta. Outro está no processo de abrir uma fábrica na indústria farmacêutica e eu conheço outra pessoa que abriu uma companhia de Tecnologia da Informação”, diz.

“Alguns deles podem não ter investido com seriedade ainda, mas você nunca sabe o que pode acontecer em alguns anos”.

Cardona faz questão de apontar o significado financeiro das doações que os aplicantes fizeram. Elas hoje somam mais de 220 milhões de euros e equivalem a cerca de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) de Malta.

“Por causa de sua riqueza e do que eles fizeram para conseguir seu status, eles deixam uma grande marca, então podemos cobrar diligência deles”, diz.

“Outros migrantes econômicos, especialmente quando eles vêm sem documentação – nós sequer sabemos de onde eles vêm ou que língua falam”.

Debate sobre cidadania

Mas, para alguns, a cidadania é mais do que meros números.

“Um passaporte é algo que não deveria estar à venda, é algo ao qual você pertence, parte de seu DNA”, diz Helga Ellul, que nasceu na Alemanha mas vive em Malta há mais de 40 anos.

Ela se mudou para a ilha para chefiar as operações da empresa alemã Playmobil lá, empregando mais de mil funcionários. Ela se casou, teve dois filhos e agora tem três netos. Há 15 anos, ela aplicou e conseguiu sua cidadania maltesa, sem pagar centenas de milhares de euros.

“Não foi uma decisão fácil para mim abrir mão do meu passaporte alemão”, diz ela.

“Quando eu tomei essa decisão foi porque eu realmente senti que pertencia a esse país, que eu ficaria aqui. Eu tenho muito mais amigos aqui, eu sou mais reconhecida aqui, sou parte dessa sociedade como um todo e eu acho que se você perguntar às pessoas em Malta todos vão dizer que eu o mereci”.

Mas realmente temos o direito de reivindicar uma cidadania? Afinal, a maioria de nós adquire uma por acaso, através de nossos pais.

Javier Hidalgo, cientista político da Universidade de Richmond (em Virgínia, nos EUA), acredita que a cidadania nunca é merecida e que frequentemente há uma hipocrisia inerente à aversão moral de tratá-la como comodidade.

“Se você é cético em relação a restrições imigratórias, como eu, então você será cético sobre a venda de cidadanias porque você pode pensar que somos obrigados a dar acesso ao país de graças às pessoas”.

“Mas a maioria dos países e a maioria das pessoas estão felizes em restringir a imigração. Se você acha que isso é ok, então qual é o problema em vendê-la?”

“Se você já é a favor da exclusão de muitas pessoas….por que não ganhar um dinheiro extra permitindo a entrada de algumas delas, que você poderia ter o direito de excluir se não fosse por isso?”

Amar Al-Sadi e sua família compraram a cidadania e moram em sua casa maltesa. Ela e seus irmãos estudam no país.

Ela diz que eles mergulharam na vida maltesa e foram bem-vindos pelos seus novos vizinhos, fazendo vários amigos.

“Mas eu não acho que todo mundo tem a sorte que tivemos, e isso é muito triste”.(BBC)

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