O não ao não
Nunca se viu uma decisão de presidente americano ser tão desacatada. Donald Trump disse não ao Acordo de Paris, mas estados, países, empresas e executivos disseram não ao não. A preparação da economia para a realidade do século XXI começou há muitos anos. O Acordo de Paris não foi o início desse movimento, foi apenas parte dele. Trump não entendeu a nova economia.
Em Copenhague, em 2009, as maiores empresas do mundo fizeram uma reunião paralela e divulgaram o seu pacto por redução das emissões em suas atividades econômicas. A Coca-Cola, por exemplo, mediu sua pegada calculando os caminhões que circulam no mundo para distribuir a bebida e o volume de água consumido. Fez um plano de chegar a 2020 reutilizando e reduzindo o consumo de água e protegendo mananciais para neutralizar esse impacto.
As grandes empresas de tecnologia, Facebook, Google, Microsoft, Apple já investiram muito na redução do impacto de suas atividades. A Tesla está um passo adiante, é uma empresa da nova economia cujo crescimento se dará na vitória da lógica do baixo carbono e na alta tecnologia de armazenagem de energia limpa. As novas renováveis, solar e eólica, entre outras, já representam uma fonte de dinamismo econômico em si. Não são apenas formas de compensar as emissões, mas empregam, investem, pesquisam e crescem em países como Estados Unidos, Alemanha e China. Em setembro de 2009, assisti uma reunião na casa do primeiro-ministro britânico, a 10 Downing Street, entre o governo inglês e as principais empresas do país sobre o esforço de cada uma para reduzir emissões e transformar a forma de produção. Entendi nessa reunião que as grandes corporações estavam dispostas a ir além do marketing, que elas constroem laços com a nova economia porque isso passou a ser uma exigência do mercado e dos consumidores.
Donald Trump não está sozinho, evidentemente. Ele defende o lobby da energia fóssil, do petróleo e do carvão, mas tudo hoje é mais complicado do que parece. A Exxon Mobil, maior indústria americana de petróleo, escreveu uma carta a Trump, dias antes do evento, pedindo para que ele não tirasse os Estados Unidos do Acordo de Paris. Isso reflete a tendência da empresa. Seu novo CEO, Darren Woods, no primeiro post, logo após assumir, disse que “os riscos climáticos exigem ação”. Isso foi depois de a empresa ter enfrentado inquéritos comandados pelo procurador-geral dos estados de Nova York e Massachussetts.
Já há alianças fortes em todo o mundo e cadeias de interesses empurrando para uma economia de baixa emissão. E é isso que o presidente americano Donald Trump ainda não viu. Sua tentativa de dar sobrevida a setores industriais e de energia de alta emissão de carbono é um alento a esses segmentos cadentes, mas não vai salvá-los das transformações nas quais a economia entrou.
A força das velhas ideias não pode ser menosprezada. Em país algum. No Brasil, estamos em pleno retrocesso ambiental, com a tramitação de uma nova lei do licenciamento que mais uma vez testa a ideia ultrapassada de que o desenvolvimento exige o atropelo da natureza. Há, ainda, o risco de o presidente Michel Temer sancionar, e, por ironia, perto do dia mundial do meio ambiente, a maior agressão recente à floresta Amazônica. A MP foi aprovada em votação final na Câmara, no dia seguinte à piora da crise política. Ela reduz em 486 mil hectares a área da Floresta Nacional de Jamanxin. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) diz que essa medida levará à destruição de 280 mil hectares de floresta até 2030, e à emissão de 140 milhões de toneladas de CO2. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, em carta aberta a Temer, pediu que as reduções da Floresta de Jamanxin e do Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina, não sejam sancionadas.
Perigos existem, lá e aqui, de que as velhas práticas prevaleçam e façam sua destruição de vida, mas a coalizão para o futuro já está formada. Mesmo com o não de Trump, o Acordo de Paris continuará, e o que se viu foi o enfraquecimento da liderança do presidente americano até em território dos Estados Unidos. No Brasil, o risco é tornar lei o não para um precioso pedaço do nosso patrimônio.( Blog da Miriam Leitão)