Por que é tão difícil frear a escalada da obesidade infantil?
A explosão de obesidade na população brasileira adulta, revelada na última semana pela Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), tem impacto direto no avanço do sobrepeso entre as crianças. Afinal, elas não aprendem sozinhas a tomar refrigerante enquanto jogam videogame, não é?
O levantamento anual do Ministério da Saúde identificou um crescimento de 60% no número de adultos obesos nos últimos dez anos: um em cada cinco brasileiros adultos está nesta situação – e metade da população está acima do peso. A estatística é alta também entre as crianças: um em cada três brasileiros já apresenta excesso de peso na infância.
Os indicadores sobre obesidade infantil são da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, cujos dados mais recentes são referente a 2008-2009. A Vigitel analisa o comportamento alimentar apenas de pessoas maiores de 18 anos, em todas as capitais brasileiras. Mas o Ministério da Saúde, ao apresentar os dados da pesquisa, destacou a importância de ações também voltadas a crianças e adolescentes.
Já chega a 16,6% o índice de meninos obesos com idade entre 5 e 9 anos e a 11,8% entre as meninas na mesma faixa etária, segundo a POF 2008-2009. A título de comparação, em 1974-1975, as taxas eram de 10,9% entre meninos e 8,6% entre meninas.
O Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica), de 2015, indica que 8,4% dos adolescentes brasileiros estão obesos e 25,5% dos adolescentes de 12 a 17 anos estão com excesso de peso.
Para especialistas ouvidos pela BBC Brasil, o mau exemplo dos pais e a sofisticação da propaganda de produtos industrializados são os principais entraves para enfrentar o problema.
Propaganda desigual
O coordenador científico do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Augusto Monteiro, atuou na elaboração do Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, e considera a propaganda o principal motor para o crescimento do consumo de alimentos ultraprocessados nos últimos anos.
São considerados assim alimentos como biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, refrigerantes, macarrão instantâneo, lasanhas prontas, entre outros do gênero.
“A propaganda é desigual. Enquanto a indústria apresenta um material muito sofisticado, que passa uma mensagem sobre você ser mais bacana se consumir tal produto, o governo é omisso em campanhas de saúde pública”, analisa Monteiro.
Para o pesquisador, essa propaganda vende também uma certa ideologia de praticidade, que contamina o imaginário dos pais, verdadeiros responsáveis pela alimentação dos pequenos.
“Não há tanta diferença entre o tempo de preparo de um macarrão normal com molho de tomate e um macarrão instantâneo”, avalia.
Regulamentação e exemplo
Além da propaganda, as embalagens também contribuem para atrair consumidores a produtos com propriedades sensoriais inversamente proporcionais ao seu valor nutricional. “Um suco de laranja em pó, por exemplo, tem 1% de polpa de laranja, mas a embalagem mostra uma laranja enorme, colorida”, exemplifica Monteiro.
O mesmo vale para dizeres como “rico em fibras” e frases similares, as quais o pesquisador da USP classifica como “alegações saudáveis falsas”. Medidas regulatórias poderiam barrar esse tipo de apelo ou mesmo restringir a propaganda de certos produtos, como ocorre em países como França, Canadá e Inglaterra.
Um ponto fundamental na formação de uma geração que tenha menos problemas com a balança é o exemplo dos pais. “A criança precisa ter referências do que é uma alimentação variada e saudável”, frisa a pediatra nutróloga Elza Mello, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A especialista destaca que a preocupação com os hábitos alimentares deve vir desde a gestação. “O líquido amniótico transfere sabor, então, a criança pode já nasce predisposta a preferir certos alimentos de acordo com a dieta da mãe”, explica Mello, que também atua no setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas de Porto Alegre.
De acordo com a pediatra nutróloga Márcia Schneider, integrante da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, o tratamento da obesidade infantil é difícil porque depende muito dos adultos. “O tratamento não deve ser só no consultório, mas em casa, na escola. Quem compra o refrigerante? Quem dá o tablet?”, questiona a médica.
O que fazer?
Os especialistas são unânimes: dar exemplo é o primeiro passo. Boa parte da educação das crianças decorre do que elas veem os pais fazerem. Vale o mesmo para a dieta.
“Os pais veem os pequenos como vulneráveis, o que de fato são, e querem fazer tudo certo. Nessa perspectiva, a chegada de uma criança pode ser uma motivação para repensar a relação de todos com a comida”, observa o pesquisador da USP Carlos Augusto Monteiro.
Evitar ao máximo oferecer sucos e refrigerantes aos pequenos é outra recomendação. Mesmo sucos naturais são altamente calóricos, lembra a pediatra Elza Mello. Além do excesso de calorias, a ingestão frequente dessas bebidas acostuma o paladar da criança desde cedo e pode acabar fazendo com que ela rejeite beber água.
Não mandar raspar o prato é uma medida simples e eficaz. As mães esperam que a criança consuma porções iguais de alimento todos os dias e costumam obrigá-las a comer até o fim, mas esse comportamento é equivocado, diz a especialista.
“Há dias em que a criança tem menos fome, e é preciso respeitar. Assim, ela irá crescer com a ideia de que só precisa comer até o cérebro saber que está satisfeito”, explica.
Por fim, é comum os pais se preocuparem mais em fazer a criança comer direito do que em observar como (e se) ela gasta toda essa energia.
“É preciso limitar o uso de mídias que incentivam o sedentarismo e promover a prática de atividades físicas em todas as idades. Para crianças pequenas, atividades lúdicas, como jogos, funcionam bem. Adolescentes podem até fazer musculação, desde que sem sobrecarga”, sugere a pediatra Márcia Schneider.
Ação do governo
Questionado sobre desafios e medidas do governo federal no combate à obesidade infantil, o Ministério de Saúde enumerou uma série de ações em curso, como controle de ganho de peso e promoção de alimentação saudável na gestação.
Citou ainda o programa Saúde na Escola, em integração com a pasta da Educação, que pode identificar estudantes com excesso de peso ou risco nutricional e encaminhá-los a serviços de saúde.
Ainda segundo o ministério, o governo fornece materiais a professores para uso em atividades de promoção da alimentação saudável e apoia uma norma de venda de alimentos para bebês que controla a publicidade de produtos que concorram com a amamentação – prática que é considerada como meio de prevenção da obesidade.
A pasta disse reconhecer a necessidade de avançar além de ações de promoção de alimentação adequada.
“É preciso melhorar a rotulagem nutricional para apoiar escolhas mais saudáveis, proibir a venda de refrigerantes e outros alimentos ultraprocessados não saudáveis nas escolas e regular a publicidade de alimentos direcionada ao público infantil, para proteger as crianças da exposição a alimentos não saudáveis”, afirmou em nota.(BBC)