Mudança incompleta
A reforma trabalhista não resolve os inúmeros problemas do mercado de trabalho, mas dá passos importantes. Permanece sem solução a maior das questões, a de um mercado com duas classes de trabalhadores, uma com lei, e outra sem lei e sem proteção. Segundo o IBGE, 40% dos trabalhadores não têm carteira assinada. O projeto, que até o fechamento da coluna estava sendo votado, é uma mudança incompleta.
É uma reforma com pouca ambição. Há saídas engenhosas para algumas questões, há tentativas de resolver certos impasses e há claros acertos, mas nem trata de inúmeros problemas do mercado de trabalho.
Acabar com o imposto sindical obrigatório é ótimo, mas é preciso também acabar com os tributos que sustentam a representação patronal. No Brasil, há um ponto comum entre os sindicatos do trabalho e do capital: eles querem que nada mude, porque nos dois lados há representações de fachada que vivem do dinheiro coletivo recolhido compulsoriamente.
As empresas pagam imposto sindical, da mesma forma que os trabalhadores. As federações dos empresários usam ainda parte do dinheiro do sistema S, imposto recolhido das empresas para financiar a qualificação dos trabalhadores. Representações sindicais de patrões e empregados precisam viver da relação com os seus associados. Por outro lado, os sindicatos dos trabalhadores ganharam uma enorme força com o princípio de que o negociado pode se sobrepor ao legislado. É bom lembrar que não serão negociáveis os direitos como férias, 13º salário. Pode-se aproveitar o momento para separar o joio do trigo: sindicatos fracos, dominados pelo mesmo grupo, que não prestam contas, que nem fazem esforço de sindicalização, que vivem apenas do dinheiro e do carimbo, esses poderão acabar. Já os que realmente representam a categoria terão ainda mais força.
Ter novas modalidades de trabalho possível em um mundo em transição constante é fundamental. Quando for necessário para a empresa, e para a pessoa, pode haver trabalho remoto, trabalho intermitente e jornada de 12 horas, desde que seguidas de 36 horas de descanso.
Um avanço foi a possibilidade de saída negociada da empresa, em que o trabalhador pede demissão mas tem acesso a 80% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e metade do aviso prévio. São inúmeras as situações em que a pessoa quer sair de um emprego para aceitar um convite ou enfrentar um novo desafio. O trabalhador nessa situação só tinha o caminho de pedir demissão e receber apenas os proporcionais de férias e 13º salário. Agora, poderá ter acesso aos 80% do FGTS. O ruim é ter sido incluído 20% de multa sobre o saldo, porque isso pode desestimular a empresa a aceitar essa modalidade de encerramento do contrato de trabalho.
O Brasil tem um enorme contingente de pessoas fora de qualquer proteção legal. Há 10,5 milhões de trabalhadores sem carteira assinada em empresas privadas. Há 4,1 milhões de empregados domésticos sem carteira. E há ainda 22,1 milhões de pessoas trabalhando por conta própria que, em parte, podem ser pessoas em trabalho precário. E há ainda os 13,5 milhões de desempregados. O pior número divulgado pelo IBGE ontem é que 1,5 milhão de brasileiros estão impedidos de sair do local de trabalho por dívida. São supostas dívidas de gastos com alimentação, transporte ou equipamentos de trabalho. Isso é ilegal e um completo absurdo.
Essa reforma não resolverá esses desequilíbrios e desigualdades porque ela não é ampla o suficiente, mas é um passo na direção da atualização da lei dos anos 1940, que ficou confusa, ineficiente e desatualizada.
O economista José Márcio Camargo costuma dizer que os direitos são flexibilizados na hora do conflito. A primeira pergunta que o juiz do trabalho faz é se as duas partes querem entrar num acordo. Quando isso acontece, o trabalhador abre mão de parte do que ele acha que tem direito, para receber mais rapidamente, e a empresa paga mais do que acha que seria correto para evitar o passivo trabalhista. São 3 milhões de novos processos por ano no Brasil.
Quem olha com serenidade para o mercado de trabalho brasileiro sabe que ele precisa de várias reformas para se adaptar ao mundo do trabalho no século XXI e para proteger todos os trabalhadores. ( Blog da Miriam Leitão)