Começo difícil
O primeiro trimestre chegou ao fim gerando um sentimento de frustração em vários empresários do país. Havia expectativa de uma recuperação mais forte no início do ano, com o crescimento do agronegócio alavancando outros setores. As condições de crédito são uma reclamação unânime, porque os bancos não estão repassando as reduções da Selic. Os números da indústria automotiva em março deram alívio.
O presidente do grupo Astra, Manoel Flores, empresa de material de construção, conta que em janeiro e fevereiro o faturamento teve queda de dois dígitos, em relação ao mesmo período do ano passado. Em março, houve estabilidade. Com isso, a previsão para o ano, que chegou a 5% de alta, agora está para ser revisada para próximo de zero.
— Na boca do caixa, o meu primeiro trimestre ainda foi negativo. Os índices de confiança estão subindo, mas já brinco que eles viraram indicadores de esperança. No mundo real, as coisas demoram mais para surtir efeito — explicou.
Enéas Pestana, ex-CEO do grupo Pão de Açúcar e consultor da Enéas Pestana & Associados, explica que o comércio terá um ano difícil, por causa do desemprego elevado. Ele diz que a queda dos juros ajuda o setor, mas os bancos continuam mantendo uma posição de cautela na hora de emprestar. As taxas e os spreads permanecem elevados para os tomadores na ponta final.
— Só consegue linha nova quem está muito bem, e não tenho visto isso acontecer. O que tem acontecido são os donos fazendo aporte de capital para manter os negócios. Os bancos estão fortes na renegociação de dívidas, mas dinheiro novo está bem difícil — disse.
O setor de transportes achava que o crescimento forte do agronegócio fosse se transformar em encomendas de mais caminhões para transportar a carga. Mas, segundo o presidente da Librelato, José Carlos Sprícigo, empresa de implementos rodoviários, os veículos usados é que foram beneficiados. Para cada quatro caminhões usados vendidos, um novo saiu das fábricas:
— A gente achava que podia crescer 7% este ano e agora podemos cair 10%. A dificuldade de crédito é muito grande, os bancos tiraram o pé. Até a Caixa Econômica está tendo ganhos com operações de tesouraria, ou seja, emprestando para o governo, e não fomentando a economia.
As vendas de caminhões, de fato, caíram 26% no primeiro trimestre, segundo a Anfavea, associação que representa as montadores. Apesar disso, a produção total de veículos fechou o trimestre com alta de 24% e crescimento de 70% nas exportações. Há sinais mistos, de crise e recessão, até mesmo dentro dos setores.
A queixa em relação ao crédito é comum entre os empresários. Outra preocupação é a instabilidade política, que continua rondando o ano de 2017. O TSE adiou o início do julgamento da ação que pode cassar a chapa Dilma e Temer, mas o assunto continuará sendo foco de incerteza sobre o governo. As denúncias da Lava-Jato e outros casos de corrupção afetam a base de sustentação política e dificultam a aprovação de reformas, principalmente da Previdência. Constatar isso não significa defender que se afastem esses pontos de incerteza. A economia não pode pedir que não se investigue, nem se julgue, sob o argumento de que ela está atravessando um tempo de dificuldades. O Brasil está condenado a atravessar todas as tormentas juntas.
José Carlos Sprícigo diz que, apesar das dificuldades que se arrastam este ano, a empresa voltou a ter um olhar mais seguro para o longo prazo. Com a queda forte da inflação e a expectativa de juros mais baixos ao longo de todo o ano de 2018, os investimentos devem começar a sair do papel.
Enéas Pestana enxerga uma demanda reprimida que pode levar a números melhores para o varejo em 2018. Para este ano, estima algo entre zero e 2%. Manoel Flores aposta que a liberação do FGTS vai acelerar o pagamento de dívidas e ajudar a destravar o crédito.
A economia entrou em recessão profunda nos últimos dois anos, e a expectativa é que em 2017 ela deixe de cair. Mas o país ficará parado em um nível muito baixo, ao contrário de outras recessões em que o PIB retomou o crescimento mais rapidamente. Há segmentos que começam a ter sinais bons, mas a conversa com algumas empresas mostra um quadro ainda muito difícil. A previsão da equipe econômica é que o PIB vai melhorando a cada trimestre. Mas esse primeiro trimestre foi um começo difícil. (Blog da Miriam Leitão)