Carros na frente dos bois
Apesar de um certo clima de suspense em relação ao seu desenlace, uma reforma da Previdência, desidratada entre 30% e 50% do previsto na proposta original, acabará aprovada no Congresso ainda este ano.
Depois de fazer passar o projeto que ampliou as possibilidades de terceirização das atividades produtivas, há pouco mais de um mês, e, mais ainda, a reforma trabalhista, nesta quarta-feira, restam poucas dúvidas de que o governo Temer dispõe de capacidade de manobra suficiente para reunir os votos necessários à sua aprovação.
Vencer as duras batalhas reformistas travadas no Congresso não significa, contudo, que a promessa de recolocar a economia nos trilhos até 2018 esteja garantida. Ao contrário, o atropelo com que as reformas têm sido apresentadas, negociadas e votadas poderá cobrar um sobrepreço capaz de atrasar a chegada ao ponto de equilíbrio fiscal e à retomada de um ritmo razoável e sustentável de crescimento.
Tanto o estímulo à terceirização quanto a adoção de formas mais flexíveis de relações no trabalho e o endurecimento das regras de acesso aos benefícios previdenciários são exemplos de riscos para o próprio ajuste da Previdência e das contas públicas como um todo.
Se, na prática, produzirem efeito diferente do esperado, afastando contribuintes dos mercados formais, em lugar de incorporá-los, os ganhos com cortes nos gastos públicos serão pelo menos em parte descompensados com redução nas receitas.
O que amarra, favoravelmente, as reformas em curso é a expectativa de que elas propiciarão a pavimentação da estrada para uma retomada convincente do crescimento econômico. É essa expectativa, inclusive, que parece levar congressistas a arrostar presumíveis pressões de seus redutos eleitorais, diante da posição em favor da restrição de direitos embutida nas reformas.
O argumento, usado pelo governo para convencer suas bases recalcitrantes, é o de que as reformas farão a economia crescer e, com a economia crescendo, emprego e renda dariam as caras, minimizando a memória das “maldades” aprovadas.
Trata-se, porém, de um circuito virtuoso no qual não se deveria apostar todas as fichas. Com medidas restritivas desse naipe, em muitos países, as tentativas de superar as consequências locais da grande crise global, que já se arrasta por quase uma década, não têm sido bem-sucedidas.
A ideia de que ajustes fiscais funcionariam como uma espécie de óleo de fígado de bacalhau, abrindo o apetite de investidores, tem se revelado frágil, mesmo quando as contrações fiscais, que abrem espaços para o setor privado e levariam a essa suposta retomada dos investimentos, são compensadas com amplos afrouxamentos monetários.
É voz corrente entre os analistas de mercado que o esforço fiscal requerido na economia brasileira para estabilizar a dívida pública teria de ir além da reforma original da Previdência — mesmo em sua versão original mais dura — e da vedação de expansão real dos gastos públicos, conforme determinado pela emenda constitucional em vigor, que inaugurou a corrida reformista do governo Temer.
Como o déficit primário é de 2% do PIB e seria necessário um superávit de 2,5% do PIB para estabilizar a dívida pública, a contração fiscal exigida chegaria a imensos 4,5% do PIB. Sem alterar as normas em vigor para a arrecadação de tributos — o outro lado da equação das contas públicas —, numa palavra, trata-se de uma inviabilidade.
Talvez fosse o caso de começar o ajuste fiscal não só pela imposição de um teto para os gastos, mas, concomitantemente, pela revisão do sistema tributário desfuncional e regressivo vigente. Do mesmo modo que as mudanças nas regras de terceirização deveriam ter esperado para se encaixar na reforma trabalhista.
Na esteira da quase certeza de que a carga tributária não permanecerá como está, há dúvidas se o teto de gastos resistirá e mais ainda se a economia deixará de ser uma engrenagem rodando com areia entre as polias.
Pode ter sido a saída mais à mão oferecer, rapidamente, carne fresca à base política e social que se formou para sustentar o novo governo, superado o impeachment. Mas, na área econômica, colocar carros na frente dos bois não costuma ser ação sem consequências adversas. (Blog do Noblat)