O que caixa dois, três ou quatro é!
Bons tempos aqueles em que os caixas de campanha se limitavam a dois. O primeiro, legal – a doação de dinheiro informada à Justiça. O segundo, ilegal – a doação de dinheiro por debaixo do pano.
Os que se valiam do caixa dois negavam com veemência que o fizessem. Maus tempos, estes. De cara limpa, admite-se a existência de três ou mais caixas. E criminosos tramam uma anistia em causa própria.
O que mudou? A sociedade tornou-se mais tolerante com a corrupção? Ou os corruptos se tornaram mais ousados? Dado o grau de apoio popular à Lava Jato, diminuiu a tolerância dos brasileiros com a corrupção.
Aumentou a ousadia de corruptos e corruptores, assim como o volume de dinheiro em circulação proveniente do superfaturamento do preço de obras públicas. O distinto público segue pagando a conta.
Aumentou também a desfaçatez dos políticos suspeitos de roubar. A ponto de, ameaçado de ser condenado e preso, pelo menos um deles, Lula, decidir lançar-se candidato a presidente da República.
Antes, a simples suspeição era capaz de adiar projetos ou de sepultar pretensões. Hoje, antecipa. Como se o fato de declarar-se candidato garantisse desde já foro privilegiado a quem não tem.
Caixa dois não é coisa nossa como a jabuticaba, que também não é. A invenção de outros caixas, sim, pode ser. Em entrevista ao site da BBC Brasil, o ministro Gilmar Mendes revelou a existência de no mínimo quatro caixas.
O primeiro, legal. O segundo, clandestino, “mas sem outros vícios”. O terceiro, registrado na Justiça, mas fruto de propina. O quarto, com o objetivo de corromper.
Mendes acha que o segundo tipo de caixa, o clandestino “sem outros vícios”, precisa ser desmistificado. Quer dizer: como quase todos os políticos de todos os partidos sempre abusaram do caixa dois, a prática deveria ser descriminalizada.
Pois é, o mundo gira e a Lusitana roda… Em setembro de 2012, durante o julgamento do mensalão, Mendes pensava diferente.
Assim ele contestou à época a defesa dos mensaleiros: “Essa supostamente inventiva tese do caixa 2, propalada como normal no ambiente partidário, não se sustenta pela origem ilícita dos recursos, que decorria de peculato ou de dinheiro associado a práticas de corrupção. Portanto, falar em recursos não contabilizados, como se se tratasse de mera falha no processo administrativo eleitoral, é o eufemismo dos eufemismos”.
Quando presidente, Fernando Henrique Cardoso quis processar Lula por ele ter dito que a privatização de empresas engordaria o caixa dois do PSDB. Há 10 dias, chamou caixa dois de “erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido”.
Corrupção seria a obtenção de recursos para enriquecimento pessoal. Políticos de A a Z assinariam em baixo do que disse o eminente sociólogo.
O artigo 317 do Código Penal prevê reclusão de dois a 12 anos para o agente público que “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida (…)”.
O artigo 350 do Código Eleitoral prevê reclusão de até cinco anos e multa para quem “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar”.
Caixa dois, três, quatro ou cinco é crime – e como tal sujeito aos rigores da lei. Caberá à Justiça dizer mais cedo ou mais tarde o que seria uma anistia aprovada por um bando de suspeitos para escapar de eventuais punições.(Blog do Noblat)