Cobrança de ISS para Netflix e Spotify é inconstitucional, diz advogada
A aprovação da lei que estabelece a cobrança do Imposto Sobre Serviços (ISS) para plataformas de streaming, como Netflix e Spotify, levantou debates entre especialistas. A Lei Complementar nº 157 prevê o repasse para os municípios de uma alíquota mínima de 2% sobre o valor cobrado aos consumidores. A taxa definitiva deve ser escolhida pelas cidades em que as empresas estão localizadas. Apesar de ter sido sancionado pelo presidente Michel Temer no dia 30 de dezembro, o texto é considerado inconstitucional por alguns especialistas.
De acordo com Maria Alice Boscardin, advogada da Andersen Ballão Advocacia, especialista em tributação empresarial, a cobrança do imposto para plataformas de streaming gera polêmicas porque muitos consideram que as plataformas não oferecem, de fato, um serviço. “Prestação de serviço, na essência, se caracteriza sobre a ideia de fazer alguma coisa”, explica.
Na opinião da advogada, em vez de realizarem um serviço, as plataformas somente liberam o acesso de um conteúdo de áudio ou vídeo que já existia previamente. “O texto da Constituição que permite aos municípios criarem o ISS não engloba o streaming, que tem a obrigação de dar e não fazer”, explica. “Se eles querem cobrar um tributo, teriam que criar uma nova espécie
A lei sancionada por Temer serve como uma atualização para a Lei Complementar nº 116, que dá base para os municípios cobrarem o ISS. O texto, que já contava com uma lista de serviços que poderiam ser taxados, foi atualizado e passou a abranger empresas que oferecem “conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet”. A lei também prevê a cobrança para plataformas de “processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação”.
Assim, além das plataformas de streaming de vídeo e áudio, ferramentas como Google Drive, iCloud, Google Play e App Store poderão apresentar preços mais elevados a partir de março, quando a lei passar a ter validade. Para o gerente de políticas públicas da Proteste, Henrique Lian, a mudança é compreensível, apesar de não interessar os consumidores. “Tudo que é da nova economia e da economia digital nasce como free e na sequência vai ser tributado”.
Segundo ele, apesar da lei encarecer os serviços, não é possível dizer que houve prática abusiva, ilegal ou ilegítima. “Não há um motivo para que esses serviços não sejam tributados enquanto outros são”. O texto sancionado por Temer também aborda empresas de outros ramos, como estúdios de tatuagem, serviços de vigilância e até mesmo “translado intramunicipal e cremação de corpos e partes de corpos cadavéricos”.
Para a sócia-líder de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações da Deloitte Brasil, Marcia Ogawa, a demanda pelos serviços de streaming não deve apresentar alterações significativas, já que existem poucos concorrentes no Brasil. “Essa nova incidência de ISS não irá interromper a popularização dessas plataformas, pois a base de usuários é bastante cativa”.
Atualmente, o plano básico da Netflix pode ser assinado por R$ 19,90. A cobrança mínima do ISS representa cerca de R$ 0,40. Na opinião de Marcia, o valor adicional não será suficiente para os consumidores deixarem de usar os serviços. “Qualquer repasse de imposto no preço final desse serviço não deverá fazer com que o usuário venha a cancelar sua assinatura”, projeta.
Guerra fiscal
O principal objetivo do governo com a lei é amenizar a disputa entre os municípios e aumentar as arrecadações. Em muitos casos, as prefeituras oferecem alíquotas menores ou até mesmo concedem isenções para atrair empresas para suas cidades. O texto afirma que o ISS não poderá ser objeto de concessão de isenções ou benefícios de qualquer tipo para as empresas e considera ato de improbidade qualquer ação dos municípios nesse sentido.
O projeto inicial defendia que a arrecadação do ISS fosse realizada no domicílio do consumidor. Assim, as empresas teriam que se organizar para realizar o pagamento nas cidades de cada cliente. O trecho, no entanto, foi vetado por Temer, com a justificativa de que a cobrança para cada local causaria “uma potencial perda de eficiência e de arrecadação tributária”. Com a mudança, a arrecadação será feita no município em que a sede da empresa está localizada.
“A intenção deles foi aumentar a arrecadação dos municípios, mas não parece ser a solução mais adequada”, diz Maria Alice, lembrando que a disputa entre as cidades continuará existindo, já que as cidades com alíquotas superiores aos 2% iniciais poderão ser prejudicadas. Lian concorda com a advogada e diz que “a luta principal dos municípios não foi ganha” após o veto da arrecadaçnao do imposto no domicílio do consumidor.
Fonte: iG