Entre o Congresso e a Lava-Jato, Temer ganha tempo
Ninguém se arrisca a dizer por enquanto se foi uma manobra de puro amadorismo do profissional da política Renan Calheiros (PMDB-AL). Ou se foi um lance de esperteza combinado entre ele, o presidente Michel Temer e o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara.
Mas o certo é que Brasília acordou, ontem, na iminência de mergulhar numa crise institucional envolvendo o Congresso e o Poder Judiciário. E foi dormir com o perigo aparentemente afastado. Tanto melhor para um país que enfrenta muitos problemas. Por que arranjar mais um?
Pela manhã, ao chegar ao Senado, Renan chamou de “fascistas” algumas medidas contra a corrupção sugeridas pelo Ministério Público, mas rejeitadas pela Câmara de madrugada. Disse que não tinha pressa para votar no Senado o que a Câmara aprovara.
“As medidas terão tratamento regimental, vou despachá-las para comissões permanentes e organizar audiências para debater”, disse Renan. No fim da tarde, porém, ele surpreendeu a maioria dos seus colegas tentando aprovar um pedido de urgência de votação.
O pedido fora assinado pelos líderes do PMDB, PSD e PTC, partidos da base de sustentação do governo. Renan referiu-se a ele apenas pelo número: “Em votação o requerimento número tal”, gritou. Não informou sobre o que se tratava. Só o fez mais tarde, pressionado.
Aí os senadores ficaram sabendo que se aprovassem o requerimento, o pacote de medidas contra a corrupção aprovado pela Câmara seria votado pelo Senado ainda ontem. Foi uma confusão e tanto. Ninguém se apresentou para defender o requerimento.
– Se aprovarmos aqui o que a Câmara aprovou, será a desmoralização desta Casa – esperneou o senador Cristovam Buarque (DF), líder do PPS. “E se o presidente Temer sancionar depois o que aprovamos, será o fim antecipado do governo dele”.
Aloysio Nunes (PSDB-SP), líder do governo, discursou contra a pressa de Renan em querer votar logo o que fora aprovado pela Câmara. Disse que se dependesse dele, Temer jamais sancionaria uma lei “em claro desacordo com o sentimento dos brasileiros”.
O requerimento acabou derrotado por 44 votos contra 14. Assim, o projeto de lei que a Câmara aprovou só deverá ser votado pelo Senado no próximo ano – se for. A partir de fevereiro, Renan já não será mais presidente do Senado.
Temer ganhou tempo. Maia, também para caçar votos que lhe garantam mais dois anos como presidente da Câmara. Faltou-lhe força para impedir a desfiguração pelos seus pares das medidas contra a corrupção. De resto, ele nem tentou isso.
Os procuradores da Lava-Jato, que ameaçaram pôr um fim na operação, ganharam tempo para negociar com o Senado mudanças no que a Câmara aprovou.
Vida que segue. Até o próximo acidente.(Blog do Noblat)