Políticas públicas têm de descobrir força da tecnologia
Em fevereiro de 2014, o município de Joaçaba, em Santa Catarina, anunciou investimento (“o maior em 20 anos”) em um novo material didático a ser utilizado pela rede municipal de ensino. Em julho, foi a vez de Oriente, em São Paulo, com investimento de “proporções históricas” em uniforme escolar. Em dezembro, a prefeitura de Sorriso, município de cerca de 70.000 habitantes do Mato Grosso, revelou que colocaria 830.000 reais na ampliação e reforma de uma escola municipal.
Um enorme volume de recursos tem sido canalizado na tentativa de melhorar a qualidade da educação no Brasil – vista por muitos como nosso maior gargalo. Contudo, como se vê, não existe consenso sobre qual a dimensão prioritária de investimento: com recursos escassos, uma prefeitura deveria concentrar esforços em material didático de qualidade? Uniformes? Infraestrutura? Salário dos professores?
Para responder a essa pergunta, precisaríamos saber qual é o impacto de cada uma dessas políticas. O aprendizado dos alunos mudou a partir da adoção do novo material, dos novos uniformes ou das novas instalações? Somente isso não basta, no entanto. Se o novo material não teve efeito, foi de fato porque não funcionava? Ou porque não chegou a tempo ou em quantidade correta? Porque o professor não recebeu treinamento ou tem dificuldade com o material? Porque o professor falta demais ou faltam outros insumos complementares? Hoje, não temos condições nem de começar a responder essas questões.
A má notícia é que, nas principais áreas de políticas públicas, os dados para responder às questões relevantes sobre impacto das ações em análise estão disponíveis em frequência ou escala inadequadas, e muitas vezes sobre dimensões que não são as mais relevantes para avaliar a efetividade das políticas. A boa notícia é que é possível avançar na coleta dos dados apropriados à avaliação de impacto de políticas públicas de maneira prática e com custos razoáveis, fazendo bom uso de tecnologia – que pode ser utilizada para coletar esses dados com agilidade e custos reduzidos.
O telefone, em particular, é uma ferramenta poderosa de monitoramento. Em políticas sociais, por exemplo, a MGov monitorou, ao longo de dezembro de 2014, o uso de protótipos de educação financeira junto a beneficiários do Bolsa Família, cujo objetivo era de aumentar a poupança e a canalização dos recursos do programa para pequenos negócios. Em educação, o mesmo telefone pode ser utilizado para coletar percepções de professores e alunos sobre materiais, novas práticas ou infraestrutura, no horizonte adequado. Na saúde, a MGov está acompanhando o impacto da informatização de processos em unidades de saúde em Embu das Artes (SP) sobre as percepções dos usuários sobre espera e qualidade. Em mobilidade urbana, é possível falar diretamente com o usuário.
Outras ferramentas, como “totens virtuais” nas unidades de saúde para coletar as percepções dos usuários – implementados preliminarmente pela Prefeitura de São Paulo -, e plataformas on-line de aprendizado – com dados de desempenho disponíveis em frequência bem mais adequada para avaliação dos impactos de intervenções para melhorar o aprendizado – tem potencial para contribuir para novos avanços em 2015.
O primeiro passo, contudo, é admitir que existe um problema. Não me parece que essa consciência exista de forma disseminada entre os avaliadores de políticas públicas hoje no Brasil.
Muitos apontam que de nada adianta ao setor público produzir dados sem que possua a capacidade de analisá-los. Discordo veementemente desse ponto. Vivemos uma escassez de dados, não de capacidade de análise; basta ver os (ainda) raros exemplos de governos que compartilharam dados com pesquisadores. Como exemplos, o trabalho de Laura Chioda (Banco Mundial), Rodrigo Soares (FGV-EESP) e João Manuel Pinho de Mello (Insper), sobre o impacto do Bolsa Família em criminalidade juvenil na cidade de São Paulo, ou o de Joana Naritomi (LSE) sobre o impacto da Nota Fiscal Paulista sobre evasão fiscal, no mesmo estado.
Motivados pelo desafio de responder grandes questões, muitas vezes diretamente associadas ao desenho de políticas públicas, poderosos cérebros estão dispostos a fazer esse trabalho sem custos para o poder público – desde que possam usar seus resultados para publicação e, claro, desde que tenham acesso aos dados necessários para responder às perguntas de pesquisa. Precisamos de mais dados.(Veja)