Os pássaros são tão capazes quanto nós, diz cientista
Durante muito tempo predominou entre os neurocientistas a ideia de que o cérebro havia evoluído de forma linear.
De acordo com a teoria proposta em meados do século 19 pelo neurologista alemão Ludwig Edinger (1855-1918), os peixes seriam os animais com o cérebro mais primitivo. Em seguida viriam os anfíbios, as aves e, finalmente, os mamíferos.
O cérebro dos mamíferos, segundo a teoria de Edinger, não apenas continha todas as estruturas existentes nos cérebros precedentes na escala evolutiva como também apresentava uma novidade que lhe proporcionava uma capacidade cognitiva superior e inédita: o neocórtex.
Mais desenvolvido nos primatas, o neocórtex é uma espécie de capa que recobre a parte externa do cérebro.
Nos seres humanos, ele é dividido em seis camadas e apresenta uma grande quantidade de sulcos repletos de neurônios que comandam funções complexas como percepção sensorial, coordenação motora, raciocínio espacial e linguagem.
Para Edinger, como os pássaros não são dotados de neocórtex, jamais poderiam ser treinados como cachorros e gatos nem desenvolver habilidades cognitivas complexas, como usar ferramentas.
Mas, no início do século 21, um grupo de cientistas demonstrou que essa teoria estava errada em artigo publicado no The Journal of Comparative Neurology.
Entre os autores estava Onur Güntürkün, professor da Ruhr-Universität Bochum, na Alemanha.
Em outra pesquisa divulgada na revista PLoS Biology, Güntürkün mostrou que as gralhas são capazes de se reconhecer no espelho – algo que a maioria dos mamíferos não consegue fazer e que requer um certo grau de autoconsciência.
Por seu pioneirismo na área de Psicologia Biológica, Güntürkün, nascido na Turquia, recebeu em 2013 o Prêmio Gottfried Wilheim Leibniz, considerado o Nobel alemão.
Em 2014, foi o ganhador do Communicator Award, oferecido anualmente pela Deutsche Forschungsgemeinschaft (DFG) e pela Stifterverband für die Deutsche Wissenschaft a cientistas com boa habilidade de comunicar os resultados de sua pesquisa para um público amplo, fora da esfera científica.
No dia 20 de maio, Güntürkün esteve na sede da FAPESP para apresentar a palestra “Cognition without Cortex: The convergent evolution of avian and mammalian forebrains”, na qual contou que, a partir de seus experimentos com as gralhas, foi possível concluir que as aves teriam uma estrutura cerebral comparável ao neocórtex dos mamíferos.
“As aves possuem uma estrutura cerebral com as mesmas especificidades do neocórtex, a mesma bioquímica e o mesmo padrão de comunicação. A diferença é que não é dividida em camadas”, disse.
Segundo Güntürkün, é como se a natureza tivesse criado duas soluções diferentes para o mesmo problema (capacidade cognitiva avançada), em eventos distintos e independentes da história evolutiva.
“É possível que o design do cérebro das aves seja até mais eficiente do que o dos mamíferos, pois permite habilidades cognitivas complexas mesmo com um volume muito menor. No entanto, o cérebro das aves é pequeno demais para competir com o nosso”, avaliou.
Em entrevista concedida à Agência FAPESP, Güntürkün contou mais detalhes sobre suaspesquisas voltadas a entender as origens e a evolução do pensamento.
Falou ainda sobre a importância da comunicação científica e sobre seus estudos relacionados às diferenças de gênero no cérebro.
(Exame)