Argentina: esse filme nós já vimos.
As casas de câmbio de Buenos Aires praticamente não operam esta semana, relata o Ámbito Financiero, principal jornal econômico da Argentina. Há um motivo para isso: o temor das ameaças feitas pelo secretário de Comércio Exterior, Guillermo Moreno, de possível fechamento das casas de câmbio caso não baixem as cotações do dólar paralelo.
Segundo a notícia, o secretário teria se reunido na última sexta feira com os principais cambistas do país e voltou a insistir que o dólar “blue”, como é chamado o paralelo em Buenos Aires, fique cotado entre seis e sete pesos. Nas últimas transações, na quinta-feira passada, o dólar foi negociado a 8,52 pesos para compra e 8,57 pesos para venda. A diferença entre o paralelo e o oficial era de 61%. Sabemos nós, brasileiros, como termina esse estado de coisas. Não há sistema econômico estável em que a mesma moeda seja negociada com tamanho spread. Mais cedo ou mais tarde haverá desvalorização corretiva, aproximando os preços.
Aprendemos também por experiência própria que não são invectivas, ameaças ou apelos que corrigem desequilíbrios nos mercados. Não foram os “fiscais do Sarney” que abasteceram os supermercado, ou a caça aos bois nos pastos que baixaram a inflação no Plano Cruzado, em 1986.
A crise cambial argentina não é fato recente. A centralização do câmbio levou ao controle generalizado das importações, liberadas caso a caso, e ao controle das remessas de lucros e dividendos. No ano passado essas remessas alcançaram apenas US$ 280 milhões, quando no ano anterior haviam superado US$ 4 bilhões. Entre um ano e outro as reservas internacionais argentinas caíram mais de US$ 8 bilhões.
Se o final de tristes histórias, como a crise cambial argentina, é conhecido e inevitável, o interregno pode se mostrar ainda pior. Refiro-me às consequências – para as empresas e para a economia – desse profundo desequilíbrio e da forma como o governo procura superá-lo. A perda das concessões ferroviárias da empresa brasileira ALL é somente uma parte do drama que o investimento brasileiro vive no país vizinho. A lista de projetos interrompidos e de redução da produção de empresas brasileiras na Argentina inclui a Vale, Andrade Gutierrez, Camargo Correa, Alpargatas, Duratex e JBS, entre outras.
A Argentina é o principal parceiro brasileiro no Mercosul. Formamos com ela, mais o Uruguai e o Paraguai, uma união aduaneira que, embora imperfeita, pressupõe a livre movimentação de pessoas e capitais no interior do espaço econômico comum.
Foi com base nessa expectativa que empresas brasileiras investiram na Argentina, contribuindo para o avanço econômico do país e o aumento do emprego. Não é por conta
de erros de julgamento na avaliação dos projetos de investimentos ou a má gestão dos empreendimentos que os projetos estão sendo paralisados, reduzindo a produção e afugentando o investimento brasileiro do país vizinho.
Na raiz de todos esses problemas está a progressiva desorganização da economia argentina, cujo sinal mais visível é a disparada do dólar no mercado paralelo – da mesma forma como ocorreu aqui no início da década de 1960. Isso se junta à desorganização da economia e também à deterioração das instituições democráticas.
Não é possível haver uma economia de comando, que ignora o livre funcionamento do mercado, sem que ocorram também o controle do Judiciário e a “democratização da mídia”– eufemismo para o controle da liberdade de expressão e de crítica aos rumos
da política do governo.
Por todas essas razões, o quadro interno argentino vai se tornando mais preocupante. Adiciona-se à crescente pressão sobre os investimentos brasileiros no país as restrições às nossas exportações, por força dos controles cambiais e por toda sorte de medidas não tarifárias.
Não foi para isso que os presidentes José Sarney e Raul Alfonsín firmaram, em 30 de novembro de 1985, a Declaração do Iguaçu, marco inicial do acordo de integração entre Brasil e Argentina – que anos depois, daria origem ao Mercosul.
O que está ocorrendo com a ALL na Argentina e outras empresas brasileiras lá instaladas serve apenas a um propósito: dar mais um argumento àqueles que, de há muito, consideram que a manutenção do Mercosul, na configuração atual, está nos trazendo mais ônus que benefícios. (DC)