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Manobras felinas

A onça chamada Congresso Nacional não é mansinha – ou amansável facilmente como pensava a presidente Dilma Rousseff e seus atrapalhados operadores políticos. Ela é, de verdade, matreira, oblíqua e dissimulada, com um gosto que o Palácio do Planalto provou mais uma vez nas confusões dos últimos dias para a votação da Medida Provisória de modernização dos portos brasileiros.
 
E o pior é que não se aprende a lição. Na semana passada o governo foi atropelado no Senado no projeto de  unificação do ICMS nas operações interestaduais, essencial para acabar com a guerra fiscal entre as diversas unidades da federação, prejudicial para a economia brasileira como um todo. A unificação traria também a redução das alíquotas atuais de 12% e 7% para uma só, de 4% – ou duas, de 4% e 7% para atender interesses regionais específicos. O projeto foi  desfigurado de tal modo no Senado que Dilma e conselheiros econômicos estão preferindo deixá-lo na geladeira.
 
A maneirosa onça congressual mostrou suas garras para o governo em dois outros projetos vitais para o País – e não somente para o governo: na votação do novo Código Florestal e da nova distribuição dos royalties do petróleo, inclusive a destinação de 10% desses recursos para a educação. Até hoje são duas questões irresolvidas. E a dos portos, venha o que vier, não escapará desta sina. De cara vai bater no Judiciário.
 
Há interpretações fáceis para estas agruras oficiais e elas estão soltas por aí: a sanha e o apetite de um naco dos partidos da base aliada, o oposicionismo pelo oposicionismo dos partidos de oposição, a descoordenação da coordenação partidária e legislativa do Palácio do Planalto e o pouco gosto da presidente Dilma Rousseff – ao contrário de seu antecessor Lula da Silva – por essas mumunhas da política. Veja-se que na terça-feira à noite, enquanto o pau quebrava na Câmara, ela estava em Porto Alegre, alegremente, participando de um evento politicamente eleitoral do PT.
 
Não há dúvida de que cada uma dessas coisas contribuiu – e contribui a cada instante – para as dificuldades que o governo encontra no Congresso, mesmo com sua imensa maioria na Câmara e no Senado. Agrava a situação, no momento,  Dilma já ter colocado seu bloco reeleitoral na rua, o que aguça o poder de barganha dos parceiros, cônscios de que seu valor de face no mercado dos votos aumentou antes da hora. 
 
Mas estas são questões pontuais, que até podem ser contornadas. A um certo custo, é verdade. Elas, porém, nunca desaparecem de todo, e estão sempre a espreita de outra oportunidade para botar a carinha de fora.
 
A questão é estrutural e pode ser resumida por uma das jabuticabas mais vistosas da política brasileira: o tal de presidencialismo de coalizão, expressão criada pelo cientista político Sérgio Abranches, para definir o modelo em que o governo, muito pela miríade de partidos que o país tem, precisa fazer acordo com diversas legendas para formar uma base de sustentação sólida e inconfiável no Congresso. Nada de anormal, é um modelo replicado em outros países.
 
 A diferença entre os mais conhecidos e a nossa jabuticaba (aqui usada como sinônimo de coisa que só existe no Brasil) é que lá fora a força propulsora é um programa comum que todos acordam em cumprir – inclui muito pouco ou quase nada do nosso bom e caro “fisiologismo”. 
 
Aqui, o tal “programa comum” é coisa para enganar eleitor – o que conta mesmo é “o que você pode me oferecer para eu pegar um naco de poder”, seja para benefícios meramente partidários e/ou pessoais. Foi há pouco tempo, mas já deve ter sumido da memória da maioria dos brasileiros: para justificar o apoio do PMDB à candidatura Dilma em 2010 e garantir a vice na chapa para Michel Temer (em 20006 o partido tinha se aliado ao PSDB), providenciou-se um documento, assinado debaixo de grande foguetório, com um “programa comum” a ser cumprido pela aliança. Dele, desse dia em diante, ninguém mais sabe, ninguém mais viu. Mas os aliados continuam garbosos, com direito a traições de lado a lado.
 
O que parecia um arranjo genial para dar eficiência legislativa ao governo desanda a cada dia  e cada vez mais garroteia o presidente de plantão. Foi assim com Fernando Henrique, foi assim com Lula, está a toda velocidade com Dilma, num crescendo. Não pense que isto se restringe ao ambiente político. O fato é quer cria uma insegurança geral na sociedade e nos agentes econômicos privados, pois nunca se tem certeza dos coelhos que vão sair dessas cartolas. Nem sempre são coisas palatáveis. Onde vamos parar?
 
EM TEMPO
O ex-prefeito do Rio e hoje vereador na antiga capital da República, economista por formação e com grande interesse em pesquisas, publicou, em seu “ex-blog” uma composição percentual da base aliada de Dilma. Pelo que se pode ver no caso da MP dos Portos, ele acertou na mosca:
 Por José Márcio Mendonça

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