O canto da sereia eleitoral
Ao que tudo indica, o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff não calcularam perfeitamente os custos da antecipação da sucessão presidencial que ambos – primeiro Dilma e depois Lula – empreenderam.
No afã de conter as movimentações de Aécio Neves, Eduardo Campos e Marina Silva e não deixar o palco para eles, a dupla de comandantes petistas despertou demônios que começam a infernizar a vida da presidente. E devem infernizar ainda mais, sem necessidade aparente. Não foi à toa que, num rasgo de incrível sinceridade politica, Dilma disse que em matéria de eleições pode-se fazer “o diabo”.
O Palácio do Planalto sempre foi o senhor da razão na questão sucessória e não precisaria ter deflagrado o processo, tão distante da meta e com a presidente gozando de extraordinária popularidade.
Ao soltar os freios da sucessão, Dilma forçou seus possíveis e principais adversários a apressar movimentos que não pretendiam realizar tão cedo. Os três estavam mais preocupados em arranjar suas forças, testar a aceitação de suas pretensões juntos às forças política e aos setores mais organizados da sociedade do que em sair logo para as ruas.
Desafiados, eles tiveram de soltar também seus demônios. E o que se vê é um crescendo de críticas ao governo, um desnudar do que os possíveis concorrentes de Dilma entendem como falhas de sua gestão. Ninguém perde por esperar a aparição– como ator quase exclusivo – do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, no programa de propaganda de seu partido, amanhã, no rádio e na televisão. Quem viu a gravação garante que vem pela frente chumbo de altíssimo calibre, principalmente no que se refere à política econômica do governo.
Aliás, a antecipação do debate eleitoral se revela ainda mais infeliz em relação às dificuldades que a economia brasileira começou a enfrentar – momentâneas, diz o governo; perigosas, diz a oposição –, o que força a presidente e seus assessores econômicos a ficar dando explicações a toda hora e a exibir um otimismo em choque constante com a realidade, o que pode comprometer a própria credibilidade das autoridades e da presidente.
Para a população, a inflação já começa a fazer certo barulho. E os investidores estão desconfiados, ressabiados. Esta pode ser uma combinação explosiva – que os cálculos eleitorais de Lula e de Dilma ainda não descobriram como resolver.
A realidade, por mais que o governo negue, é que a condução da economia é condicionada por considerações de ordem politica. Que o diga a influência cada vez maior, no âmago planaltino, do marqueteiro João Santana, também conhecido como uma espécie de ministro sem pasta de Dilma para assuntos de propaganda.
A eleição parece estar deixando todo o governo condicionado ao canto mavioso de sereia das urnas. E como Dilma (nem ela nega isso) é extremamente centralizadora, está ficando mais vezes fora de Brasília e com a cabeça nos eleitores, as tomadas de decisão no âmbito do Planalto estão mais lentas do que o normal.
Não são somente esses acima citados os transtornos e os malefícios da campanha eleitoral antecipada. Dilma abriu as portas – seriam talvez as do inferno – para sua sempre ávida e um tanto quanto infiel base política aumentar os seus desejos e suas reivindicações. E o método adotado só tem uma classificação: chantagem. Os insatisfeitos fingem namorar os adversários de Dilma para receber vantagens.
Isso até explica – mas não justifica de forma alguma – a tentativa oficial de barrar a criação de novos partidos. Com as porteiras abertas, a barganha fica ainda mais cara. E é um jogo sem fim: até a eleição há meses demais para os insatisfeitos venderem sua satisfação.
Há ainda movimentos piores. Circula na Câmara, com assinaturas em bom número de peemedebistas, e com o empurrão do sempre desagradado líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, uma proposta de convocação de uma CPI para investigar a Petrobrás. É certo que a estatal não está lá nos seus melhores dias, sofreu nos últimos anos com gestões excessivamente politizadas e talvez mereça mesmo uma boa investigada. Porém, não é esta a intenção dos patrocinadores desta CPI. O que eles querem é ter nas mãos um instrumento de cobrança de favores. E o governo já está correndo para apagar esse incêndio. A que custo?
Certamente Dilma e seu patrocinador Lula não teriam tantos dissabores – com consequências imprevisíveis – se tivessem deixado a politica seguir seu curso natural. Quiseram sair muito na dianteira e agora podem dar algumas trombadas por aí. E ainda correm o risco de se desgastar com a sociedade, pois o brasileiro comum não está, por ora, nem aí para a eleição.
O que ele quer é que o governo – e a oposição também – trabalhem mais para evitar-lhe maiores dissabores. O mar da economia não está assim tão azul para que se fique brincando de sucessão presidencial.
Por José Márcio Mendonça