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Ambiente carregado

Não parecem dirigidas a chegar a um bom termo as animosidades – mais que divergências, às vezes meras picuinhas – entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário no Brasil. Coisa mais ou menos antiga. Desde pelo menos quando se começou a falar em “aitivismo político” do Supremo ou de “judicialização” da política, tema até recentemente muito caro a uma pessoa que deveria agir como bombeiro, mas que às vez atiça o fogo – o senador e ex-presidente da República Fernado Collor, sorrateiro como poucos quando se trata da politica dos políticos.
Os marcos das fraturas nessas relações podem ser estabelecidos em duas decisões da Justiça que contrariaram este mundo do poder: (1) o estabelecimento de princípios (não muito rígidos de fidelidade partidária, ao definir que o mandato eletivo pertence ao partido e não ao eleito); e (2) ao dar como totalmente válida a Lei da Ficha Limpa, aprovada pelo Congresso a contragosto, por temor das pressões da opinião pública e que depois parlamentares e partidos tentaram tornar inválida no Supremo Tribunal Federal (STF).
Nos dois momentos houve esperneios, considerou-se que o Judiciário estava invadindo prerrogativas que são próprias e exclusivas do Legislativo. Porém, se há alguma invasão, ela se dá em boa medida por omissão do próprio Congresso, que deixa de legislar como é sua função ou não segue o que ele mesmo aprovou. No caso, por exemplo, da fidelidade partidária mitigada, apenas interpretou-se o que está escrito na Constituição. Aliás, omissão é um termo que cabe perfeitamente aos usos e costumes do Congresso de um modo geral.
Há pouco tempo, houve outro início de atrito entre os dois poderes quando Câmara e Senado não conseguiram aprovar novas regras para a distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Vencido o prazo para a revisão das normas consideradas ultrapassadas, em 31 de dezembro (a decisão do STF foi do início de 2010), para que os Estados não ficassem prejudicados com o descaso do Congresso, o Supremo deu mais quatro meses de prazo para  deputados e senadores resolvessem a questão. Sem vontade de agir, eles simplesmente prorrogaram as normas ultrapassadas pela nova conformação demográfica do País por mais dois anos.
O ambiente viciado entre Congresso e Supremo ficou ainda mais irrespirável depois do julgamento do Mensalão, também “apelidado” de Ação Penal 470. O PT, por razões óbvias, ficou muito agastado com o “ativismo político” do Judiciário, que, segundo o partido, ameaça levar algumas de suas estrelas – ou seriam ex-estrelas? – ao arrepio das normas legais. O desgosto do PT contaminou parte do parlamento que considera que o Supremo extrapola ao definir que os parlamentares condenados devem perder imediatamente o mandato, pois cassar ou não o mandato deles (são quatro – José Genoino, João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry)  seria uma prerrogativa exclusiva da Câmara.
Nesse clima, o Congresso resolveu partir para o contra-ataque. E anteontem, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, curiosamente com o voto de João Paulo Cunha e José Genoino, uma Proposta de Emenda Constitucional, do deputado petista  Nazareno Fonteles (PI), que passa a submeter decisões do Supremo ao Congresso e impõe outras restrições a ações da Suprema Corte. O Congresso não se satisfaz apenas em fazer as leis, quer ter a palavra final sobre elas. Uma inovação na democracia brasileira de fazer inveja até a governos pouco democráticos.
Embora a proposta ainda deva percorrer um longo caminho até virar lei, está evidente que há uma tentativa de amordaçar (ou pelo menos assustar) o Supremo. Não será um embate sem vítimas. Ainda mais que segue célere no Congresso – com votação marcada pelo presidente da Câmara inicialmente para junho – outra “lei de mordaça”: a que restringe o poder de investigação do Ministério Público, poder este que anda incomodando muito o Congresso e o governo. É o caso de perguntar, tanto na questão do Supremo quando na do MP: quem tem medo?
Para aquecer ainda mais a fogueira, na noite de quarta-feira, o ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu liminar a uma representação do senador Rodrigo Rollemberg, do PSB, e suspendeu a tramitação do projeto de lei, já aprovado pela Câmara, no qual o governo Dilma, o PT e o PMDB estão empenhados até a alma, limitando o acesso de novos partidos políticos a mais recursos do fundo partidário e a mais tempo no horário eleitoral obrigatório no rádio e na televisão. Uma espécie de “mordaça partidária” para segurar possíveis adversários da presidente Dilma na maratona eleitoral do ano que vem.  Mais um motivo para o Congresso voltar-se contra o “ativismo politico” do STF.
O ambiente está carregado, não adianta fingir que é diferente. E o grave é que não se vê no horizonte muitos pacificadores. Nem em instituições da sociedade civil, como a OAB. Parece que só há águias e falcões sobrevoando o campo de batalha.
Por José Márcio Mendonça

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