Atravessando o samba
Já acelerando o ritmo de suas alegorias reeleitorais, a presidente Dilma Rousseff manobra para retirar das mãos de dois de seus possíveis adversários em 2014 o estandarte com que o governador Eduardo Campos, de Pernambuco, e o senador de Minas, Aécio Neves, começaram a ensaiar seus blocos pré-presidenciais: a rediscussão do chamado pacto federativo. Palavrões à parte, trata-se de debater – e de alterar – a divisão do bolo tributário nacional, bolo sabidamente gordo, balofo, entre o governo federal, os governos estaduais e os governos municipais.
É um eterno foco de insatisfação: os estados e municípios dizem que têm recursos de menos e obrigações demais e que são as vítimas mais diretas das cobranças dos cidadãos por mais e melhores serviços públicos.
O governo federal, às vezes discretamente, às vezes envergonhadamente, até reconhece a discrepância entre o que cada um tem, mas sempre alega que para ele também o cobertor está muito curto.
É uma discussão que nunca avança satisfatoriamente para nenhum dos lados. E quando avança, é bom sair de baixo: a somatória dessas forças puxando a corda em sentido contrário umas das outras termina estourando nas costas do mais indefeso: o contribuinte, pois a solução “salomônica” acaba sendo o aumento de impostos.
Não é , portanto, sem razão que a carga tributária nacional cresceu cerca de 40% nos últimos 20 anos, tendo passado de menos de 30% no início dos anos 1990 para os quase 37% da atualidade. E, o mais cruel, sem que houvesse a contrapartida de melhores serviços públicos. Aliás, estes só ficaram mais precários.
A defesa de um novo “pacto federativo” com mais ganhos para estados e municípios tem, assim, um grande apelo eleitoral se bem elaborada – principalmente junto aos prefeitos, sempre mendigando por mais recursos, ora em Brasília, ora nas capitais de seus estados – e com os cidadãos nos seus calcanhares cobrando atenção, mesmo quando o assunto não está diretamente afeto a ele.
Dói mais é na pele deles: os governadores são mais ou menos inalcançáveis em seus palácios e a presidente é inatingível no Planalto Central, sempre protegida por carros oficiais, seguranças, elevadores privativos, jatinhos e palanques controlados.
Mas como Aécio e Campos pegaram o mote, Dilma também resolveu abraçá-lo, não somente para se armar para os palanques como também para proteger os cofres federais: se a campanha empolga um pouquinho, o Congresso não conseguiria resistir a ela. Afinal, também em busca de reeleição, deputados e uma parte dos senadores ficam ultrassensíveis aos apelos de governadores e prefeitos, maiores influências nos votos que podem reconduzi-los de volta Brasília em 2015.
Estando todos de acordo, então, de que é preciso rever a divisão dos ovos do cesto dos impostos, entende-se que a situação está praticamente resolvida; seria apenas uma questão de ajustes. Certo? Completamente errado. Como não cabe mais, na teoria e na prática, aumentar impostos para satisfazer os interesses das três partes, a desconfiança é geral.
Dilma antecipou-se e anunciou os pontos de seu interesse: a aprovação à unificação das alíquotas do ICMS, um imposto estadual, a revisão dos juros da rolagem da dívida dos e municípios e a criação de dois fundos: um para compensação das mudanças no ICMS e outro de desenvolvimento regional para atender às regiões mais atrasada.
Os governadores concordam em tese com as mudanças, embora os do Norte, Nordeste e Centro-Oeste divirjam dos do Sul e do Sudeste em relação a aspectos da unificação das alíquotas do ICMS e alguns discordem do timing de implantação da medida.
Entretanto, como os governadores estão com os cofres rasos para tudo que querem fazer, desejam muito mais. Boa parte deles esteve em Brasília na quarta-feira para debater o tema no Congresso e deixaram por lá algumas reivindicações das mais indigestas para o governo federal.
Eles querem, entre outras coisas, que a mudança no pagamento de suas dívidas seja mais benévola que o oferecido por Brasília. Ou seja, querem pagar menos e ter mais tempo para pagar.
Os dirigentes estaduais defendem ainda a inclusão do da Cofins e da CSLL na base de cálculo do Fundo de Participação dos Estados (a arrecadação total desses dois impostos fica hoje com Brasília); o fim do pagamento por parte deles de 1% do Pasep à União; e que o governo federal, quando criar novas despesas obrigatórias para os estados e municípios – como o aumento compulsório dos salários dos professores – mande junto o dinheiro para cobrir os custos.
Para completar, no meio de tudo isto ainda existe a confusão criada com os royalties do petróleo, que o sabidão governador de Pernambuco resolveu também abraçar para demonstrar sua liderança e capacidade de negociação e conciliação política.
O pacto federativo pode dar realmente um bom samba eleitoral. Mas pode também levar muita gente boa a “atravessar” a melodia no meio da avenida eleitoral. (Por José Márcio Mendonça)