Somos todos pedestres
O artigo 24 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelece que ao órgão de trânsito com jurisdição sobre a via municipal cabe cumprir e fazer cumprir as leis e normas de trânsito, bem como, manter um sistema de monitoramento e sinalização para o controle viário, além de outras atribuições que visam garantir uma circulação segura para motoristas e pedestres.
Mas, o que se tem visto nas grandes cidades, notadamente em Salvador, causa-nos certa incerteza quanto ao respeito ao pedestre enquanto personagem da cena urbana.
Não bastam apenas midiáticas operações de notificação e reboque dos veículos estacionados ao longo da orla atlântica da Barra. Se no trecho não houver sinalização suficiente determinando a proibição de estacionamento, a notificação emitida pelo agente da autoridade de trânsito é nula de pleno direito, pois o processo administrativo originado pela Administração Pública começa viciado e permitindo ao pseudo-infrator que a ação seja arquivada.
Não quer esse humilde analista fomentar a anarquia ou uma enxurrada de pedidos de defesa prévia no órgão municipal de trânsito. Deve-se ao incauto cidadão, o direito de ampla argumentação contra atos emanados das autoridades contra a sua pessoa.
Continuemos, mas dessa vez, na saga do pedestre na cidade. Os veículos estacionados indevidamente, e que seus condutores conflitam com o artigo 181 do CTB – que trata do estacionamento em vias públicas -, dificultam o trânsito dos pedestres em vários pontos da cidade. Causam acidentes que aumentam o número de atendimentos nas unidades de emergência. Se o órgão de trânsito de Salvador estiver cumprindo o inciso IV do Código de Trânsito poderá saber quantos lesionados dão entrada nos hospitais e postos de saúde.
Permitir a fluidez do tráfego na Barra para o morador local aplaudir é muito interessante para a imagem da gestão. Mas, o cidadão que mora em Pau da Lima, São Marcos, Liberdade, Engenho Velho da Federação, Plataforma, São Caetano, Pirajá, Vale das Pedrinhas, Nordeste de Amaralina, Fazenda Grande do Retiro, e mesmo aquele que anda no bairro da Calçada também quer trafegar com dignidade, sem ter que ser derrotado na disputa contra veículos, cones, gôndolas, barracas, lixo, cavaletes, mesas e outros obstáculos.
A imagem de pessoas portadoras de necessidades especiais tendo que tentar driblar postes
de iluminação e telefones públicos é algo que deixa qualquer cidadão indignado, e esses seres humanos não devem contar somente com a solidariedade do próximo, e sim, com a sensibilidade governamental de fiscalizar e punir as concessionárias que cometem tais irresponsabilidades.
Precisamos de uma cidade onde a mobilidade seja algo de interesse coletivo, mas que garanta a individualidade, pois somos todos pedestres. Somos milhares andando grandes distâncias para chegar ao trabalho e à escola, pois a difícil escolha matinal sempre fica tendenciosa pela fome das crianças ao ter R$ 5,60 nas mãos para começar o dia.
Sim, somos todos pedestres. O carro é um instrumento para adiantar nossos passos em um trânsito travado e que não é provido de um transporte de massa eficiente que tenha garantido o tráfego em vias exclusivas. Esse monstro de quatro rodas parece que torna homens e mulheres mais fortes, mais bonitos, mais rápidos, mais sagazes, mais, mais, mais. Sim, tornam-nos mais letais em relação ao pedestre e a nós mesmos.
Sim, somos todos pedestres, mesmo que alguns insistam em atitudes que mais parecem que são mais pedestres que os demais, pois querem crer que têm quatro patas ao relacionar-se com o trânsito de sua cidade, quer seja como personagem ou como gestores.
Jeremias Silva é analista político. Graduado em Gestão Ambiental. Foi ex-assessor técnico da SET (hoje Transalvador).