Marco civil da internet: a disputa pela rede
“As teles querem fazer com a internet o que acontece com a televisão a cabo. Além de pagar diferenciadamente, querem oferecer pacotes premium, ou seja, para acessar determinadas aplicações, você terá de pagar mais”, alerta o sociólogo Sérgio Amadeu.
“As empresas de telecomunicações que atuam no Brasil, diferentemente de suas matrizes em outros países, não postulam abertamente contra a neutralidade da rede. Elas lutam para quebrar a neutralidade na regulação das exceções”. A observação é do sociólogo Sérgio Amadeu (foto), que acompanhou a elaboração do Marco Civil da Internet. Ele critica as alterações feitas no texto em relação à neutralidade na rede, assim como a medida que permite retirar um conteúdo da internet sem ordem judicial. Na avaliação dele, as alterações – no artigo 15 e no parágrafo 1o do artigo 9º do Marco Civil – sinalizam a influência política das empresas de telecomunicações e copyright no Brasil. “Uma quer controlar os fluxos de informação, e a outra não quer reconhecer que uma prática corriqueira das pessoas na internet é o compartilhamento de arquivos digitais”, assinala em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line.
Para ele, as teles querem “transformar a internet em uma grande rede de TV a cabo. Acham que, por controlarem os cabos, por estarem em uma situação estratégica de controle da infraestrutura da sociedade da informação, podem controlar os fluxos”. E dispara: “Quando a operadora tiver poder de filtrar o tráfego e dizer que tipo de conteúdo poderá passar nesses cabos, ou qual será a velocidade de determinado pacote de informação de uma empresa, quer dizer, quando ela puder pedagiar o ciberespaço, irá matar a criatividade da internet”.
Caso o Marco Civil seja aprovado, adverte, as pessoas jamais poderão “se conectar à internet sem ser através de uma operadora de telecom. (…) As operadoras querem poder arquivar os IPs que acessamos, os sites que visitamos, para poder depois, com esse banco de dados, fazer dinheiro, fazer negócio”.
Sérgio Amadeu, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP, participou da implementação dos Telecentros, na América Latina, e da criação do Comitê de Implementação de Software Livre – CISL. Também foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI da Casa Civil da Presidência da República. É professor na Universidade Federal do ABC – UFABC. É autor de, entre outros, Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento; de Exclusão digital: a miséria na era da informação (São Paulo: Perseu Abramo, 2001); e de Comunicação Digital e a Construção dos Commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação.