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Obama, o negociador

Durante seu primeiro mandato, o presidente Obama enfrentou um problema perverso: como governar num país altamente polarizado, dividido ao meio, e com os republicanos relutantes em fazer acordos na Câmara de Representantes. Obama nunca chegou a resolvê-lo e foi forçado a ver seus projetos aprovados segundo linhas partidárias (nos primeiros dois anos) ou não tê-los aprovados (nos últimos dois).
Agora reeleito, mas com a Câmara ainda sob controle republicano, o presidente enfrenta novamente o problema. Poder-se-ia dizer que o sucesso do segundo mandato depende de ele resolvê-lo.
Alguns na esquerda estão sugerindo que ele adote a estratégia de confrontar e conquistar. O presidente deveria usar o cacife da vitória para esmagar a alma da maioria republicana na Câmara.
Rejeite a abordagem da Grande Barganha, dizem eles. Em vez disso, leve o país ao abismo fiscal. Culpe os republicanos, que se negam até a elevar os impostos sobre ricos. Espere até que se dobrem, e aí terá o caminho livre.
A primeira coisa a dizer sobre essa estratégia é que é irresponsável. A recuperação econômica é frágil. A Europa pode entrar em depressão. A China está doente. Os empresários estão batendo em retirada diante da aproximação do abismo fiscal. É imprudente pensar que se pode criar uma crise econômica para tirar vantagem política e depois controlar suas consequências.
A segunda é que é uma política terrível. Obama provavelmente triunfaria num confronto de curto prazo, fazendo passar na Câmara elevação de impostos para os ricos que não produziria receita suficiente para cobrir um décimo do déficit.
Mas semearia tanta amargura que isto seria a última coisa que ele conseguiria aprovar até o fim de seu mandato. A maioria republicana na Câmara não desaparecerá num passe de mágica.
Finalmente, a estratégia sugerida equivoca-se sobre o estado do Partido Republicano. Este não é o mesmo partido de 2010. Hoje os republicanos não têm mais incentivo para negar vitórias a Obama. Ele nunca mais concorrerá à Presidência.
A maioria dos republicanos hoje entende que precisa descontaminar sua legenda. Estão mais abertos ao compromisso, mais passíveis de serem derrotados via acordos que pela intimidação.
A ala esquerda liberal, tal qual os caras do Tea Party, tem um incentivo para aumentar o Ibope na TV com ataques fulminantes a seus inimigos. Mas o presidente Obama e o líder da maioria republicana na Câmara, John Boehner, têm outro: criar uma atmosfera eficiente, com baixo nível de decibéis.
O complexo opinião-entretenimento prefere a rota do confronto. Os profissionais deveriam preferir a do entendimento.
Antes que se perca no atoleiro das negociações, o presidente poderia dar um passo atrás e descrever na prática a tarefa à sua frente. De 1947 a 2007, a economia americana cresceu 3,3% ao ano, na média. Mas, nas próximas décadas, segundo projeções do Escritório de Orçamento do Congresso, deverá crescer apenas 2,3% ao ano.
A tarefa à frente é fazer as mudanças estruturais que recoloquem os EUA em sua velha trajetória de crescimento.
Então o presidente poderia lembrar a todos que há muito a fazer. Algumas das coisas na lista são coisas que os democratas adorariam fazer: investir em infraestrutura e pesquisa básica; reformar a imigração para atrair talentos globais; investir em empréstimos aos estudantes e em faculdades comunitárias; reduzir o US$ 1,1 trilhão que escapa por brechas fiscais, em grande parte em benefício de grandes empresas e ricos.
Outras coisas os republicanos certamente gostarão de fazer: simplificar um código tributário que tem hoje 74 mil páginas; racionalizar o Código Federal de Regulamentos, com 165 mil páginas; reduzir o gasto com benefícios. 
Mas a questão é que a única forma de fazer as coisas num país dividido e polarizado é lado a lado — um projeto democrata aceitável emparelhado com outro aceitável projeto republicano.

As conversas sobre o abismo fiscal são apenas o primeiro capítulo neste longo processo. No primeiro episódio, os democratas deveriam obter mais receita proveniente dos ricos (eleições têm consequências) e os republicanos deveriam ter direito a alguma reforma nos benefícios. Mas o ponto principal é estabelecer o padrão para os grandes acordos que virão.
Falo sobre barganhas. Sobre encontros em que as pessoas não dão conferências às outras; elas negociam. Sobre isolar os que querem uma guerra econômica. Sobre fazer ofertas e contraofertas claras.
Quanto mais se põe na mesa, mais é possível negociar, melhor a atmosfera e mais resultados são obtidos. Se apenas uma ideia for posta na mesa de cada vez, todo mundo fica engarrafado e nada se consegue.
A crise econômica interrompeu-o no primeiro mandato, mas o presidente Obama ainda tem a oportunidade de construir uma grande economia de classe média. Para tanto, é necessário um negociador, não um guerreiro.

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