Política

Romário, Bebeto e Bandeira de Mello, do Maracanã às urnas do Rio

Lentamente, o tema preponderante das discussões nas esquinas cariocas vai mudando. Sai o futebol e entra a política. Mas no Rio de Janeiro as duas temáticas podem se misturar, como tem mostrado esse começo de corrida eleitoral.

Romário, ex-craque da seleção brasileira tetracampeã e agora senador pelo Podemos, divide a liderança nas pesquisas eleitorais com o ex-prefeito do Rio, Eduardo Paes, agora Democrata (ele largou o MDB para tentar se dissociar dos escândalos de corrupção que mantém na cadeia o ex-governador Sérgio Cabral) e Anthony Garotinho (PRP).

Os três estão tecnicamente empatados nas últimas pesquisas divulgas nesta semana. Romário lidera dentro da margem de erro no Ibope: tem 14%, contra 12% de Paes e Garotinho. No Datafolha, o ex-prefeito está à frente, com 18%, seguido do senador (16%) e do ex-governador (12%).

O ex-centroavante, que parece se sentir tão à vontade no Congresso quanto na pequena área adversária, se lança em seu movimento eleitoral mais ousado. Provavelmente envaidecido pelo sucesso acumulado nos pleitos anteriores. Em 2014, ainda no PSB, foi eleito senador do Rio de Janeiro com 63% dos votos válidos.

Na eleição de 2010, foi o sexto deputado federal mais votado. “Fui eleito senador com mais 4 milhões de votos. Se eu estou em Brasília é porque as pessoas acreditam e aprovam o que eu faço. O Romário jogador está no passado. Hoje, sou o Romário candidato ao governo do Rio”, disse em entrevista a CartaCapital.

Se no discurso o candidato tentar fugir da fama acumulada no futebol, na prática, político e jogador se misturam. No primeiro domingo de campanha de rua, dia 19, Romário estava acompanhando de outro ex-centroavante que se jogou na política com sucesso, o deputado estadual Bebeto (Podemos), que tenta a sua segunda reeleição. A reedição da dupla de ataque tetracampeã do mundo foi cálculo político: meses antes Romário, presidente do Podemos fluminense, convocou Bebeto a reforçar o time para as eleições no Estado e deixar o PDT.

O pleito no Rio ganhou ainda mais contornos de dérbi com o anúncio de que o presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello (Rede), concorreria a uma vaga na Câmara dos Deputados. O cartola oficializou a sua candidatura à Câmara dos Deputados quase aos 40 do segundo tempo, mas sem alarde. No dia 16, seu nome estava na lista do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O flerte do cartola com a política vinha preocupando torcedores do time da Gávea desde o início do ano, quando Bandeira de Mello se filiou à Rede em fevereiro e, desde então, se tornou um consultor informal da campanha de Marina Silva (Rede). O que levou o seu nome a ser cotado para vice da candidata – pretensão que hoje ele não nega.

Com a indefinição de que cargo concorreria, o dirigente ainda não colocou a sua campanha na rua. Não tem perfil no Twitter e sua página no Facebook está sem atualizações desde maio de 2014. Mas talvez Bandeira de Mello siga a mesma crença que leva personalidades ligadas ao futebol a se candidatar: a confiança de que a fama no esporte age como catapulta eleitoral.

No caso do dirigente Rubro-Negro, ele carrega o histórico de ter conduzido, desde 2013, um processo que reergueu financeiramente o Flamengo (que só seria melhor se tivesse acompanhado de títulos relevantes para o time principal). “Torcedores de outros clubes me procuram para dizer que gostariam que eu assumisse outra função além o futebol”, diz Bandeira de Mello, que foi chefe do Departamento de Meio Ambiente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), onde conheceu Marina Silva quando ela foi ministra do Meio Ambiente do governo Lula.

O Baixinho, como Romário ainda é chamado por muitos eleitores na rua e nas redes sociais, é talvez um dos maiores expoentes de um movimento que vem ganhando força na política nacional nos últimos: a presença de ex-boleiros. Antes mais restritos aos cargos legislativos, agora começam a chegar ao executivo. Como mostra a peleja que se tornou o segundo turno na última eleição para a prefeitura de Belo Horizonte, em 2016. De um lado, João Leite, ex-goleiro do Atlético Mineiro (PSDB). Do outro, Alexandre Kalil, ex-presidente do time alvinegro. Nos pênaltis, o cartola levou a melhor.

Bernardo Buarque de Hollanda, que estuda a história social do futebol na Fundação Getúlio Vargas (FGV), observa que não é um fenômeno novo jogadores e cartolas trocarem os estádios pelo parlamento. Principalmente os últimos. “Como a origem de muitos clubes esportivos esteve vinculada a setores das elites econômicas, a porosidade da relação entre dirigentes e poder se faz notar desde o início do século XX”, comenta enquanto enumera alguns exemplos, como Laudo Natel, ex-presidente do São Paulo e governador paulista nos anos 1960, e Veiga Brito, presidente do Flamengo nos anos 1960 e deputado pela UDN no mesmo período.

Porém ganhou força com a redemocratização do país, abrindo espaço para novos players, literalmente. “Com o processo de midiatização, mercantilização e globalização do futebol, o fenômeno alcança características diferenciadas face às décadas anteriores. Agora estamos diante de uma exposição midiática muito mais intensa, com a conversão dos desportistas – e os atores ao seu redor – em marcas globais”, avalia o Buarque de Hollanda.

A partir da década de 1990, surgem no Rio de Janeiro figuras que se tornam folclóricas no futebol e na política, como os vascaínos Roberto Dinamite, por cinco vezes deputado estadual, entre 1994 e 2014 – e depois duas vezes presidente do Vasco –, e o cartola Eurico Miranda, deputado federal de 1995 a 2002, atual dirigente do clube.
Com midiatização do futebol, a que se refere Buarque de Hollanda, e também por características do modelo eleitoral brasileiro (o dito coeficiente eleitoral), a fama de ex-craques do futebol se torna moeda valiosa para os partidos. Andrade, ex-jogador e técnico do Flamengo, convidado pelo PSDB para concorrer a vereador na capital fluminense, em 2012. “Eles me chamaram porque acham que, por causa da minha história no futebol e pela minha identificação com o Flamengo, conseguiria votos para o PSDB. Eu sou um desses ‘puxadores de voto’”, declarou à época.

Com 16.609 votos, Andrade não foi eleito. Sinal de que talento e notoriedade nos gramados não são suficientes para uma campanha eleitoral. Como Romário parecia ciente ao se associar a causas além do esporte, como a defesa de direitos de pessoas portadoras de deficiência ou de doenças raras, que virou sua marca. “É um ledo engano o jogador achar que sua imagem positiva das páginas de esportes assim permanecerá na política. Uma vez investido de cargo público, a pauta jornalística tende a ser implacável e a possibilidade de que o herói se torne vilão não está descartada”, avalia o sociólogo da FGV.

O mesmo futebol que leva o jogador ou cartola ao parlamento, pode também manchar sua carreira pública. Que o digam os parlamentares da chamada “bancada da bola” no Congresso Nacional, que ficaram famosos por defender interesses da Confederação Brasileira de Futebol nas CPIs da CBF/Nike e do Futebol, no final da década de 1990. Chamuscados pela defesa de um tema tão sensível ao brasileiro, dez dos 14 parlamentares não conseguiram se reeleger em 2002, incluindo aí Eurico Miranda, que não conseguiu nem um quarto da votação anterior (mais de 100 mil, uma das maiores do Estado).

A antecessora de Bernardo de Mello na presidência do Flamengo, Patrícia Amorim, é outra que sabe que o resultado da peleja entre esporte e política pode terminal mal. A ex-nadadora olímpica mergulhou na Câmara dos Vereadores carioca em 2000. Reelegeu-se nos dois pleitos seguintes e acumulou o cargo com a chefia do clube da Gávea a partir de 2010, onde ficou por dois anos. Sua atuação no Flamengo passou a ser alvo de críticas, o que culminou na eleição de Bernardo de Mello. O eleitor-torcedor não perdoou: ela não conseguiu se reeleger como vereadora em 2012.

O jogo de 2018 não parece ser muito diferente do que temos assistido nos últimos pleitos. Mas só vamos saber o resultado no dia 7 de outubro, quando enfim os eleitores entram em campo para começar a decidir essa partida.(CC)

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