Gestantes pretas são principais vítimas de morte por hipertensão
Dados dos ministérios da Saúde e da Igualdade Racial divulgados nesta segunda-feira (23) mostram que a mortalidade materna no Brasil atinge desproporcionalmente mulheres negras. A morte materna por hipertensão, por exemplo, aumentou 5% entre mulheres pretas no período de 2010 a 2020. Nos demais grupos, houve queda na mortalidade por hipertensão – entre mulheres indígenas, os registros caíram 30%; entre mulheres brancas, 6%; e entre pardas, 1,6%.
“É inadmissível morrer de hipertensão durante a gravidez, algo que nós temos vários medicamentos para controlar, temos como fazer o manejo. Infelizmente, tivemos queda em todas as outras categorias, mas, entre as mulheres pretas, tivemos um aumento de 5% nesse período de 2010 a 2020”, avaliou a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, Ethel Maciel.
O boletim epidemiológico Saúde da População Negra mostra que a covid-19 foi um dos principais motivos de morte materna no país em 2020, representando 22% do total de óbitos maternos registrados. Os números mostram ainda que, do total de mortes maternas por covid-19 registradas no país, 63,4% foram entre mulheres pretas e pardas.
“Toda vez que se tem um evento inesperado, aqui vou colocar a pandemia, aquelas pessoas que já são vulnerabilizadas pelas nossas políticas e pela nossa sociedade são as que mais sofrem o impacto. Então, a mortalidade materna por covid-19 foi maior entre mulheres negras – 63%. A gente precisa mudar isso”, afirmou a secretária.
Racismo
De acordo com o Ministério da Saúde, os dados evidenciam o impacto do racismo enquanto um dos determinantes sociais de saúde e expõem a vulnerabilização da população negra em relação ao acesso das políticas já existentes. Para a ministra da Saúde, Nísia Trindade, combater o racismo é a agenda do desenvolvimento sustentável, a agenda da equidade.
“Essa pauta deve ser uma perspectiva e não um tema isolado, para que todas as ações do Ministério da Saúde, do Mais Médicos ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde, a dimensão étnico-racial seja, de fato, vista como determinante social da saúde”, ressaltou Nísia.
“Nossa ideia é avançar e não podemos olhar somente do ponto de vista do senso comum – aquelas doenças com incidências com especificidade maior, como o caso da anemia falciforme, – mas é olhar este quesito raça, cor, etnia, em toda as políticas, em todos os dados da saúde.”
A secretária executiva do Ministério da Igualdade Racial, Roberta Eugênia, considera urgente uma reflexão sobre as consequências do racismo na saúde das pessoas.
“Nós estamos aqui vivendo esse momento histórico, porque está nas nossas mãos a oportunidade de transformação das condições de saúde da população negra, fortalecendo o cumprimento da Agenda 2030, em busca da efetiva implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável dedicados ao enfrentamento do racismo e pela promoção da igualdade racial em âmbito global. Estamos tratando sobre promover condições de vida saudáveis para todos”, destacou.
Pré-natal
O boletim divulgado nesta segunda-feira indica crescimento geral na proporção de mães que relataram realizar sete ou mais consultas de pré-natal, subindo de 60,6% em 2010 para 66,5% em 2015 e mais de 71% em 2020. O maior aumento foi registrado entre mães pretas e pardas, um incremento de 22,6% e 19,5% em 2010 e 2020, respectivamente. Entretanto, mulheres que se declaram brancas seguem com maior acesso proporcional ao pré-natal: 80,9% delas tiveram acesso a sete ou mais consultas durante a gestação, seguidas pelas amarelas (74,3%), pretas (68,7%), pardas (66,2%) e indígenas (39,4%).
“Quando a gente coloca a proporção de sete ou mais consultas é porque esse é um indicador internacional utilizado para que a gente possa saber se as pessoas tiveram acesso, se chegaram às unidades, se fizeram pelo menos essas sete consultas durante a gravidez. E a gente observa que tivemos um crescimento entre todas as categorias, mas, infelizmente, ainda, entre as mulheres pretas, a desigualdade é enorme. Temos o menor percentual aí.”
Recém-nascidos com baixo peso
Outro dado relevante indica que a proporção de crianças nascidas vivas com peso menor que 2,5 quilos (kg) aumentou entre mães negras, passando de 8% em 2010 para 10,1% em 2020. O percentual também foi maior entre pardas e indígenas, ao mesmo tempo em que caiu para as amarelas e ficou estável entre as brancas. Na média geral, o número de recém-nascidos com baixo peso permaneceu estável, de 8,4% para 8,6% no mesmo período.
De acordo com o Ministério da Saúde, o peso ao nascer é um dos indicadores de maior influência na saúde e sobrevivência infantil, uma vez que dados epidemiológicos mostram que crianças nascidas com peso abaixo de 2,5kg apresentam maior risco de mortalidade. “Fatores como vulnerabilidade socioeconômica e falta de assistência médica estão entre os principais causadores do baixo peso e da morbimortalidade neonatal e infantil”, destacou a pasta.
Malformações e óbitos infantis
O boletim indica ainda que malformações congênitas — alterações estruturais ou funcionais que ocorrem durante a vida intrauterina — e prematuridade foram as principais causas de morte infantil entre 2010 e 2020. As condições responderam, respectivamente, por 21,6% e 16,3% dos óbitos registrados.
A malformação congênita, a partir de 2015, se tornou a principal causa de mortes infantis na população preta e parda, superando a prematuridade e as infecções perinatais. Para os recém-nascidos negros, a proporção de óbitos por malformação congênita passou de 16,7% em 2010 para 19,1% em 2020, enquanto para os pardos, subiu de 16,1% para 20,3% no mesmo período.
Em contrapartida, os óbitos por prematuridade caíram ao longo dos anos analisados. Em 2010, as proporções de óbitos por prematuridade em crianças pretas e pardas eram de 17,1% e 19,7%, caindo para 14,8% e 15,5% em 2020, respectivamente.
HIV
Em 2021, mais de 60% dos casos e óbitos por aids foram diagnosticados em pessoas pretas e pardas. O boletim destaca que, nos últimos dez anos, os casos de HIV entre pretos e pardos aumentou 12%, passando de 20,3% em 2011 para 62,3% em 2021. Entre menores de 14 anos, a proporção de negros infectados é superior a 70%, sendo 6,3% pretos e 64,9% pardos.
O maior número de óbitos por aids também se concentra na população negra, que representa dois terços do total de mortes em relação a pessoas brancas. Em 2011, eram 52,6%, passando para 60,5% em 2021. “Isso mostra de forma muito evidente como nós precisamos diminuir essa desigualdade de acesso a medicamentos e da continuidade desses medicamentos. Há várias barreiras porque os próprios medicamentos têm efeitos adversos e a gente precisa de outros especialistas durante esse manejo clínico”, destacou a secretária.
Além disso, no Brasil, 67,7% das gestantes diagnosticadas com HIV são negras. Em 2021, houve prevalência de casos de gestantes com infecção pelo HIV autodeclaradas negras, sendo que a maior proporção está entre as gestantes de 15 a 29 anos (69,6%). “Isso impacta na qualidade de vida dessa criança, na transmissão vertical [de mãe para filho durante a gestação ou no momento do parto] se não prestarmos atenção a esse grupo, a essa gestante, a educação em saúde”, completou Esther.
Sífilis congênita
Outro dado revela que mais de 70% das crianças com sífilis congênita (transmitida para a criança durante a gestação) são filhas de mães negras, apesar da proporção ter diminuído nesse grupo ao longo dos últimos anos, passando de 13,3% em 2011 para 9,5% em 2021. Já entre as mães pardas, houve aumento, no mesmo período, de 61% para 65,2%.
“Esse é um dado inaceitável. É inaceitável que, no século 21, nós tenhamos ainda transmissão vertical de sífilis, sífilis congênita e uma concentração tão grande em filhos de mulheres negras. Mostra, de forma contundente, o caminho que nós precisamos percorrer para a diminuição dessas desigualdades”, avaliou a secretária.
Tuberculose
A tuberculose também é citada pela pasta como uma doença socialmente determinada – os dados mostram que em 2022, 78 mil pessoas foram diagnosticadas com a enfermidade no Brasil, sendo 49.381 casos foram entre pretos e pardos (63,3%). Além disso, o país registrou, entre 2010 e 2020, uma média de 4,5 mil óbitos por tuberculose, sendo que o percentual de pessoas negras mortas pela doença ficou em 64,4%.
“É uma doença socialmente determinada, mas com forte recorte nessa variável raça/cor, com incidência muito maior na população negra”, lembrou Esther.
Doença falciforme
O ministério destacou que a doença falciforme é uma das patologias genéticas mais comuns no mundo e afeta principalmente a população preta e parda. No Brasil, estima-se que há entre 60 mil e 100 mil pessoas com a doença, sendo a Bahia o estado com maior incidência (9,46 casos para cada grupo de 100 mil habitantes), seguida por São Paulo (6,52 casos a cada 100 mil habitantes) e pelo Piauí (6,23 casos a cada 100 mil habitantes).
Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) mostram que, entre os anos de 2014 e 2020, a mortalidade por doença falciforme foi de 0,22 a cada 100 mil habitantes. Quando se trata de faixa etária, pessoas entre 20 e 29 anos correspondem ao maior percentual de mortes pela patologia no país.
(Agência Brasil)