Aumento de casos de síndromes gripais esvazia escolas; postos de saúde estão cheios
Nariz escorrendo, febre, dor de cabeça e corpo mole. Se abril fosse uma doença, esses seriam os sintomas. Isso porque, tradicionalmente, é nesse mês, em pleno outono, que as viroses se espalham como rastilho de pólvora por Salvador, deixando as unidades de saúde lotadas e muitos estudantes fora da sala de aula. Nos últimos 15 dias, o aumento de pacientes com síndromes gripais foi de 30% nos hospitais privados. No setor público, a prefeitura inaugurou uma nova UPA especializada, prevendo o crescimento de casos. Nas escolas, há casos de quase metade de uma mesma turma estar gripada ao mesmo tempo.
A pedagoga Lilia Fortuna, 50, levou um susto na última quarta-feira (29). Ao preparar a filha para ir para à escola, viu que a menina estava com 40,6 graus de febre. Os pais deram um antitérmico, mas a febre pouco cedeu e tiveram de correr para a emergência. Na turma de Janine, de 10 anos, são cerca de 30 estudantes. Desses, 11 manifestaram sintomas gripais nas duas últimas semanas.
“Ela fez vários exames, inclusive para dengue, mas deram negativo. A médica passou medicação e nós voltamos para casa, mas a febre permaneceu. Eu também comecei a ter febre e voltamos para a emergência, no domingo [anteontem]. Na escola tem vários casos. Na sala dela teve um coleguinha que teve dengue hemorrágica e está afastado. Alguns professores também estão doentes”, contou.
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Segundo os especialistas, o aumento de casos de síndromes gripais já é esperado a partir da segunda quinzena de março e deve se intensificar até meados de maio. O Colégio Vitória-Régia, Cabula, informou que o número de crianças com o uso de máscaras ou ausentes nas aulas tem aumentado. Os pais têm comunicado mal-estar, febre e dores de garganta como sintomas frequentes. A escola orienta que eles redobrem a atenção.
“Viroses fazem parte da infância. Entretanto, é importante adotarmos alguns cuidados e prevenirmos a livre transmissão do vírus. Assim, caso o nosso aluno apresente sintomas gripais, pedimos que não encaminhem o estudante para a escola. Além de não apresentar rendimento esperado para as atividades propostas, é essencial o acompanhamento médico individualizado para a evolução do quadro de saúde”, diz o comunicado da escola.
A coordenação cita como exemplos de sintomas tosse, febre, mal-estar, falta de apetite, coriza e dor de garganta, e recomenda manter as crianças hidratadas.
Júlia Andrade, 32 anos, entendeu com o tempo como amenizar a manifestação da gripe nos filhos Helena, de 5 anos, e Ravi, de 3. “É um ciclo de viroses. Eles melhoram, voltam para a escola, logo depois adoecem de novo. Por aqui, já aprendemos algumas coisas que evitam [os sintomas]. Lavagem nasal duas vezes por dia melhorou muito. Eles tossem, mas não chegam a ter febre, por exemplo”, afirma.
Em Paripe, no Subúrbio Ferroviário, a atendente de supermercado Aline Araújo, 34, preferiu afastar a filha Victória, 6, das aulas. “Ela teve febre e ficou cansando. Achamos melhor não mandar. Conversamos na escola e descobrimos que outras crianças também estavam assim. É do período. No ano passado, foi a mesma coisa”, conta.
O Colégio Antônio Vieira, no Garcia, enviou um comunicado aos pais, em março, orientando que as crianças com sintomas sejam levadas ao médico e fiquem em casa. Em Itapuã, o professor Roberto Silva contou que alunos e colegas estão doentes. “Alguns estudantes apresentaram atestado e outros não apareceram na aula. Quando perguntei o motivo, os colegas disseram que estavam gripados”, disse.
Já o Colégio Marista Patamares percebeu aumento de casos de gripe a partir da segunda quinzena de março e, no dia 20 do mesmo mês, enviou circular para as famílias. As mesmas orientações foram dadas aos funcionários. “O Colégio Marista Patamares recomenda o uso de máscaras em ambientes internos e, em caso de sintomas gripais, sugere que os estudantes e funcionários fiquem em casa até se sentirem aptos a voltarem às atividades escolares”, disse a instituição, em nota.
Corrida aos postos
Nos postos de saúde, o movimento está intenso. A prefeitura de Salvador informou que a partir de abril há o crescimento no número de pacientes com síndromes gripais e, por isso, implantou uma unidade temporária nos Barris, com 22 leitos (veja ao lado). A rede privada identificou aumento de cerca de 30% na demanda desses pacientes nas duas últimas semanas. O presidente da Associação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (Asheb), Mauro Adan, afirma, no entanto que não há motivo para pânico.
“É um crescimento normal para uma época em que as síndromes gripais aumentam. Temos tido procura maior nas emergências e também nas unidades ambulatoriais. O aumento registrado muda de unidade para unidade, mas foi algo em torno de 30% na demanda, e já era esperado. Da segunda quinzena de março até a primeira quinzena de maio, esses casos aumentam”, explica.
Segundo Claudilson Bastos, infectologista e responsável técnico pelo serviço de vacinas do Sabin Diagnóstico e Saúde, a influenza é o vírus mais comum nesse período, mas não é o único. “Nesse momento temos a influenza A e B, mas também covid-19, porque ainda estamos na pandemia, embora a gente tenha relaxado em relação a máscara e ao distanciamento, e outros vírus que de forma geral causam síndromes gripais”, enumera.
Outro risco crescente é a chamada ‘super virose’. Segundo o infectologista Fábio Amorim, o que a população descreve como uma virose super poderosa é conhecida entre os especialistas como ‘suprainfecção’, que ocorre quando o indivíduo apresenta mais de um agente infeccioso, fazendo com que os sintomas se misturem. Essa sobreposição dificulta o diagnóstico e a definição de qual tratamento será instituído prioritariamente.
O aumento de casos de síndromes gripais deve se intensificar até meados de maio, afirma o infectologista e professora da Faculdade de Medicina da Unifacs, Fernando Badaró: “Essas gripes são sazonais. São as chamadas doenças de outono e de inverno, que costumam ocorrer mais nessa época do ano, como influenza e adenovírus”, acrescenta.
A vacina que protege do vírus influenza está disponível em 159 unidades de saúde do município, assim como a bivalente e a contra a covid-19, mas é preciso observar os grupos contemplados para cada imunizante no site da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
As secretarias de Educação do Estado (SEC) e do Município (Smed) foram procuradas para informar quais cuidados têm orientado na comunidade escolar, mas não se pronunciaram até a publicação desta reportagem.
Nova unidade oferece 22 leitos para casos gripais
Um novo equipamento de saúde foi inaugurado em frente a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), nos Barris. A estrutura vai atender exclusivamente pacientes com síndromes gripais e oferece 10 leitos de observação, dois de sala vermelha e outros 10 clínicos. O funcionamento da ‘Upinha’ é em regime 24h.
A vice-prefeita e secretária municipal de Saúde, Ana Paula Matos, explicou que a ação é preventiva: “De abril a junho acontece um pico, o aumento de procura da estrutura em função das questões respiratórias associado ao período das chuvas. Essa unidade é para dar mais conforto ao paciente e evitar a propagação de vírus. Se alguma outra UPA tiver a necessidade de transferir alguém e não tiver vaga, o paciente poderá ser transferido para cá, se for caso de síndrome respiratória. Isso protege a todos, é mais uma barreira sanitária que evita a contaminação”.
Na prática, quando um paciente que estiver com sintomas de gripe procurar a UPA dos Barris ele será direcionado para a Upinha, como a unidade foi chamada, onde receberá atendimento especializado. O ambiente tem consultórios médicos, de acolhimento e classificação de riscos, sala de coleta de exames e de testagem para a covid-19. Ela será administrada pela Fundação José Silveira, que também gere a UPA dos Barris, e vai funcionar durante três meses. O investimento é de R$ 850 mil mensais.
Colaborou Raquel Brito, orientada pela subeditora Fernanda Varela
(Correio)