Entidades apontam dificuldades na implementação da lei do teste do pezinho ampliado
Entidades especializadas ouvidas pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira (14), apontaram dificuldades na implementação da Lei 14.154/21, que amplia o número de doenças rastreadas pelo teste do pezinho no Sistema Único de Saúde (SUS). A norma entrou em vigor no dia 27 de maio.
Atualmente, o SUS, por meio do Programa Nacional de Triagem Neonatal, realiza um teste que detecta seis doenças. Com a nova lei, o exame passará a englobar 14 grupos de doenças, que podem identificar mais de 50 tipos diferentes de enfermidades e condições especiais de saúde.
Autor do requerimento da audiência pública, o deputado Diego Garcia (Republicanos-PR) disse que enviou ao Ministério da Saúde um requerimento solicitando informações sobre o planejamento detalhado da execução da lei, mas, segundo ele, as respostas apresentadas não foram satisfatórias, por isso pediu o debate. Uma das preocupações é com os estados que já enfrentam dificuldades na aplicação do teste atual.
“Como o Ministério da Saúde vai tratar a ampliação nos estados que atualmente encontram problemas na execução? Alguns não realizam nem o teste básico”, alertou Garcia. “Temos vários relatos disso, inclusive no trabalho que foi publicado nesta comissão, que nós realizamos em 2019 e 2022, com informações do próprio Ministério da Saúde.”
Segundo o deputado, muitos serviços dependem de emendas parlamentares para pagar o teste do pezinho das seis doenças atuais. O deputado também ressaltou que o ministério falha em não debater a aplicação do teste do pezinho com entidades que poderiam ser parceiras do órgão.
Primeira etapa
Diretor do Departamento de Atenção Especializada e Temática do Ministério da Saúde, Gregory Carvalho informou que a implementação da nova lei será escalonada, como previsto na lei. A primeira etapa é a inclusão dos diagnósticos para toxoplasmose congênita. No dia 6 de junho o ministério publicou portaria sobre a implantação dessa etapa que, conforme ele, agora está sendo discutida e articulada com os estados.
Carvalho acrescentou que os procedimentos para a implantação da segunda etapa já começaram a ser analisados, mas que a etapa dois depende de recursos novos.
“Hoje o orçamento do programa é de R$ 120 milhões. Eram R$ 97,98 milhões, com mais 20 milhões incorporados, hoje nós temos praticamente R$ 120 milhões direcionados ao programa, mas a etapa dois demanda recursos provavelmente da ordem de R$ 100 milhões”, disse.
De acordo com o diretor, o programa hoje tem cobertura de 80% no território brasileiro. Ele observou, porém, que a aplicação do programa nas diferentes regiões do País é desigual. Enquanto na região Sul, por exemplo, o percentual de coleta de teste do pezinho até o quinto dia útil de vida do recém-nascido é de mais de 70%, na região Norte o percentual fica abaixo de 30%. Também varia entre as regiões o tempo de transporte das amostras.
Coleta tardia
Presidente da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal Erros Inatos do Metabolismo, Tania Bachega destacou que, segundo o próprio Ministério da Saúde, o ideal é que pelo menos 60% das amostras sejam coletadas entre o terceiro e o quinto dia útil de vida, mas os indicadores de 2019 mostravam que apenas sete estados atingiam essa meta. “O problema é que quanto mais a coleta é tardia, mais demora o diagnóstico, e esses bebês já podem ter complicações graves”, disse.
Segundo ela, é preciso pensar não apenas na expansão da triagem, mas na educação da população, em especial em regiões carentes.
“Nós precisamos otimizar, criar um trabalho de educação no segmento do pré-natal para essas famílias saberem da importância dessa coleta na UBS [Unidade Básica de Saúde]. Na hora que tivermos um programa de educação para a população ou que a gente passe a atuar mais no pré-natal, vamos conseguir melhorar a cobertura que depende da população levar seu bebê para a UBS”, avaliou.
Sobre a ampliação do teste do pezinho, ela frisou a necessidade de ser feita fiscalização para averiguar se os novos testes estão de fato sendo incorporados e feitos da forma adequada.
“Sabemos que, no ano passado, alguns estados pararam de processar as amostras por meses; as amostras foram coletadas, mas por dificuldades de licitação de kits, a gente não sabe o que aconteceu, essas amostras foram processadas meses depois. Os pacientes com hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria já terão deficiências intelectuais. Os com hiperplasia adrenal congênita já morreram”, apontou. Segundo ela, a sociedade civil precisa ter acesso aos indicadores sobre realização dos testes em tempo real.
Custos dos testes
Outro ponto de preocupação da entidade é com a sustentabilidade financeira do teste ampliado. Conforme Tania Bachega, o custo do teste é de aproximadamente R$ 57, o repasse do ministério é de R$ 39,90 mais R$ 8,17 para o teste de toxoplasmose.
Ela alertou que nem todos os estados têm complementado o valor e repassado aos municípios o restante da verba necessária para o teste ampliado. E se preocupa ainda com o encaminhamento dos pacientes que testarem positivo em toxoplasmose.
Presidente da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Anápolis (GO), Vander Lúcio da Silva também manifestou preocupação com o repasse de recursos para custear os exames.
A deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) disse que os municípios já estão sobrecarregados e que a questão tem que ser discutida no âmbito do orçamento da União para 2023. Ela pediu ao Ministério da Saúde um portal sobre a situação estado por estado, número de partos no mês, exames realizados e resultados dos exames.
O representante do ministério afirmou que o sistema foi encomendado e formulado, e está em etapa de validação e deverá ser lançado nas próximas semanas.
Acompanhamento após o teste
A representante da União Nacional dos Serviços de Referência em Triagem Neonatal e Instituto Jô Clemente, Daniela Mendes, apontou problemas na portaria do ministério sobre o teste ampliado, que podem dificultar a implementação do teste em tempo hábil, como a necessidade de Boletim Pronto Atendimento (BPA) individualizado para os serviços encaminharem as cobranças e os processos.
Para esse BPA, é necessário o CPF e cartão nacional do SUS, o que na maioria das vezes não está disponível no nascimento dos bebês e pode atrasar o processo de recebimento dos serviços. Na avaliação dela, a BPA pode ser no formato consolidado.
Ela pediu a criação de grupo técnico especializado para assessorar o ministério em todas as etapas da ampliação. E reiterou que o grande objetivo do teste do pezinho é garantir o tratamento do paciente em tempo hábil, devendo ser pensada logística de encaminhamento das amostras para redução do tempo de chegada.
Além disso, frisou que o encaminhamento dos pacientes que testarem positivo no teste ampliado deve envolver equipe multidisciplinar.
Coordenadora do Serviço de Referência em Triagem Neonatal da Fundação Ecumênica de Proteção ao Excepcional (Fepe), Mousseline Torquato Domingos também ressaltou que o teste ampliado “para por ali”, não envolve o acompanhamento do paciente após o teste e deixa para a família achar a equipe especializada para fazer o tratamento, ressaltando que, muitas vezes, os medicamentos não estão disponíveis no SUS.
Fonte: Agência Câmara de Notícias
(Foto: internet)