O segredo por trás dos ovos veganos
Enquanto eu retirava os bolos do forno, já conseguia ver que eles estavam ficando deliciosos. Eu tinha à minha frente nove topos de bolo com cor marrom-dourada perfeitos, perfumando minha cozinha com aromas tentadores de baunilha e manteiga (vegana). O que poderia dar errado?
O ano era 2015 e eu havia acabado de me tornar vegana. Na época, isso ainda era considerado “estranho” e talvez até um pouco arriscado. O “Veganeiro” – movimento britânico que incentiva as pessoas a manter alimentação vegana no mês de janeiro – ainda estava começando e a maioria das alternativas vegetais era preparada em casa, seguindo indicações de uma rede de blogueiros criativos e determinados.
Para encontrar em lojas essas delícias raras, normalmente você precisava visitar os fundos das lojas de alimentos saudáveis para encontrar o refrigerador com diversos produtos que afirmavam ter alguma coisa similar a queijo ou frango.
Mas, dentre todas essas dificuldades, o maior desafio talvez fosse a falta de ovos veganos – em parte, porque poucas experiências culinárias podem ser comparadas com a satisfação de fatiar um ovo cozido mole para escorrer sua gema líquida e também porque os ovos estão em quase tudo.
Era difícil encontrar substitutos comerciais para os ovos. E, quando eles existiam, certamente não estavam à venda perto de casa. A melhor opção surgia após uma pesquisa na internet. Diversos sites recomendavam alegremente alternativas como bananas, batatas amassadas, refrigerante e molho de maçã – que, convenhamos, pouco têm a ver com os ovos de verdade.
Mas decidi tentar um desses ingredientes. E, quando fui provar meu primeiro bolo, com sua combinação perfeita de apetitosos ingredientes – incluindo açúcar, farinha com fermento, margarina, extrato de baunilha, banana e leite de soja -, infelizmente não consegui comer. O ar que sustentava a cúpula se esvaiu rapidamente, a camada externa marrom estava dura como uma pedra recém-assada e toda a estrutura do bolo desabou, como se fosse a cratera de um vulcão que acabara de entrar em erupção.
Mas hoje, apenas sete anos depois, o cenário vegano é quase irreconhecível. Agora, as pessoas que renunciam aos produtos de origem animal já podem comer bacon, queijo camembert, frios, salsichas, maionese e até sashimi – ou, pelo menos, substitutos viáveis desses alimentos.
E, graças a uma série de descobertas bem sucedidas – que vão desde a excelente cremosidade dos produtos de aveia até a textura natural da jaca, que pode ser transformada em substitutos realistas da carne desfiada de frango ou caranguejo -, os alimentos veganos perderam um pouco do seu estigma de “comida de coelho” e se infiltraram nos fogões e refrigeradores até dos carnívoros mais convictos.
Nos últimos anos, pudemos ver também um enorme crescimento da disponibilidade de alternativas para os ovos. Não importa se você prefere seus ovos mexidos, cozidos, fritos ou pochê, ou se você precisa deles para preparar massas ou coquetéis, misturar ou emulsionar – existem agora produtos veganos para atender a quase todos os nichos possíveis. Mas o que ainda não existe é um ovo artificial para uso geral.
Mesmo depois de anos de pesquisa e dos esforços combinados de centenas de chefes de cozinha, cientistas, inventores e cozinheiros domésticos, ainda não existe um produto que possa sozinho substituir os humildes ovos. Na verdade, você precisa de todo um conjunto de alimentos especializados – uma série de misturas comerciais elaboradas e ingredientes isolados para tarefas específicas, como as alternativas para massas de bolo.
“Precisamos adaptar a formulação do ovo vegano, dependendo do alimento que queremos preparar”, segundo Fatma Boukid, tecnóloga de alimentos do Instituto de Pesquisa e Tecnologia Agroalimentar da Espanha. Ela estudou os diversos ovos veganos atualmente disponíveis e afirma que “você precisa de ingredientes diferentes para substituir os ovos na maionese e nos bolos, por exemplo”.
As criações iniciais
Um dos primeiros substitutos dos ovos que surgiram talvez tenha sido também um dos mais complexos.
Em 2013, a blogueira britânica Miriam Sorrell criou uma alternativa vegana para ovos cozidos. A receita usava uma combinação de leite de soja e ágar-ágar (uma substância gelatinosa extraída das algas marinhas) para obter claras com textura emborrachada autêntica e uma mistura de purê de batatas instantâneo colorido com açafrão para criar gemas secas com a granulação característica.
Depois veio uma criação pioneira da nutricionista australiana Ellie Bullen, em 2019. Sua versão de ovo vegano incluía uma clara feita de leite vegano, farinha de arroz e água, que pode ser colocada na frigideira com uma colher, seguida por uma gema mole feita de purê de abóbora. Após alguns minutos, as pontas da clara começam a borbulhar e ficar crocantes, enquanto a gema permanece pastosa, com aparência idêntica aos ovos fritos comuns.
Mas a mais recente sensação para os amantes dos ovos é outra invenção australiana, criada pelo café Crux, em Adelaide. Em um vídeo postado na plataforma TikTok, uma faca desliza pelo que parece ser um café da manhã comum, com torradas, bacon e um ovo pochê coberto com molho holandês e enfeitado com ervas. A faca faz com que a clara se rompa, espalhando a gema amarela vibrante sobre o prato.
Já houve um blog que chamou os ovos pochê veganos de “unicórnios” e é fácil entender por quê – o seu preparo é muito trabalhoso.
As versões mais antigas consistiam de fatias de tofu recheadas com gemas alternativas duvidosas, como macarrão com queijo vegano. Mas um recente artigo na revista Vice explica que os ovos pochê veganos do café Crux, com gemas que estouram, são muito mais sofisticados. Eles são preparados com massa de tomate e uma técnica conhecida como esferificação.
Essa técnica é adotada por grandes chefes de cozinha e consiste em depositar uma gota de líquido – neste caso, a “gema” do ovo – contendo alginato de sódio, que é encontrado em algas marinhas, em um banho contendo compostos de cálcio.
No segundo que a gota de gema leva para cair, ela forma uma esfera quase perfeita e forma-se uma membrana em volta dela – os íons de sódio das camadas externas da esfera são deslocados pelos íons de cálcio do banho, formando uma substância em forma de gel. Essa “gema” esférica, completa com seu interior ainda líquido, pode ser removida em seguida e todo o processo recomeça, desta vez para envolver a gema em um glóbulo de “clara”. O resultado é uma boneca russa de um produto substituto de ovo esferificado.
Alternativas com sal negro e água de grão-de-bico
Existem outros truques inteligentes escondidos em muitos ovos veganos. Um deles é o sal negro do Himalaia, ou Kala namak. Esse mineral é de origem vulcânica e contém compostos de sulfeto de ferro misturados com o cloreto de sódio habitual.
Esses compostos fornecem aroma pungente de ovo aos ovos veganos, da mesma forma que ocorre com os ovos reais, quando os compostos são normalmente formados quando o sulfeto de hidrogênio da clara reage com proteínas ricas em ferro da gema.
Outra revelação foi a descoberta das qualidades milagrosas da água de grão-de-bico, também conhecida como aquafaba, que é um pouco mais versátil.
Em 2014, Goose Wohlt, engenheiro de software de Indiana, nos Estados Unidos, estava experimentando diferentes métodos de preparo de suspiros veganos, quando percebeu que poderia criar uma espuma estável batendo essa substância um tanto incomum. A aquafaba – que é literalmente a água do cozimento do grão-de-bico ou o líquido retirado da leguminosa enlatada – acabou tornando-se um sucesso viral na internet e hoje é adorada por veganos de todo o mundo. Esse ingrediente pode ser usado para o preparo de qualquer alimento que exija bolhas ou um aglutinante, incluindo coquetéis (como whisky sour, ou uísque azedo), mousses, bolos, biscoitos e maionese.
Martin Reaney, professor da Faculdade de Agricultura e Recursos Biológicos da Universidade de Saskatchewan, no Canadá, descobriu a aquafaba com sua filha. “Fiquei completamente surpreso e comecei imediatamente a trabalhar com o produto”, afirma ele.
Surpreendentemente, embora a água de grão-de-bico às vezes possa funcionar como substituto para o ovo, sua composição química é radicalmente diferente.
A clara do ovo contém cerca de 11% de proteína e muito pouca coisa a mais. Já a aquafaba é uma sopa de compostos diferentes, incluindo proteínas, carboidratos, isoflavonas (substâncias que podem ajudar a proteger contra alguns dos efeitos colaterais do envelhecimento) e, principalmente, saponinas. Estas são onipresentes nas plantas e frequentemente utilizadas como sabão natural.
As saponinas formam espuma quando agitadas e podem emulsionar – ou seja, elas ajudam a misturar óleos com água – da mesma forma que as claras de ovos.
As saponinas podem ser as estrelas, mas Reaney afirma que cada componente da aquafaba desempenha um papel importante. “Ela precisa que todos os ingredientes funcionem – que as saponinas formem espuma e que as proteínas e os carboidratos depois mantenham tudo [as bolhas] no lugar”, afirma ele.
Mas a aquafaba também apresenta desvantagens. Primeiro porque ela não consegue desempenhar todas as funções dos ovos de galinha. Se você tentar fritá-la, ficará com uma frigideira cheia de suco de grão-de-bico líquido. “Quando você mexe um ovo e o cozinha, você está essencialmente reticulando as proteínas [unindo-as entre si], mas não há proteína suficiente na aquafaba para reticular tudo na forma de gel”, explica Reaney.
Em segundo lugar, como a maioria dos ingredientes vegetais, a água de grão-de-bico contém uma variedade menor de blocos de construção de proteínas que a maioria dos produtos animais. Os ovos de galinha contêm todos os nove aminoácidos essenciais e mais outros nove. Para atingir o mesmo perfil nutricional com aquafaba ou qualquer outro substituto vegano para os ovos, seria preciso misturar diferentes proteínas vegetais.
Um produto notável que resolve esse problema chama-se VeganEgg, produzido pela companhia norte-americana de alimentos veganos Follow Your Heart. Ele é feito com uma mistura de soja em pó, agentes gelificantes, agentes aglutinantes e aromatizantes naturais.
Ao contrário de muitas alternativas, esse produto pode ser usado para preparar quiches, omeletes ou ovos mexidos, para unir outros ingredientes e também para fazer bolos. Mas ainda não pode ser batido da mesma forma que os ovos comuns e, por ser um produto seco misturado com água, sem a gema separada, não funcionaria tão bem quando frito, cozido ou como ovo pochê.
Diversidade x padronização?
Reaney também suspeita que os ovos de galinha têm uma vantagem importante que é pouco discutida: eles são todos iguais. Nos Estados Unidos, a maior parte dos ovos brancos comprados no supermercado é produzida por galinhas legorne e, no Reino Unido, as galinhas comerciais tendem a ser das quatro raças híbridas mais populares (Lohman Browns, Goldlines, Hylines e Isa).
Depois de mais de um século de criação intensiva, elas perderam grande parte da diversidade genética dos seus ancestrais. Isso significa que, embora os ovos de galinha sejam um produto natural, eles são incrivelmente padronizados.
Por outro lado, já existem dezenas de alternativas de ovos veganos no mercado somente para massas, de forma que pode ser difícil saber quanto você precisa adicionar a uma receita. Até a aquafaba dificilmente é a mesma. Reaney descobriu amplas variações, tanto em termos do tipo de grão-de-bico utilizado (existem centenas deles) quanto na forma como eles são enlatados ou cozidos. Algumas latas de grãos-de-bico que ele testou para um estudo recente não continham aquafaba, mas apenas água.
Mas nem tudo são más notícias. Os ovos veganos hoje em dia podem ser menos versáteis que os ovos das aves, mas o próprio fato de serem mais especializados poderá vir a ser uma vantagem. Reaney afirma que a aquafaba já é melhor que os ovos comuns para algumas funções, como emulsionar maionese.
“O que me surpreende agora, vivendo na Coreia [do Sul]”, afirma Reaney, “é que o conhecimento culinário é baseado na experiência de longo prazo. E, se as pessoas não usarem a aquafaba por algum tempo, se não usaram tradicionalmente um ingrediente, elas simplesmente ainda não sabem como utilizá-la.”
Fatma Boukid também está confiante que os substitutos dos ovos em breve terão uma variedade de usos mais ampla. “Acho que agora estamos trabalhando com a primeira geração de produtos alternativos, que estão tentando imitar os convencionais”, afirma ela. “Acho que, no futuro, avançaremos para a segunda geração, quando inovaremos para fazer produtos melhores ou mesmo similares, mas que ofereçam ao consumidor novas experiências, como novos sabores.”
Mas, se tudo isso falhar, que tal um ovo quimicamente idêntico, produzido em laboratório?
A empresa de biotecnologia norte-americana The Every Company anunciou no ano passado que estava trabalhando na produção de claras de ovos cultivadas em laboratório, usando proteínas reais de ovos de galinha. O processo envolveria a adição dos genes que codificam um coquetel dessas proteínas às células de levedura e seu cultivo em cubas – a mesma técnica utilizada atualmente para preparar insulina sintética para diabéticos.
Infelizmente, mesmo essa solução futurística não funcionaria para todos. Como ocorre com outros produtos animais cultivados em laboratório, parece provável que alguns veganos considerem essa solução antiética, sem mencionar que a formulação sem gema poderá ser insatisfatória quando frita, cozida ou na forma de ovo pochê.
A busca pelo ovo artificial ideal, portanto, continua. Mas, depois de pouco mais de meia década de intensas pesquisas, os veganos já podem comer suas próprias versões de cada tipo concebível e quem sabe quais desenvolvimentos ainda estão por vir. Será que, algum dia, as pessoas poderão ouvir maravilhadas que o ingrediente que elas chamam de “ovo” costumava ter alguma relação com galinhas?
Pelo menos, estou otimista que, na próxima vez em que eu fizer bolos veganos, eles ficarão magníficos, leves e macios – e, o mais importante, eles não irão perder a sua forma.
Zaria Gorvett é jornalista sênior da BBC Future. Sua conta no Twitter é @ZariaGorvett.
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
(BBC)