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‘Representatividade para padrões que a gente conhece’, diz cientista ‘boneca’

A cientista e biomédica baiana, Jaqueline Góes, falou sobre a homenagem que recebeu, após ser escolhida pela fabricantes de brinquedos Mattel para “virar” uma boneca Barbie. Para ela, além do padrão de mulher negra, o feito representa uma quebra de paradigmas por causa da profissão.

“Para mim foi uma grande surpresa. Eu jamais, em toda a minha história, imaginei me tornar uma boneca Barbie justamente porque o padrão era completamente diferente do meu. Uma boneca que viria a ser negra, de cabelos crespos, e mais do que isso, que representaria a minha profissão, que é a profissão de cientista”.

“Ainda é uma profissão sub-representada no mundo como um todo, pelo universo feminino. A gente ainda não tem uma representatividade igualitária entre homens e mulheres. Por isso, eu fiquei muito surpresa”.
O trabalho científico de Jaqueline ficou mais conhecido durante a pandemia, porque ela faz parte da equipe responsável pelo sequenciamento genético do novo coronavírus dos primeiros casos de Covid-19 na América Latina.

Para ela, que é de Salvador, o fato de ter sido homenageada pela principal fabricante de brinquedos do mundo, por causa do seu trabalho e contribuição para a ciência, ainda está sendo difícil de acreditar.

“A ficha, como a gente costuma dizer, demorou um pouquinho de cair. Ainda estou tentando me acostumar com a ideia, porque existe um apelo muito grande pela representatividade. Não só no universo acadêmico, mas também com crianças, principalmente com mulheres negras, que comentaram muito sobre a boneca, falaram que estão super orgulhosas de ter uma boneca brasileira e ser uma mulher negra, cientista, e que aquilo era muito representativo”.

“Eu acho que, no final das contas, a representatividade não é só para a ciência, mas para os padrões que a gente conhece foi muito grande”.

A incredulidade foi tanta, que quando a empresa entrou em contato com a cientista, ela chegou a pensar que fosse brincadeira.

“Eles entraram em contato com equipe da agência e o agente entrou em contato comigo. Ele falou que a Mattel, de brinquedos, entrou em contato com ele e estavam querendo fazer uma boneca Barbie pra mim. Foi mais ou menos desse jeito. Não acreditei de início. Eu jamais imaginei virar boneca Barbie, que tem apelo muito forte pras crianças. Eu não podia contar pras pessoas, então foi uma emoção muito grande, fiquei muito feliz, e não só pela homenagem pra mim, mas pras outras cientistas que têm histórico muito grande na pandemia, todo mundo que foi homenageado teve papel muito grande neste processo, de combate neste último ano, da Covid-19 e o que a gente viveu”.

“Eu acho que é uma homenagem muito significativa pra ciência principalmente neste momento difícil. E foi desse jeito. Eu de início não acreditei, demorei e ainda estou tentando me acostumar à ideia de ter virado uma boneca Barbie”.

Vencida a surpresa, o momento de fazer a boneca chegou. Jaqueline conta como foi participar do processo de criação da sua versão brinquedo.

“Eles pediram uma foto de referência, mandaram uma ideia de como deveria ser a foto, mas queriam que eu me sentisse à vontade. E ali, foi a minha roupa de trabalho mesmo. É camisa social, calça jeans, sapatilha e jaleco que a gente usa no laboratório o tempo todo. Então foi mais ou menos isso. Se inspiraram no que eu sou. Fizeram exatamente do mesmo jeito. Fiquei emocionada quando abri a caixa”.

‘Sub-representatividade’

Sobre a questão da sub-representatividade de cientistas mulheres, Jaqueline explica que também está relacionada às desigualdades sociais.

“A gente tem uma grande particularidade no Brasil que está relacionada a questões sociais obviamente, que no Brasil a gente tem quase 50% de mulheres, um pouco mais 56% de mulheres ocupando cargos na ciência. E isso não se reflete no mundo como um todo. O mundo, de modo geral, países que investem em ciência e são desenvolvidos, têm uma subrepresentatividade feminina. E pouco se fala em mulher negra. Isso reflete também as questões sociais”.

“As mulheres negras estão em posição social que não permite acesso ao ensino superior. Por conta de dificuldades que mulheres encontram nessa trajetória de vida pra se dedicarem à ciência. Pra se dedicar à ciência você precisa ter um aporte financeiro significativo porque a dedicação é exclusiva. E quando você não tem isso, infelizmente fica inviabilizado o sonho de ser cientista”.

Para a cientista, o fato do Brasil não ser um país que investe em iniciação científica e acadêmica interfere nas escolhas profissionais de mulheres negras.

“No Brasil, isso dificulta muito o acesso da mulher negra a esses cargos mais elevados, na carreira acadêmica. E algo que obviamente precisa ser mudado, isso precisa ser refletido desde a educação básica. Então eu diria que o Brasil ainda tem muito a aprender com o mundo, mas o fato de uma mulher negra estar hoje protagonizando este momento já é sem dúvida o resultado de muitas discussões que vêm acontecendo nos últimos anos”.

Jaqueline também faz questão de desfazer o mito da meritocracia, que é a premissa de que todas as pessoas são capazes de prosperar apenas com suas capacidades, sem precisar da ajuda da sociedade.

“Eu sempre falo que não é doutora Jaqueline que conseguiu única e exclusivamente através do mérito – porque eu não acredito em meritocracia – chegar neste lugar. Quem veio antes de mim lutou muito pra que eu conseguisse alcançar este lugar através de todo o meu processo de trajetória. De conseguir estudar, de ter estrutura financeira, aporte dos meus pais pra fazer mestrado, pra fazer doutorado e hoje estar no pós-doutorado inclusive fora do país não é única e exclusivamente pelo meu esforço. Obviamente que teve o meu esforço mas eu tive muitas oportunidades. Eu acho que isso é um caminho”.

“É um caminho pra se abrir esta discussão. Esta discussão está aberta na verdade. Eu fui bombardeada de mensagens positivas. Também serviu como uma certa provocação de reflexão neste sentido – quantas mulheres maravilhosas, competentes a gente tem e que não estão na linha de frente por causa de problemas estruturais? Estruturais de machismo, por conta do racismo que a gente sabe que existe e que tem que ser combatido o tempo inteiro”.

‘Modelo para novas gerações’

Nas redes sociais, ela destacou a importância da homenagem, não apenas pelo trabalho desenvolvido por ela, mas também como mulher negra.

“Enquanto mulher negra, ser presenteada com uma boneca Barbie, que tem todas as minhas características, é simplesmente um sonho. Algo que, até bem pouco tempo, era uma realidade longínqua, para não dizer, inexistente. Sou uma Barbie da linha exclusiva que celebra cientistas. Que alegria compartilhar com vocês essa linda homenagem que recebi da Mattel no projeto Mulheres Inspiradoras!”, disse a baiana nas redes sociais.

“Me tornar um modelo para novas gerações é provar que através das oportunidades, o talento e a inteligência podem alcançar e gerar frutos positivos para uma nação”.
Carreira

Jaqueline Góes de Jesus vem trilhando uma trajetória de sucesso no campo da biomedicina. Antes de se debruçar sobre a pesquisa do novo coronavírus, ela participou da equipe que sequenciou o genoma do vírus da zika.

A baiana atualmente é pesquisadora bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em nível de pós-doutorado, no Instituto de Medicina Tropical de São Paulo — Universidade de São Paulo (IMT-USP). Também desenvolve pesquisas na área de arboviroses emergentes.

A cientista é graduada em Biomedicina pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, mestre em Biotecnologia em Saúde e Medicina Investigativa (PgBSMI) pelo Instituto de Pesquisas Gonçalo Moniz — Fundação Oswaldo Cruz (IGM-FIOCRUZ) e Doutora em Patologia Humana pela Universidade Federal da Bahia em ampla associação com o IGM-FIOCRUZ.

(G1)

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