CoronaVac: é hora de pensar em revacinar os idosos?
Ainda estamos no começo da campanha de vacinação contra a covid-19, mas dados novos sobre a eficiência das vacinas e o surgimento de variantes do coronavírus nos obrigam a pensar desde agora quando vai ser necessário imunizar de novo quem já foi vacinado, especialmente os idosos, que são os mais vulneráveis.
No caso da CoronaVac, a vacina mais usada no Brasil contra a covid-19, a discussão começou após um estudo apontar que a sua efetividade é de 42% para idosos com mais de 70 anos. Isso indica o quanto ela está ajudando a prevenir casos dessa doença.
O índice foi menor do que a taxa de eficácia de 50,38% para adultos em geral medida nos testes clínicos e ficou abaixo dos 50% que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o mínimo para uma boa vacina.
Mas o Instituto Butantan, responsável pela CoronaVac, contesta os resultados desse estudo.
“Não consigo acreditar neles, porque a pesquisa tem problemas graves de metodologia”, diz à BBC News Brasil o diretor médico do Butantan, Ricardo Palacios.
O presidente do instituto, Dimas Covas, negou que seja necessário aplicar uma nova dose nos idosos agora, porque estudos feitos pelo Butantan até o momento mostram que essa vacina protege contra os sintomas da covid-19, internações e mortes em adultos.
“Portanto, fiquem tranquilos. A vacina é eficiente”, disse Covas em um vídeo divulgado pelas redes sociais.
“Neste momento, não existe necessidade de se preocupar com uma terceira dose como foi propalado por aí recentemente. Isso não corresponde aos fatos.”
O presidente do Butantan esclareceu depois de sua participação na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid que provavelmente será necessário aplicar uma dose de reforço da CoronaVac em algum momento.
“Isso será necessário para todas as vacinas”, afirmou Covas, acrescentando que o Butantan já estuda a possibilidade. Mas é algo que ocorreria só a partir do próximo ano.
Há cientistas que dizem no entanto que pode ser necessário vacinar os idosos de novo antes disso.
O perigo de não tomar a segunda dose
A possibilidade começou a ser discutida após o estudo feito pelo grupo Vaccine Effectiveness in Brazil Against COVID-19 (Vebra Covid-19), apoiado pelo Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), o braço da OMS nas Américas.
O trabalho está por enquanto em fase de pré-print, ou seja, ainda precisa ser revisado por pares e avaliado por revistas especializadas.
Esse estudo foi o primeiro trabalho a analisar os efeitos da CoronaVac especificamente em idosos. Não foi possível tirar conclusões a esse respeito com os testes clínicos porque havia poucas pessoas dessa faixa etária entre os voluntários.
Os resultados trazem dois alertas importantes, diz à BBC News Brasil o infectologista Julio Croda, cientista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o responsável pela pesquisa.
O primeiro é que a CoronaVac só funciona efetivamente depois da segunda dose.
Muita gente só tomou a primeira, porque faltou vacina ou porque ainda não voltou ao posto. É preciso garantir que todos tomem as duas, diz Croda.
Também pode ser necessário aplicar um reforço em quem tem mais de 80 anos antes do que se esperava.
Isso porque a efetividade da vacina medida no estudo foi só de 28%. “Isso chama atenção. É algo a que a gente precisa ficar atento”, afirma Croda.
A expectativa até agora é que todo mundo, independentemente da idade, precise ser vacinado de novo, em algum momento. Isso pode ocorrer de tempos em tempos, como já acontece com a gripe, por exemplo.
Pesquisas ainda investigam se vai ser necessário e qual seria a frequência. Mas já há países pensando nisso, encomendando doses e fazendo propostas de revacinação, afirma Croda.
“Num futuro próximo, talvez ainda este ano, a gente deva programar a revacinação desse grupo específico”, diz o pesquisador da Fiocruz.
‘A vacina está funcionando’, diz o diretor médico do Butantan
Ricardo Palacios se opõe categoricamente a isso. “Não temos nenhum dado que sustente a aplicação da terceira dose”, afirma.
O diretor médico do Butantan questiona a forma como a pesquisa do Vebra Covid-19 foi feita.
Seu argumento é que os idosos começaram a ser vacinados em momentos diferentes da pandemia e que a crise era mais grave quando os mais velhos foram imunizados.
Em um momento quando o risco de pegar a doença é maior, é natural que a efetividade da vacina tenha sido menor, diz o diretor médico do Butantan.
“Se todo mundo tivesse sido vacinado ao mesmo tempo e a pandemia estivesse estabilizada, seria diferente. Mas, desse jeito, estão comparando peras com maçãs”, diz Palacios. “Eles deveriam ter esperado para fazer esse estudo.”
O pesquisador aponta ainda para um novo estudo feito no Uruguai, também ainda não publicado, que apontou uma efetividade de 57% da CoronaVac para casos da doença em geral.
A taxa de efetividade contra internações em UTIs e mortes foi de 95% e 97% respectivamente.
“Claro que se uma vacina evitar a transmissão do vírus a gente fica feliz, mas ela é feita para evitar internação e óbito, e isso não foi avaliado pelo estudo feito no Brasil”, afirma Palacios.
Ele afirma, porém, que um outro dado deste mesmo estudo depõe a favor da CoronaVac.
A pesquisa apontou que a incidência de casos de covid-19 caiu sensivelmente a partir de meados de março entre os idosos com mais de 70 anos.
“Isso mostra que a vacina está funcionando. A gente precisa tranquilizar as pessoas. Muita gente ficou angustiada (com os resultados do estudo).”
O funcionamento do sistema imune dos idosos
Os cientistas dizem que já esperavam por um efeito menor da CoronaVac entre idosos.
O mesmo acontece com outras vacinas, porque o sistema imune funciona pior conforme envelhecemos. É algo especialmente comum com as vacinas de vírus inativados (incapazes de se reproduzir), como é o caso da CoronaVac.
Dimas Covas falou sobre isso quando foi questionado pelos senadores sobre a morte de Nelson Sargento, aos 96 anos, por causa da covid-19. O sambista já tinha tinha tomado as duas doses de CoronaVac.
“Pessoas idosas têm um fenômeno biológico chamado imunossenescência. Os idosos respondem menos na produção de anticorpos em relação aos indivíduos mais jovens”, afirmou Covas.
Mas os dados da efetividade da CoronaVac em idosos “deixaram muita gente assustada”, reconhece Natália Pasternak, doutora em microbiologia e presidente do Instituto Questão de Ciência.
A pesquisadora diz que não há motivo para se preocupar por enquanto.
Primeiro porque uma vacina em geral confere algum grau de proteção, mesmo quando ela não consegue impedir que alguém fique doente.
Segundo porque, quando destrinchados, os dados do estudo sobre a proteção de idosos contam uma outra história. “O estudo não surpreende e, quando surpreende, é positivamente”, diz Pasternak.
Por exemplo, entre os participantes com idades entre 70 e 74 anos, a efetividade foi melhor (61%) do que a eficácia dos testes clínicos.
Uma hipótese para isso é que os primeiros estudos foram feitos com profissionais de saúde, que naturalmente se expõem mais ao vírus.
A efetividade entre os que tinham de 75 a 79 anos também ficou bem próxima da eficácia medida pelos testes (48,9%).
Foi só entre os que têm mais de 80 anos que a efetividade foi significativamente mais baixa.
Natália Pasternak diz que isso não deve ser encarado como um problema, mas como uma informação que precisa ser levada em conta por quem cuida da estratégia de imunização.
“Podem colocar uma terceira dose da CoronaVac ou aplicar a vacina da AstraZeneca. Isso é normal. Vai se adaptando a vacinação conforme chegam novas informações”, diz a cientista.
Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor), defende que seja aplicada uma dose de uma outra vacina.
Assim, os antígenos, que são as substâncias que desencadeiam a resposta imune, são apresentados de outra forma.
“Tem mais possibilidades de deixar uma resposta mais forte, especialmente com outras vacinas que são mais eficazes. Então, por exemplo, podemos dar uma dose da vacina da Pfizer”, diz Kalil.
‘O mais importante é evitar hospitalizações e mortes’
Os cientistas estão pesquisando os efeitos da aplicação de doses de reforço de uma mesma vacina ou entre vacinas diferentes.
Antes de ter essas informações não dá para pensar em fazer correções na imunização, afirma o médico Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações.
Além disso, há outros estudos sendo feitos sobre a capacidade da CoronaVac de evitar os casos mais graves em quem tem mais de 70 anos.
Renato Kfouri defende que os resultados dessa pesquisa são mais relevantes no momento.
“Prevenir sintomas leves é interessante, mas não é o principal. O que mais importa agora é a capacidade da vacina de evitar hospitalizações e mortes”, afirma Kfouri.
Isso está sendo pesquisado nas cidades de Manaus e de São Paulo, e os resultados devem sair em quatro semanas.
Muitos brasileiros ainda não tomaram nenhuma dose
Natalia Pasternak e Jorge Kalil concordam que é preciso esperar por isso.
“Isso vai dar um panorama mais completo. Não adianta sair mudando tudo a toda hora”, diz Pasternak.
“Assim tomamos uma decisão baseada em dados”, defende Kalil.
Os cientistas ouvidos pela BBC News Brasil também apontam para o problema crônico de falta de doses no país.
Renato Kfouri diz que, com só 10% da população totalmente vacinada, não é hora de cogitar um reforço.
“Ninguém vai pensar em dar uma terceira dose com tanta gente que ainda não tomou as duas. Não faz sentido, não seria justo”, afirma Kfouri.
Mas vai ser inevitável lidar com essa questão, e as alternativas e soluções podem ser pensadas desde agora, diz Julio Croda.
“A gente sempre vendeu que a solução era a vacinação. Se não provarmos que por meio da vacinação a gente vai sair disso, a gente terá vendido uma falsa esperança.”
(BBC)
Foto: Tânia Rêgo