Atestado falso para ‘fura-fila’ da imunização pode gerar cassação de médico
Emitir um atestado para uma doença que não existe, a fim de garantir que o paciente possa ser incluído no grupo prioritário e tomar a vacina para a covid-19 pode resultar na cassação do registro do médico, que ficaria, assim, impedido de exercer a profissão.
Nos últimos dias, vêm se multiplicando nas redes sociais denúncias sobre pessoas pedindo a seus médicos particulares atestados falsos, para provar comorbidades que não existem, de modo que possam ser vacinadas prioritamente, segundo as diretrizes mais recentes de imunização do Ministério da Saúde.
Essas diretrizes são uma orientação para os Estados, que têm liberdade para alterar a ordem das prioridades de vacinação.
Dessa forma, a dinâmica de imunização varia de acordo com o local onde a pessoa mora. A documentação necessária para comprovar a comorbidade também varia.
O Ministério da Saúde orienta as autoridades locais de saúde que seja empregado o critério de idade em grupos de intervalos de cinco anos, dentro do universo das pessoas acometidas com comorbidades.
Assim, seriam vacinadas primeiro as pessoas com 55 a 59 anos. Em seguida, aquelas com 50 a 54 anos. E assim por diante até a idade mínima dos grupos prioritários, de 18 anos.
No caso do Estado de São Paulo, por exemplo, pessoas de 50 a 54 anos com comorbidades começaram a ser vacinadas na última sexta-feira (14).
Ali, para receber o imunizante contra a covid, é obrigatório comprovar comorbidade com exame, receita ou prescrição médica.
As pessoas com comorbidades entraram na fila dos grupos prioritários após trabalhadores de saúde, idosos em instituições de longa permanência, povos indígenas, idosos em diversas faixas etárias (a partir de 60 anos) e parte das forças de segurança que atuam nas ruas e na repressão a ilícitos.
Comorbidades é um termo empregado para designar doenças associadas, como diabetes, hipertensão e obesidade. Estudos mostram que elas aumentam a chance de que o paciente com covid-19 evolua para um quadro grave, elevando, portanto, o risco de morte.
Os critérios para emissão de atestados médicos no Brasil são normatizados pela resolução 1.851 de 2008 do Conselho Federal de Medicina (CFM).
“Na elaboração do atestado médico, o médico assistente observará os seguintes procedimentos: estabelecer o diagnóstico, quando expressamente autorizado pelo paciente”, diz o documento.
Segundo o CFM, “a denúncia de descumprimento desses critérios e outros estabelecidos pelas autoridades sanitárias pode ser feita no Conselho Regional de Medicina onde o fato teria ocorrido”.
“Posteriormente, o CRM procederá à devida apuração por meio de sindicância. Se confirmada a suposta irregularidade, o médico será alvo de processo ético-profissional. Em caso de condenação, ele fica sujeito a penalidades previstas em lei que vão da advertência à cassação.”
“Ressalte-se que durante todo o processo é assegurada às partes o direito à ampla defesa e ao cointraditório”, ressalva a entidade, em nota enviada à BBC News Brasil.
Processo longo
Em comunicado, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) diz que “a emissão de atestados falsos por parte de um médico pode configurar infração ao Código de Ética Médica, Artigo 80: Expedir documento médico sem ter praticado ato profissional que o justifique, que seja tendencioso ou que não corresponde à verdade”.
Segundo a entidade, “as denúncias são apuradas caso a caso, dentro de parâmetros legais e preservando o direito de manifestação das partes envolvidas”.
A primeira etapa do processo é o acolhimento da denúncia. A partir disso, até a cassação, trata-se de um processo demorado.
“Após o acolhimento da denúncia, o trâmite da sindicância envolve coleta de provas (prontuários, receitas, laudos, fiscalizações e outros documentos), manifestação escrita e, sempre que necessário, audiência com os envolvidos”, diz o Cremesp.
“Se, durante a fase de sindicância forem constatados indícios de infração ética, que consiste no descumprimento de algum artigo do Código de Ética Médica, passa-se à segunda fase: a instauração do processo ético-profissional. Sem indícios, a denúncia é arquivada”.
“A sindicância tramita em sigilo processual, motivo pelo qual o Cremesp não se manifesta”.
“Em caso de processo ético-profissional, após decorridas todas as etapas processuais, o profissional vai a julgamento. Se comprovada sua culpabilidade, o profissional receberá uma das cinco penas disciplinares aplicáveis, previstas em Lei, pela ordem de gravidade:
PENA A – advertência confidencial em aviso reservado,
PENA B – censura confidencial em aviso reservado,
PENA C – censura pública em publicação oficial,
PENA D – suspensão do exercício profissional por até 30 dias e
PENA E – cassação do exercício profissional, que precisa ser referendada pelo Conselho Federal de Medicina, que é também o órgão máximo de recurso para solicitação de revisão das penas aplicadas pelo Conselho Regional de Medicina”.
Ao fim do julgamento desse processo, “ele passa pelas fases subsequentes: vista do acórdão; contra-razões (em caso de processo com denunciante); julgamento pelo Conselho Federal de Medicina (caso seja apresentado recurso); e, finalmente, a aplicação de pena. Superadas todas essas fases, o processo é arquivado”, finaliza o Cremesp.
(BBC)
Foto: Tânia Rêgo