O que está por trás do avanço do DEM no comando de capitais do país
Um dos principais partidos de direita do país, o Democratas (DEM) venceu em 3 das 25 capitais em que houve votação neste domingo (15/11) e deve passar como favorito para o segundo turno na cidade do Rio de Janeiro.
A sigla, que abandonou o nome PFL em 2007 após minguar na era Lula, é uma das maiores forças dentro da coalizão entre centro e direita em torno do presidente Jair Bolsonaro no governo e no Congresso.
O resultado é expressivo porque o DEM venceu em 3 das 6 capitais que decidiram a eleição já no primeiro turno.
O número de vitórias do DEM em 2020 representa também um salto significativo em relação à eleição municipal de 2016, mas esse avanço se deu bem antes das urnas.
As três vitórias (e uma possível quarta no Rio) estão ligadas a políticos que migraram para o DEM nos últimos dois anos na esteira da recente onda conservadora brasileira. O partido inchou e chegou à disputa de 2020 já à frente de três capitais.
Um dos prefeitos neófitos na sigla é Rafael Greca, que se elegeu prefeito de Curitiba em 2016 pelo PMN e agora se reelegeu pelo DEM. O outro caso é de Gean Loureiro, de Florianópolis, ex-MDB.
Em Salvador, o recém-eleito Bruno Reis, braço-direito do atual prefeito ACM Neto (DEM), também deixou o MDB, em 2018.
A conta pode fechar em cinco vitórias caso vençam Josiel Alcolumbre em Macapá (que liderava as pesquisas, mas o pleito foi adiado por causa do apagão no Estado) e Eduardo Paes, que chegou ao DEM em 2018, no Rio.
Paes passou ao segundo turno neste ano contra o atual prefeito carioca, Marcelo Crivella (Republicanos). Com 30% das urnas apuradas, Paes tinha 37,4% dos votos válidos e Crivella, 21%.
A vitória em quatro capitais seria o melhor resultado da sigla desde 1996 e em cinco, igualaria o recorde do partido em 1988, segundo levantamento da consultoria política Arko.
Esse resultado eleitoral de 2020 consolida também uma volta por cima do DEM, que se afastou do centro do poder político nacional a partir de 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) derrotou a aliança nacional PSDB-PFL.
Ao todo, o DEM conquistou 398 prefeituras neste ano, um aumento de 50% em relação à eleição municipal de 2016.
Derrocada e ressurgimento
A partir da chegada do PT à Presidência, em 2002, o DEM se afastou do comando da máquina federal e sofreu uma desidratação muito maior que seu aliado PSDB.
Em 2000, o então PFL, que foi fundado com egressos de partidos que apoiaram ditadura militar (1964-85), havia elegido 1.036 prefeitos. Depois, caiu consecutivamente nas eleições municipais: 788 em 2004, 496 em 2008, 278 em 2012 e 265 em 2016.
O mesmo recuo do DEM se deu nos governos estaduais. A sigla elegeu cinco governadores em 1998 e nenhum em 2014.
A perda de poder se deu um contexto de forte polarização com o PT. Em 2006, o senador do DEM Jorge Bornhausen afirmou: “Vamos acabar com essa raça (do PT). Vamos nos livrar dessa raça por, pelo menos, 30 anos.” Quatro anos depois, Lula disse: “Precisamos extirpar o DEM da política brasileira”.
Nenhum dos dois acabou, o PFL se rebatizou de DEM em 2007 e voltou a ter projeção nacional em meados da década de 2010, principalmente quando o rival PT deixou o comando federal com o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em 2016.
O partido voltou a ter força em âmbito nacional graças também a duas grandes mudanças políticas no país: a reaproximação da máquina pública federal, com a queda de Dilma, e a onda conservadora de 2018, marcada pelo sentimento anti-PT que levou Jair Bolsonaro (eleito pelo PSL, mas atualmente sem partido) à Presidência.
Nos últimos quatro anos, o DEM participou ativamente do governo de Michel Temer (MDB) e de Bolsonaro, passou a comandar a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, com Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), e elegeu três governadores.
Para Maia, que presidiu o partido em sua mudança de nome em 2007, o avanço eleitoral consolidado em 2020 deu força ao partido para liderar uma coalizão para a eleição presidencial em 2022.
As conversas de políticos do centro e da direita por uma aliança presidencial envolve também outras forças eleitorais, como o apresentador de TV Luciano Huck, o ex-ministro Sergio Moro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). “O DEM vai se cacifar para comandar esse processo”, disse Maia neste domingo, segundo o jornal Folha de S.Paulo.
“Luciano está tentando construir esse projeto, o DEM está tentando construir. Todos nós que temos uma linha de pensamento convergente, principalmente do ponto de vista econômico-social, que é uma linha mais, vamos dizer assim, liberal, mais centro-direita.”
Salvador: ACM Neto faz o sucessor, Bruno Reis, e se cacifa para 2022
O advogado Bruno Reis (DEM) se tornou assessor parlamentar de ACM Neto em 2000 e chegou a 2020 como seu braço-direito e candidato à sucessão.
A estratégia deu certo, e Reis, vice-prefeito que também comandava a pasta de Infraestrutura e Obras Públicas até sair candidato, venceu em primeiro turno.
Com 66% das urnas apuradas, ele tinha 63,5% dos votos válidos. Em segundo ficou a candidata apoiada pelo governador baiano, Rui Costa (PT), a petista Major Denice, com 18,8%.
A vitória de Reis, filiado ao DEM desde 2018, aumenta o capital político de ACM Neto, que fica sem mandato a partir de agora.
A Bahia é o 4º colégio eleitoral do país, com 10 milhões de eleitores, e foi comandada décadas pelo PFL/DEM, tendo à frente Antônio Carlos Magalhães (1927-2007), o avô de ACM Neto.
O chamado carlismo ainda resistiu alguns anos no Estado durante a era Lula, mas desde 2010 o governo passou a ser comandado pelo PT.
Atual presidente nacional do DEM, ACM Neto se tornou o principal herdeiro do carlismo e virou uma força política expressiva em 2012, quando se elegeu para a capital baiana contra um candidato petista.
Desde então, a força eleitoral do DEM ficou praticamente circunscrita a Salvador (1,9 milhão de eleitores), a lembrar da vitória do petista Rui Costa para o governo estadual em 2018 com 75% dos votos no primeiro turno.
Agora, com a vitória de seu sucessor em Salvador, ACM Neto passa a estudar possibilidades políticas para 2022.
Há três caminhos óbvios: disputar o governo do Estado, concorrer a uma vaga no Senado ou integrar uma chapa presidencial.
DEM vence em Curitiba e Florianópolis com neófitos na sigla
Em 2020, o principal trunfo eleitoral do DEM se deu com prefeitos reeleitos que foram atraídos para o partido enquanto comandava suas cidades.
Reeleito neste ano, Rafael Greca entrou para a política nos anos 1980 e já comandou a Prefeitura de Curitiba em outros dois mandatos (1994-1998 e 2016-2020).
Político experiente, ele é outro nome ligado ao antigo PFL, tendo sido ministro do governo FHC de 1999 a 2000. Ao longo de sua carreira política foi também vereador, deputado estadual constituinte e deputado federal.
Em 2019, trocou o PMN pelo DEM e venceu uma disputa municipal para obter apoio político do governador paranaense, Ratinho Jr. (PSD), que indicou o vice na chapa vencedora neste ano (Eduardo Pimentel, do PSD).
Com 95% das urnas apuradas, Greca tinha 59,8% dos votos válidos. Em seguida, apareciam Goura (PDT), com 13,3%, e Fernando Francischini (PSL), com 6,2%.
Outro neófito no DEM que se reelegeu é Gean Loureiro, prefeito de Florianópolis. Com 100% das urnas apuradas, ele obteve 53,5% dos votos válidos. Em seguida apareciam Professor Elson (PSOL), com 18,1%, e Pedrão (PL), com 14,2%.
Loureiro entrou para a política no início dos anos 1990, como o vereador mais jovem da capital catarinense. Em 2010 se elegeu deputado federal e dois anos depois deixou o cargo para assumir a Prefeitura de Florianópolis.
Em 2019, deixou o MDB pouco antes de preso numa operação da Polícia Federal sob suspeita de integrar um esquema que violava sigilo de investigações da própria PF em Santa Catarina. Ele nega as acusações.
Meses depois, ainda investigado, se filiou ao DEM para concorrer à reeleição. “O perfil do eleitor do DEM não é de esquerda e nem de extrema direita”, disse à época, segundo veículos locais.
Loureiro acabaria denunciado pelo Ministério Público Federal sob acusação de organização criminosa, mas o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) rejeitou a denúncia por falta de provas em junho de 2020.
Vitória de Paes no Rio pode consolidar sigla entre as 3 com mais capitais
Caso Josiel Alcolumbre vença em Macapá (em data a ser definida) e Paes derrote Crivella no segundo turno em 29 de novembro, o DEM sairia das urnas em 2020 com uma prefeitura de capital a mais, de 3 para 5.
Nesse caso, o DEM se manteria como segundo partido com mais prefeituras de capitais do país ou poderia dividir a liderança com o MDB ou o PSDB, que chegou à eleição de 2020 com 8 prefeitos de capitais e deve acabar o segundo turno com 4 ou 5 capitais.
“Mesmo que vença em 4 capitais, será o melhor desempenho em 24 anos, igualando 1996. O DEM também tende a crescer em pequenos e médios municípios”, escreveu o cientista político Lucas de Aragão, da consultoria política Arko, em seu perfil do Twitter.
O MDB comanda atualmente 4 capitais e pode acabar a eleição com 6. O MDB, aliás, é o ex-partido de Eduardo Paes, que foi prefeito do Rio de Janeiro por dois mandatos (2008-2016) e se filiou ao DEM em 2018 com a benção de Rodrigo Maia para concorrer ao governo do RJ.
Acabou derrotado por Wilson Witzel (PSC), então ligado a Bolsonaro, e só venceu em três cidades, entre elas a capital fluminense.
Agora em 2020, tenta seu terceiro mandato para prefeito. Ele acabou o primeiro turno da eleição municipal do Rio de Janeiro em primeiro, com quase 16 pontos percentuais à frente de Crivella (37,4% a 21%, com 30% das urnas apuradas).
Paes enfrentará no segundo turno o atual prefeito, Marcelo Crivella, que conta com apoio de Bolsonaro e do eleitorado evangélico -ele é bispo (atualmente licenciado) e sobrinho do líder da Igreja Universal, Edir Macedo.
(BBC)