O que é o Fundeb
A continuidade de um fundo que movimenta anualmente R$ 150 bilhões em dinheiro público deve entrar em votação na Câmara dos Deputados na segunda-feira (20/07), influenciando diretamente o funcionamento de milhares de escolas do Brasil – desde a educação infantil até o ensino médio – e em meio a intensos debates sobre a origem e a destinação dos recursos.
O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) entrou em vigor em 2007 e, só no ano passado, respondeu por cerca de R$ 6,5 de cada R$ 10 investidos nas escolas públicas brasileiras.
Só que a legislação que estabeleceu o Fundeb determinou também que ele vigore até 31 de dezembro de 2020, ou seja, se não for renovado nos próximos meses, ficará extinto.
Essa extinção, dizem analistas de educação, provocaria um caos no financiamento das escolas públicas, porque não haveria garantia de dinheiro para pagar desde professores e funcionários até o transporte escolar.
Por isso que sua discussão no Congresso Nacional, que ocorre desde 2019, é considerada o tema mais urgente da educação neste ano.
E a votação acontece em meio a três agravantes: a pandemia do coronavírus, que mobilizou atenções e diminuiu a atividade econômica e a arrecadação de impostos; o fato de o ano legislativo ficar comprometido, neste segundo semestre, pelas eleições municipais; e como se trata de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 15/2015), o Fundeb precisa ter o aval de uma grande quantidade de parlamentares. Na prática, tem de ser aprovado por três quintos de deputados e senadores, em dois turnos de votação na Câmara e no Senado.
Mas o principal embate na aprovação do Fundeb diz respeito a quem deve pagar pelos R$ 150 bilhões anuais do fundo.
A origem do dinheiro
Hoje, 90% dos recursos do Fundeb vêm de impostos coletados nos âmbitos estadual e municipal, e os outros 10% vêm do governo federal – uma partilha considerada injusta por Estados e municípios, já que, de modo geral, a maior parte dos impostos é arrecadada pela União.
“É um modelo de cabeça para baixo: os Estados e municípios são os que atendem diretamente 45 milhões de alunos, mas a concentração tributária fica com a União”, critica à BBC News Brasil a deputada federal Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), relatora da PEC na Câmara.
Inicialmente, a proposta em discussão previa que a contribuição da União subisse gradualmente dos atuais 10% para 40% do total do Fundeb, desafogando Estados e municípios, mas isso encontrou enorme resistência na ala econômica do governo, no Congresso e entre defensores da política fiscal mais rígida.
Na época, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, retirou o apoio do governo à proposta, afirmando que ela “feria o equilíbrio fiscal” e não era “solvente a longo prazo”.
Seu ministério chegou a afirmar que apresentaria uma proposta própria ao Fundeb, o que nunca aconteceu.
Após negociações, o projeto da PEC baixou o percentual exigido da União para no máximo 20% até 2026, mas partindo de um patamar de 15% (em vez dos 10% originais) já a partir de 2021.
Por conta da pandemia, houve novas negociações. O patamar para 2021 foi baixado para 12,5%, continuando, gradativamente, a chegar em 20% até 2026.
“É uma complementação muito chorada da União, e que precisaria ser muito maior, para que o dinheiro chegasse a mais cidades. Porque algumas cidades pobres vão ficar de fora (do bolo de recursos), e os Estados e municípios vão continuar colocando mais dinheiro”, diz Dorinha Rezende.
O texto, porém, continua encontrando resistência no governo. O Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes, argumenta que não há dinheiro suficiente para elevar a participação da União.
Em março, em videoconferência com prefeitos, Guedes defendeu a prorrogação do Fundeb no formato atual, em vez da aprovação da nova PEC.
“Podíamos excepcionalmente renovar o Fundeb exatamente como ele é hoje por dois ou três anos para que todo o dinheiro excedente possa ser mandado para a saúde”, afirmou Guedes, segundo reportagem do jornal O Globo.
Recentemente, também segundo o jornal, a equipe econômica passou a defender que a eventual ampliação de recursos do Fundeb, se aprovada no Congresso, sirva para ajudar no financiamento do Renda Brasil, programa de renda mínima que ampliaria o Bolsa Família. Isso também dependeria do aval dos legisladores.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que o texto posto em votação “está com bastante unidade, e acho que a gente vai avançar”, segundo a Agência Brasil. A votação estava prevista para começar no dia 14, mas ficou para o dia 20. ”O governo pediu que nós construíssemos as condições para que o novo ministro (da Educação, ainda não empossado) pudesse participar do debate”, disse Maia.
Para Dorinha Rezende, porém, o aumento de repasses à educação é necessário porque o Brasil ainda gasta pouco per capita com seus alunos.
Segundo o relatório Education At Glance 2019, da Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), embora o país destine uma porcentagem alta de seu PIB à educação, “o gasto por estudante na educação básica fica bem abaixo da média da OCDE”.
Além disso, diz a deputada, “agora vamos precisar gastar mais no pós-pandemia: dividir salas de aula, contratar mais professores, receber os alunos vindos das escolas privadas (que não conseguiram mais pagar mensalidades). E muito disso está nas mãos dos municípios, o elo mais frágil (do Poder Executivo)”.
Segundo o mais recente Censo Escolar, metade das escolas brasileiras não tem rede de esgoto.
Dorinha Rezende argumenta que os recursos adicionais da União venham, por exemplo, de royalties da exploração do petróleo, que já têm a educação como destino original.
Distribuição de recursos
Um dos objetivos do Fundeb é reduzir a desigualdade de recursos na educação, complementando o orçamento de municípios mais pobres que não consigam investir o suficiente em suas redes de ensino.
O projeto em votação na Câmara institui, além de mudanças na origem dos recursos, alterações na forma como eles são distribuídos. Por exemplo, mudando a vinculação do dinheiro e fazendo com que os repasses passem a depender da situação individual de cada município, e não só do Estado onde ele está inserido. Isso ajudaria, por exemplo, municípios pobres que estejam em Estados mais ricos.
Atualmente, de cada R$ 1 do fundo, 60 centavos são usados para o pagamento de professores, de modo a garantir a valorização docente. O restante é usado para manutenção e equipamentos da escola e pagamentos de outros profissionais da educação.
Uma discussão gira em torno de aumentar essa fatia de 60 para 70 centavos de cada real, mas pulverizando esse dinheiro para todos os profissionais da educação, e não apenas para professores – o que, na prática, pode resultar em menos recursos para a valorização docente.
Se mantido como está, o projeto pode trazer um adicional de ao menos R$ 14 bilhões ao ano para a educação pública e criar, de forma permanente, critérios mínimos para escolas públicas de qualidade, evitando sua precarização, argumenta Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e membro da organização Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.
A organização é defensora do projeto em votação na Câmara e pede que ele seja votado rapidamente, para reduzir as chances de ser descaracterizado por pressões econômicas.
Dentro de todo esse debate, especialistas de educação se queixam do que veem como participação tímida ou ausência do alto escalão do Ministério da Educação nas discussões. A pasta está prestes a ter seu quarto ministro no governo Bolsonaro – o presidente anunciou Milton Ribeiro em 10 de julho para o comando do MEC.
A deputada Dorinha Rezende diz que na gestão de Abraham Weintraub “nunca foi dada prioridade” ao Fundeb, mas que a participação do ministério será importante sobretudo na fase de regulamentação do fundo, caso a PEC seja aprovada.
Consultada pela reportagem, a assessoria do MEC afirmou que “a Secretaria Executiva do MEC e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação têm participado ativamente das discussões técnicas relacionada ao Novo Fundeb. No ano passado, foram apresentadas sugestões à Relatora da PEC 15/2015, com considerações acerca de medidas necessárias ao aprimoramento da política pública educacional. Atualmente, para além das questões relacionadas ao modelo do novo Fundo, a ser inserido na Constituição Federal, o MEC tem se dedicado ao levantamento das informações e dos indicadores necessários à regulamentação do Novo Fundeb, a fim de viabilizar a operacionalização tempestiva do novo modelo de financiamento a partir do ano de 2021, caso a proposta seja efetivamente aprovada”.
Até a publicação desta reportagem, a assessoria do órgão não havia manifestado opinião sobre o aumento de participação da União proposto pela PEC 15/2015.
(BBC)