Empresas adotam home-office por conta do coronavirus
Empresas nacionais como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já começaram a adotar medidas internas em razão da epidemia do novo coronavírus. O banco recomendou que todos os funcionários que voltarem de viagem de férias ou de trabalho deverão ficar em quarentena obrigatória de 14 dias corridos.
Os empregados que estiverem bem de saúde adotarão o sistema de trabalho remoto, ou seja, trabalharão em suas casas, pelo mesmo período de tempo. Já os funcionários que apresentarem algum sintoma do vírus, como tosse, dificuldade respiratória, falta de ar ou febre, deverão procurar a assistência médica, antes do retorno ao trabalho.
“Confirmado o quadro clínico, será concedida licença médica”. O BNDES destacou que as solicitações de viagens internacionais a serviço para qualquer destino “deverão ser acompanhadas de justificativa de impossibilidade de adiamento, bem como sua imprescindibilidade. Sugere-se, como alternativa, a realização de videoconferências”, informou a instituição.
Também a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia vinculada ao Ministério da Economia, distribuiu norma interna com orientações aos funcionários relativas aos reflexos do coronavírus no trabalho.
“A Comissão de Valores Mobiliários, desde o início de fevereiro, tem orientado seus servidores e colaboradores com relação ao coronavírus, informando sobre sintomas, diagnóstico, tratamentos e medidas a serem adotados para prevenção e não transmissão da doença. Os materiais divulgados internamente foram elaborados pela equipe de saúde da CVM, com apoio da Assessoria de Comunicação Social, tendo como fontes de informações alguns dos principais órgãos de saúde da América Latina: Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Organização Mundial de Saúde”, confirmou a CVM em nota à Agência Brasil.
Prática comum
A expansão do novo coronavírus e o eventual surgimento de novos casos no Brasil podem acelerar a adoção de empresas brasileiras ao home-office (trabalho em casa).
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua Anual: Características Adicionais do Mercado de Trabalho 2012-2018, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em dezembro do ano passado, houve um forte incremento de pessoas trabalhando em casa, nos últimos anos, no Brasil. Entre 2016 e 2017, o número de trabalhadores cujo local de trabalho era o domicílio aumentou 16,2%. Já entre 2017 e 2018, a expansão foi maior, atingindo 21,1%.
Tendência mundial
O procurador do Trabalho Paulo Douglas afirmou à Agência Brasil que o teletrabalho já vem surgindo como uma tendência, não só no Brasil, mas no mundo. O coronavírus é, na avaliação do procurador, só um fato novo que vai acelerar esse processo. “Mas como toda inovação no mundo do trabalho e nas relações trabalhistas, ele vem acompanhado de fatores positivos e, também, de fatores negativos. O teletrabalho, se bem implementado, é amplamente vantajoso para as duas partes. Você consegue conciliar uma qualidade de vida melhor para o trabalhador e existe a possibilidade, inclusive, de ganhos de produtividade”.
Douglas chamou a atenção, porém, que se essa prática for implementada com foco somente em redução de custo e maximização da exploração de horas trabalhadas, aí o teletrabalho apresenta seu lado negativo. Na recente reforma trabalhista, o regime de teletrabalho, ou trabalho remoto, teve afastado o controle da jornada para quem está nessa modalidade, alertou. Isso abre espaço para uma maximização da exploração da mão de obra, embora o trabalho ocorra na própria residência do empregado, fora do local de trabalho.
Do ponto de vista de saúde pública, o procurador do Trabalho disse que a menor circulação ou menor concentração de pessoas nos ambientes laborais tendem a contribuir para uma redução na velocidade do contágio desse vírus. Por isso, avaliou como bastante oportuna e adequada a adoção do trabalho à distância pelas empresas. “É conveniente”.
Diferenças
A advogada trabalhista Gisela Freire destacou que muitas pessoas confundem home-office com trabalho remoto. Para a lei, trata-se de coisas diferentes. Esclareceu que trabalho remoto, ou teletrabalho, é previsto em lei e o empregado já fica, preponderantemente, na casa dele trabalhando. É uma prática prevista em contrato de trabalho. Já o home-office, decorrente da epidemia do Covid-19, é uma situação eventual. “O empregado continua a colocar o trabalho dele no estabelecimento da empresa, mas, em situações excepcionais, como essa, por exemplo, ele pode trabalhar de casa”. Ou seja, o empregado pode trabalhar de qualquer lugar, mas o local de trabalho dele contratual é o estabelecimento do empregador.
Embora o teletrabalho seja previsto em lei, ao contrário do home-office, Paulo Douglas informou que a alteração do contrato é possível no direito do trabalho. Advertiu, no entanto, que há condições para que essa alteração ocorra de forma lícita. Uma delas é que não haja prejuízo para o trabalhador. “Caso haja prejuízo, a alteração necessitaria de autorização do trabalhador, sob pena de nulidade. Mas, como eu disse, nós temos uma possibilidade de implementação benéfica ao trabalhador”.
Para isso, o empregador deve ter o cuidado de, na implementação, dar menos valor à desobrigação do controle da jornada mas garantir que todos os meios telemáticos possam ser utilizados para fins de controle da prestação de serviço, inclusive da jornada de trabalho, em atenção ao parágrafo único do Artigo Sexto da CLT. “Assim, você consegue uma implementação controlada e positiva do teletrabalho. Em sendo positiva, a alteração do contrato é lícita”. Segundo o procurador, embora a lei não tenha utilizado a expressão, isso não inviabiliza a utilização do trabalho à distância, aqui chamado teletrabalho.
Gisela Freire observou que muitas empresas já adotam a prática do home-office, como em São Paulo, em função do rodízio de carros, ou de necessidades, inclusive particulares, do empregado. Em função da epidemia, Gisela considerou que o home-office demonstra uma nova flexibilidade nas relações de trabalho, como uma ferramenta que pode ser adotada para amenizar essa crise.
Saúde Pública
A Juíza do Trabalho da 22ª Vara do Trabalho de Brasília, Wanessa Mendes de Araújo Amorim, disse à Agência Brasil que se trata de um tema de saúde pública, e que o empregador pode, eventualmente, se tiver casos suspeitos de pessoas que vieram de países onde se detectou a presença do vírus, adotar para o trabalhador a realização do trabalho em casa, como medida de prevenção ao trabalho coletivo.
Insistiu que se um empregado com suspeita de contaminação pelo coronavírus for trabalhar, o risco para a saúde de todos os envolvidos na empresa é muito grande.
“Porque está expondo um grupo de pessoas a uma possível doença que pode se confirmar. É uma questão de precaução, de prevenção em relação à exposição a uma doença que tem, inclusive, vitimado milhares de pessoas”.
A juíza do trabalho reiterou que se trata de uma situação de prudência da empresa sugerir ou determinar ao funcionário que venha de uma região afetada pelo coronavírus no exterior que fique em casa durante um período de quarentena para evitar, eventualmente, contaminação dos demais.
Setores
Segundo a advogada trabalhista Gisela Freire, há casos de sucesso e de insucesso de companhias que adotam o home-office. Em empresas de call-center, em especial as que trabalham com vendas mais personalizadas, os empregados operam nas próprias casas. Na área jurídica, já tem empresas em que os advogados trabalham de casa. Isso ocorre, principalmente, em companhias estrangeiras, que costumam usar a ferramenta de videoconferência, citou. O mesmo não sucede com os escritórios de advocacia onde os profissionais recebem os clientes para discutir casos. “Eu entendo que a presença ainda é importante para você discutir e ter novas ideias”.
Entretanto, Gisela vê com bons olhos a implantação do trabalho no domicílio do funcionário, caso haja suspeita de contaminação pelo coronavírus. Salientou, por outro lado, que para a implantação do trabalho remoto, deve ser feito um estudo antes. A advogada ponderou também que nem todas as empresas brasileiras vão poder adotar o ‘home-office’ e acabarão limitando essa prática apenas às suas áreas administrativas. Indústria e comércio são duas atividades nas quais essa ferramenta pode ser limitada.
Destacou que em relação ao afastamento de funcionários do trabalho devido à epidemia, não há uma lei específica para essa doença, mas a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que o empregado pode faltar ao trabalho se estiver doente, desde que apresente um atestado médico que justifique sua ausência. E pode faltar pelo período que for necessário. A diferença é que, nos primeiros 15 dias, a empresa vai pagar o salário dele e, se ultrapassar esse período, o empregado tem que pedir um benefício previdenciário. Nesse aspecto, o Covid-19 é tratado como qualquer outra doença.
Controle
A modalidade laboral do teletrabalho, ou trabalho remoto, não tem controle sobre a jornada trabalhada. Gisela Freire informou que, ao contrário, o ‘home-office’ pode ser controlado. Na circunstância da epidemia de coronavírus, o home-office vai se equiparar ao trabalho externo.
“O empregado está à disposição do empregador e, nesse caso, o empregador pode adotar um controle de horário através de controle manual ou pode fazer uma planilha de Excel, onde o empregado pode marcar o horário de trabalho dele. Não vai haver uma fiscalização presencial, mas pode haver uma fiscalização através de documento. Nesse aspecto, isso é perfeitamente válido. A lei aceita isso com a maior tranquilidade”.
Caso a situação venha a se agravar no Brasil e as autoridades da saúde digam que é alarmante, a tendência, como já acontece no mundo, é o home-office ser adotado pelas empresas.
Oportunidade
O presidente da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt), Luis Otávio Camargo Pinto, informou que o processo de crescimento do home-office no Brasil teve início com a reforma trabalhista que trouxe artigos específicos falando do teletrabalho. “Já tem um movimento interessante”.
Destacou que essa expansão está vinculada à regulamentação do teletrabalho, trazida pela reforma trabalhista. “Quando tem menos insegurança jurídica, e isso vem antes do coronavírus, a tendência é de aumento desse processo”, indicou. “Com o coronavírus, é o momento do teletrabalho, porque toma uma dimensão mundial”, afirmou.
Camargo Pinto salientou, por outro lado, que o Brasil, internamente, já está vivendo outros tipos de problemas que levam à mesma situação, como as recentes enchentes que causaram destruição e mortes em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo. “Essas situações fazem com que as empresas tenham um olhar diferenciado sobre o teletrabalho, até para formar planos de contingenciamento nessas situações emergenciais”.
(Agência Brasil)