Pesquisa detecta zika em placentas de gestantes com exame negativo
Um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) revelou a presença do vírus da zika nas placentas de gestantes que tiveram sintomas da doença no período de epidemia, mas resultado negativo em exames. Pesquisadores analisaram mais amostras do que o atual protocolo estadual exige, e pedem à Secretaria de Estado da Saúde que avalie mudanças nesse processo.
Essas mulheres com falso-negativo tiveram seus bebês no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Unicamp (Caism). Os tecidos das placentas colhidos, assim como exames de sangue, foram analisados pelo Instituto Adolfo Lutz, que tem o padrão de usar uma única amostra de placenta.
As pacientes autorizaram a pesquisa também pela universidade, que estudava o desenvolvimento de um novo protocolo de coleta da placenta. A diferença foi grande.
- A análise do tecido pela Unicamp foi feita em 17 placentas e o vírus foi confirmado em 14 delas. Antes, todas estavam com resultado negativo para zika.
- As cinco amostras de cada placenta foram coletadas e armazenados em condições ideais desde os partos, mantidas congeladas a -70º.
- As gestantes foram acompanhadas desde a gestação – 2016 e 2017 – até os nascimentos dos bebês, que ocorreram entre 2017 e 2018.
- Os bebês nasceram sem microcefalia.
- O protocolo estadual prevê acompanhamento deles, mas nem todas as mães o mantiveram.
- A Unicamp vai fazer contato com as 14 mães e monitorar seus bebês.
O estudo, financiado por Fapesp e CNPq, foi realizado durante o primeiro semestre de 2019 e os resultados finais foram obtidos em agosto.
Placenta é marcador do zika
A pesquisa faz parte de uma tese de doutorado e foi feita em parceria entre a Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e o Instituto de Biologia (IB). Professora titular de obstetrícia e orientadora da tese, Eliana Amaral explica que a placenta se mostrou uma importante depositária do vírus da zika.
“Nós vimos que a placenta é um repositório e um marcador de zika. Significa que não importa quando teve a gravidez, mas mostrou que estava com o vírus zika presente. Não sabemos se é uma barreira”, afirma Eliana.
Os 14 bebês precisam ser acompanhados para verificar se apresentarão ou não alguma sequela por conta do vírus na placenta. Algumas das possibilidades provocadas por arboviroses como o zika são problemas auditivos, oftalmológicos e neurológicos.
“É natural para uma mãe que, quando está vendo que não tem nada com a criança, não faça nenhum segmento. Vamos em busca dessas 14 crianças para confirmar se não tiveram nenhuma consequência”.
“Como se falou muito do zika só pela microcefalia, a nossa discussão é que as arboviroses podem ter outros tipos de consequência. E entender que a placenta sempre pode ser um bom marcador. Não se dá tanto valor à placenta quanto ela deveria receber”, completa a orientadora do estudo.
Amostras de diferentes partes da placenta
Eliana também atua como coordenadora do grupo de pesquisa de arboviroses na gestação da FCM. Segundo ela, no início da epidemia no Brasil, o governo agilizou formas de diagnosticar a doença. “Não podemos exigir deles um conhecimento que não existia”.
Os resultados eram rápidos, mas a conclusão da pesquisa mostra que o protocolo precisa ser alterado. Primeiramente, os testes com as cinco amostras das placentas das mães foram feitos na Unicamp utilizando o mesmo kit para diagnóstico do zika usado pelo estado.
“O nosso teste deu positivo, usando o mesmo teste”.
Dez dos 14 casos positivos apareceram já no teste usado pelo Instituto Aldolfo Lutz. Um outro teste feito no Laboratório de Vírus Emergentes do Instituto de Biologia consolidou as 14 confirmações da presença do zika.
A professora explica que a divergência nos resultados pode ser explicada pelas orientações de coleta e manuseio, que eram diferentes na época.
“A diferença é que tínhamos amostras coletadas de cinco partes diferentes, rigorosamente controladas para que o tecido ficasse vivo para que o exame fosse feito. Acreditamos que a grande razão da divergência tem a ver com as orientações que não eram habituais, de como tem que ser a coleta, o armazenamento, o cuidado com a placenta”.
Os exames foram feitos pela doutoranda Emanuella Meneses Venceslau, com coorientação da docente Maria Laura Costa do Nascimento, da FCM, e colaboração de José Luiz Proença Módena, coordenador do laboratório.
Da esq. para a dir., o pesquisador José Luiz Proença Módena, as professora Eliana Amaral e Maria Laura Costa, respectivamente, orientadora e coorientadora do estudo, e Emanuella Meneses Venceslau, autora da tese — Foto: Antoninho Perri/Ascom/Unicamp.
Mudança no protocolo do diagnóstico
Em relação ao protocolo, primeiro é preciso ter a discussão deste estudo com a Secretaria de Estado da Saúde e, posteriormente, do estado de São Paulo com Ministério da Saúde, informou a professora. A Unicamp aguarda retorno do estado sobre essa questão.
“Estabelecer um protocolo de, em situações de arboviroses, manter essa coleta mais detalhada, minuciosa, cuidados da placenta e submeter aos procedimentos recomendados. Toda grávida com febre, manchas na pele, com sinais de arboviroses deveria fazer. O objetivo é transformar isso em política pública”, defende Eliana Amaral.
A pesquisa foi feita com uso de recursos, como um freezer a -70º, que não existem atualmente em todas as maternidades. Por isso, será necessário discutir o que será possível fazer para obter o diagnóstico mais preciso.
“A coleta [da placenta] tem que ser de imediato, de preferência na primeira e segunda hora, coletadas as amostras e feita a conservação. Temos no Caism uma estrutura bem desenvolvida de conservação de material, o Biobanco. Esse protocolo é que permitiu que a gente teria uma amostra de qualidade”.
Estudo foi feito com mulheres que tiveram filhos no Caism, o Hospital da Mulher da Unicamp, em Campinas. — Foto: Reprodução/EPTV
O que dizem estado e Ministério da Saúde
A Secretaria de Estado confirmou o contato feito pela Unicamp e disse, por nota, que o Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) estadual segue os protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde para investigação e diagnóstico de doenças. “O setor está à disposição da pesquisadora”, diz o texto.
O Ministério informou que ainda não foi comunicado oficialmente pelo estudo e esclareceu que “adota o protocolo publicado no Guia de Vigilância em Saúde que orienta, diante de um caso suspeito de Zika, principalmente gestantes, casos graves e óbitos, só descartar a partir do resultado de duas sorologias não reagentes ou PRNT [Teste por neutralização de redução de placas] negativo.”
“Ainda de acordo com o Guia de Vigilância em Saúde, as amostras de placenta para análise histopatológica e imunohistoquímica devem ser coletadas até a 14ª semana de gestação; em casos de amostras de fetos e natimortos e recém-nascidos com malformação congênita, priorizam-se amostras de sistema nervoso central para IHQ”, completa a nota.
O Ministério explica que desde 2016 desenvolveu estratégias de diagnóstico rápido para a Síndrome Congênita Associada à Infecção pelo vírus zika em crianças, e também fornece ajuda financeira para os pacientes que têm a síndrome.
“Quando forem identificados sinais e sintomas compatíveis com a síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika, ou confirmado diagnóstico, a criança é encaminhada para a estimulação precoce, atendimento que envolve técnicas para estimulação neurossensorial específicas para lidar com problemas de mobilidade motora, fala, postura, entre outros. Cabe informar que as equipes de profissionais, junto aos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) poderão promover a estimulação precoce das crianças”.(G1)