Conselho de Ética da Câmara é acionado 27 vezes; saldo é de 2 deputados punidos
Levantamento do G1 mostra que o Conselho de Ética da Câmara foi acionado 27 vezes nos quatro anos da última legislatura. Nesse período, dois processos resultaram em punição, dos quais um levou Eduardo Cunha (MDB-RJ) à cassação do mandato.
Do total de processos, 25 (92,6%) foram arquivados – a maior parte (22), ainda na fase inicial de tramitação (leia detalhes mais abaixo).
A atual legislatura acaba em 31 de dezembro e, com o início da próxima, em 1º de fevereiro, todos os processos que não foram concluídos serão arquivados.
Entre esses processos está o de Lúcio Vieira Lima (MDB-BA), que apura se o deputado tem ligação com os R$ 51 milhões encontrados em malas de dinheiro em um apartamento em Salvador (BA).
Entre os procedimentos que resultaram em punição:
Um foi analisado pelo plenário, o que levou à cassação de Cunha (MDB-RJ), preso em Curitiba desde 2016;
o outro foi a advertência ao deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) por ter cuspido no então deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), hoje presidente da República.
Na avaliação do atual presidente do conselho, Elmar Nascimento (DEM-BA), um dos aspectos que dificultam os trabalhos é o fato de que o grupo não tem poder de polícia. Ou seja, não pode pedir documentos a órgãos oficiais ou obrigar o comparecimento de testemunhas.
“O conselho fica muito dependente da produção de provas na Justiça. Então, sabendo disso, a defesa do representado usa manobras regimentais para conseguir arrastar o andamento do processo”, diz.
Comparação
O número de representações disciplinares envolvendo deputados nos últimos quatro anos, 27, foi superior em relação ao mandato anterior (2011 a 2014): 19.
No entanto, naquele período, o percentual de arquivamentos foi menor, de 84,2%. Os quatro anos anteriores foram marcados por duas cassações de mandato: as dos então deputados Natan Donadon e André Vargas.
Provocações
O Conselho de Ética analisa representações contra deputados envolvidos em supostos atos de quebra de decoro parlamentar, como recebimento de vantagem indevida ou perturbação da ordem das sessões da Câmara, por exemplo. As punições previstas variam de censura escrita a cassação do mandato.
Dos 27 processos instaurados nos últimos quatro anos, 17 foram relacionados a declarações polêmicas, ofensas ou agressões no plenário e fora dele. A única que terminou em punição foi a do cuspe em Bolsonaro.
A frequência de representações em razão do teor dos discursos, reflexo até da polarização política no país, fez com que o Conselho de Ética avaliasse mudanças nas regras internas.
A ideia era permitir que o presidente do colegiado pudesse decidir sozinho sobre a abertura ou arquivamento de processos nesses casos, sem precisar do aval dos demais integrantes do conselho.
Pela Constituição, o parlamentar tem imunidade para expressar suas opiniões. A proposta era que o presidente do conselho pudesse rejeitar de antemão a representação se a considerasse motivada por uma rixa política. A medida, porém, não foi adiante.
‘Blindagem’
O mandato que se encerra agora também coincidiu com os desdobramentos mais significativos da Operação Lava Jato.
Com todos os grandes partidos impactados pelas investigações, e diversos dos membros alvos de acusações de corrupção, vários casos nem chegaram ao Conselho de Ética.
Para o deputado Sandro Alex (PR), que integra o colegiado, houve uma espécie de consenso entre as siglas para se protegerem mutuamente.
Ele lembra que, no dia em que haveria eleição para a presidência do Conselho de Ética, foi autorizada a investigação de políticos citados nas delações da construtora Odebrecht por supostamente terem recebido propina. “Isso teve influência direta na definição da composição conselho”, diz Alex, que disputou na ocasião a presidência do colegiado e perdeu.
Houve acusação de blindagem até mesmo em situações menos complexas, como em relação à representação contra o deputado Wladimir Costa (SD-PA) porque teria assediado sexualmente uma jornalista, o que ele nega.
Processos arquivados
Em 2018, o Conselho de Ética abriu 11 processos, incluindo apurações contra parlamentares presos ou condenados na Justiça. Nenhum chegou ao plenário da Casa.
Chegaram a ser marcadas 36 reuniões ao longo do ano. Dessas, 8 foram canceladas antes e outras cinco não foram realizadas por falta de quórum. Ainda assim, 23 foram realizadas, mas a maior parte dedicadas à análise dos pareceres que pediam o arquivamento.
Arquivamentos
Veja alguns dos casos que ficaram sem análise do Conselho de Ética e irão para o arquivo no fim do mês:
Lúcio Vieira Lima (MDB-BA)
Réu no Supremo Tribunal Federal, o deputado foi investigado por suposto envolvimento com R$ 51 milhões encontrados em um apartamento na Bahia.
O que diz a defesa: Na defesa escrita, os advogados sustentaram que se trata de fato anterior ao exercício do mandato parlamentar. Negou ainda que tivesse havido ocultação de valores. Só duas testemunhas foram ouvidas e não houve parecer apresentado.Nelson Meurer (PP-PR)
Meurer foi o primeiro deputado condenado pelo STF na Operação Lava Jato, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O que diz a defesa: Depois do julgamento no STF, a defesa do parlamentar informou que iria recorrer da condenação. O conselho já arquivou o processo na fase preliminar por entender que o caso foi anterior ao mandato e já tinha sido analisado pela Justiça.
Paulo Maluf (PP-SP)
Condenado por lavagem de dinheiro pelo STF, Maluf foi preso inicialmente em regime fechado, mas depois foi para a prisão domiciliar. Enquanto o processo no conselho tramitava, teve o mandato cassado pela Mesa Diretora da Câmara.
O que diz a defesa: Em defesa escrita, os advogados apontaram que os atos supostamente cometidos pelo parlamentar ocorreram antes do mandato dele como deputado – por isso, não houve quebra de decoro parlamentar.
João Rodrigues (PSD-SC)
Condenado em ação penal no Tribunal Regional Federal da 4ª Região por fraude e dispensa irregular de licitação, o deputado chegou a ser preso no primeiro semestre do ano passado. O Conselho de Ética aprovou o arquivamento com base no argumento de que foi anterior ao mandato e pelo fato de o caso já estar na Justiça.
O que diz a defesa: A defesa argumentou que não houve quebra de decoro parlamentar.
Celso Jacob (MDB-RJ)
O deputado foi condenado pelo STF por falsificação de documento público e dispensa de licitação, crimes que teriam sido cometidos quando era prefeito de Três Rios (RJ). Jacob chegou a ficar preso. O conselho aprovou um parecer pelo arquivamento por entender que não houve desvio de recurso público e porque o fato era anterior ao mandato.
O que diz a defesa: Na defesa, os advogados afirmaram que a Justiça reconheceu, em vários momentos, que Jacob “não auferiu qualquer vantagem patrimonial ilícita”. Também negou que tivesse falsificado lei para dispensar a licitação ou para obter benefício pessoal.
Indicações
Com a posse dos novos deputados em fevereiro, o Conselho de Ética terá nova composição. São 21 vagas titulares e igual número de suplentes.
A indicação dos integrantes é feita pelos partidos, que recebem as cadeiras de acordo com o tamanho das bancadas.
Uma vez indicado para o conselho, o deputado tem mandato de dois anos. Em tese, só pode ser substituído em caso de renúncia, morte ou perda de mandato como parlamentar.(G1)