As dicas de quem conquistou nota mil na redação do ENEM
Thaís Fonseca Lopes de Oliveira, de 19 anos, sempre gostou de escrever, mas para fazer a redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)precisou de treino. Preparou-se desde o 9º ano do ensino fundamental, estudou as competências exigidas no exame, escreveu e leu muito, e conseguiu o feito de ter nota mil na redação em dois anos consecutivos.
Coisa para poucos. No ano passado, somente 53 alunos, no universo de 4,7 milhões que fizeram a prova, receberam nota máxima no texto. O número foi menor do que no ano anterior, quando 77 estudantes, entre 5,8 milhões, conseguiram conquistar nota mil.
As provas deste ano ocorrem nos dias 4 e 11 de novembro, e a redação será feita no primeiro dia, junto com as questões de Ciências Humanas.
“Não esperava tirar nota mil nos dois anos. Foi uma grande surpresa, não achava que fosse provável repetir esse feito. Mas ao mesmo tempo sei que me dediquei bastante e trabalhei minhas dificuldades”, diz Thaís, moradora de Cuiabá (MT).
Embora tenha conquistado uma boa nota no Enem em 2016, esta não foi suficiente para conseguir a vaga que Thaís queria, por isso ela voltou para o cursinho. Em 2017, novamente com mil na redação, ela atingiu seu objetivo e foi aprovada no curso de Medicina da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). A estudante fez o vestibular da instituição e também aproveitou a nota do Enem para a seleção.
Repertório e estilo para escrever
Thaís acha que um texto bem escrito é resultado de prática e dedicação, e todo o repertório adquirido na vida escolar ajuda a construir o tipo de autor que você será. Para ela, o estilo e a bagagem sociocultural do autor precisam estar no texto, principalmente o dissertativo argumentativo, exigido na prova do Enem.
“Reli as redações que fiz ao longo do ano, relembrando ideias, estrutura de introdução e argumentos de conclusão. Aprendi a usar arquétipos (modelos) nas introduções e retomar nas conclusões, verifiquei os arquétipos que conhecia e em quais tipos de temas eles se encaixavam”, explica.
No ano passado, o tema da redação do Enem foi “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”. Em 2016, os candidatos tiveram de escrever sobre os “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”. As duas notas mil foram resultado de um trabalho muito focado da estudante, antes mesmo de fazer a prova e saber quais seriam os temas das redações.
“Pesquisei prováveis temas e fiz um esforço mental de como desenvolveria aquelas redações. Tinha ideia de projeto de texto, depois ia para tese, pensava nos possíveis argumentos, proposta de solução, e as relações eu poderia fazer sobre aquele tema.”
A futura médica lembra que todos os temas do Enem têm um aspecto social, por isso a vida em sociedade e os aspectos brasileiros quase sempre podem ajudar a embasar o texto. “Mas é importante mostrar sua criticidade e conhecimentos socioculturais, atentando-se ao uso da norma culta. É necessário lembrar de tudo o que você aprendeu, as técnicas que te ajudam a alcançar os pontos nas competências.”
A redação do Enem cobra cinco competências, e cada uma vale de 0 a 200 pontos. São elas: domínio da norma da modalidade escrita formal; compreensão da proposta de redação; organização, interpretação de fatos e argumentos em defesa de um ponto de vista; demonstração de conhecimentos dos mecanismos linguísticos; e elaboração de proposta de intervenção.
Violência contra a mulher
Marina Amorim Lopes, de 20 anos, também está no seleto grupo de candidatos que conseguiu tirar nota mil na redação do Enem. Ela fez a prova em 2015, quando o tema da redação era a persistência da violência contra a mulher. Naquele ano ano, dos 5,6 milhões de textos corrigidos, apenas 104 receberam nota mil.
Para Marina, o tema não era difícil de ser explorado porque a Lei do Feminicídio (Lei 13.104) tinha sido sancionada em março de 2015, e o assunto estava sendo muito noticiado na mídia. Entretanto, ela temia não ter colocado informações e argumentos o bastante.
“Fiquei bem em choque quando vi a nota mil. No dia prova fiquei ansiosa e, como era um tema muito falado, fiquei com medo de não ter escrito o suficiente. Mas saber usar argumentos de forma bem desenvolvida fez com que o eu tirasse uma boa nota.”
Durante o ensino médio, ela havia participado de concurso de redação e contos, mas foi durante o cursinho pré-vestibular que aprendeu a estruturar uma dissertação. “Também foi essencial o apoio dos professores.”
Hoje Marina também cursa Medicina, mas na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no campus de Botucatu, no interior paulista. Ela também passou a dar aulas de redação no cursinho popular da universidade para ensinar o que aprendeu aos alunos que almejam ingressar no ensino superior.
“O segredo da redação do Enem é a proposta de intervenção. Os alunos acham que a argumentação nunca está boa, confundem elementos básicos e falham”, diz Marina.
Elementos na prova
Coordenador do curso Letras da Universidade Metodista de São Paulo, Silvio Pereira da Silva, lembra que o texto dissertativo argumentativo exigido pelo Enem tem caráter reflexivo e defesa de uma ideia, além da preocupação com o uso da norma culta.
“Isso é difícil para um aluno que estuda em um sistema escolar com problemas. Precisa ir aprendendo, mas ampliar capacidade interpretativa é um processo constante. É necessário desenvolver as habilidades ao longo do processo escolar.”
Silva diz que a melhor forma de aprender a escrever é escrevendo, e ler sobre temas da atualidade ajuda os candidatos tanto na redação quanto nas questões objetivas.
“Escrevendo bastante (como treino) diminui a chance de o aluno pegar a folha em branco e não saber o que fazer. Outra dica é que há elementos na prova que podem ajudar na produção da redação, por isso é sempre bom olhar antes de começar a o texto.”
Mais do que o domínio técnico, Thaís, a aluna que tirou nota mil duas vezes consecutivas, afirma que é importante ter autoconfiança e manter a calma, mesmo quando a princípio o tema da redação parece muito surpreendente.
“Gostava de ler o tema, circular as palavras-chave e ler os textos motivadores tentando verificar qual direcionamento a banca queria dar. Depois já fazia meu planejamento: primeiro a tese que vai direcionar o texto e depois pensava quais argumentos eu tinha para defendê-la. É preciso ter tranquilidade sobre as técnicas aprendidas, porque aí todos os temas passam a ser possíveis de serem feitos.”
Regras de correção
As redações são corrigidas por dois corretores de forma independente. As notas podem variar de 0 a 1.000, sendo que cada uma das cinco competências vale 200 pontos. Se houver discrepância de notas entre os dois corretores, a redação será corrigida por uma terceira pessoa.
Os textos que apresentarem menos de sete linhas, impropérios, desenhos e partes desconexas com o tema proposto terão nota zero.
O edital prevê que as redações que não respeitarem a estrutura dissertativa-argumentativa e fugirem ao tema também recebam zero.(BBC)