ACM, o realizador
Quando Antonio Carlos Magalhães assumiu o governo da Bahia pela primeira vez, a economia baiana era extremamente dependente da cultura cacaueira. Mais da metade da arrecadação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) era proveniente das plantações, concentradas na região Sul.
Amigo e companheiro na vida pública, o ex-senador Waldeck Ornelas define Antonio Carlos Magalhães como um homem que tinha duas características marcantes: o desejo de realizar e um profundo amor pela Bahia. Assim, Waldeck explica a participação de ACM em projetos de desenvolvimento que ajudaram a tornar o estado como os baianos o conhecem hoje.
Quando prefeito, o político que completaria 91 anos hoje, deixou como marca as grandes avenidas de vale. Como governador, foi fundamental para a implantação do Polo Petroquímico em Camaçari, construiu o Centro Administrativo da Bahia (CAB), construiu a barragem de Pedra do Cavalo, estruturou a política de turismo do estado, a expansão agrícola para o Oeste baiano e a implantação da indústria de celulose.
Depois ainda recuperou o Centro Histórico de Salvador e planejou a implantação da indústria automobilística, concretizada com grande esforço político dele, já no Senado, para a aprovação de uma medida provisória que viabilizou a operação.
ACM lutou muito para desenvolver a Bahia, lembra o filho e presidente da Rede Bahia, Antonio Carlos Júnior. Para Júnior, a lamentável praga da vassoura-de-bruxa, que devastou a cultura cacaueira, mostrou que estado não podia se sustentar numa única cultura. “Ele foi fundamental para a mudança da economia do estado, que dependia basicamente do cacau”, ressalta Júnior.
“Em primeiro lugar, ACM sempre foi um realizador, alguém que gostava de grandes desafios. Junto a isso, outra característica que era bastante marcante nele era um enorme amor pela Bahia. Ele colocava isso em qualquer posto ou função que ocupasse”, conta Waldeck Ornelas.
Quando ACM chega à Prefeitura de Salvador, em 1967, havia um grande fluxo migratório do interior para a capital. “As avenidas de vale foram estruturadas para permitir que a cidade crescesse de modo a receber quem estava chegando. Sem as avenidas, ele temia uma grande pressão ocupacional no Centro Histórico”, lembra.
Em seu segundo governo, em 1980, instituiu um programa para estruturar a ocupação econômica do Oeste baiano, que os jornais da época apelidaram como a “Conquista do Oeste”, numa alusão ao processo de ocupação da região oeste dos Estados Unidos. “Esse projeto dele, pensado lá atrás, permitiu que hoje tenhamos um grande polo produtor de grãos”, analisa Ornelas. “Ele sempre travou grandes lutas, que permitiram à Bahia dar saltos de desenvolvimento”.
Luta pelo Polo
Muito antes de Ernesto Geisel ser presidente da República, Antonio Carlos já era seu amigo. Quando o general ainda estava à frente da Petrobras, por diversas vezes, o político baiano esteve no Rio de Janeiro para discutir projetos do interesse do estado. Mais importante deles, o futuro Polo Petroquímico de Camaçari era um sonho da Bahia desde Luiz Viana, antecessor de ACM, lembra o presidente da Associação Comercial da Bahia (ACB), Adary Oliveira, que é doutor em desenvolvimento regional e autor de um livro sobre a história do Polo.
“Havia um desejo de implantar um novo complexo petroquímico no país e o que pesou a favor do Nordeste e, consequentemente, da Bahia foi a politica. ACM era muito próximo a Geisel e usou toda a sua força política nesse processo. Isso trouxe não apenas o polo, como outras empresas que jamais viriam para cá em outras circunstâncias”, lembra. Oliveira explica que o projeto sonhado por Luiz Viana foi aprovado durante o primeiro governo carlista e concretizado na gestão seguinte, de Roberto Santos.
Sem a política não haveria Polo, garante o pesquisador. Juntou-se a isso a preocupação dos militares, que davam as cartas no país, em evitar que toda a estrutura de produção ficasse concentrada em uma única região. “Havia um desejo de utilizar o Polo para atrair desenvolvimento. Se as questões econômicas tivessem sido levadas em conta, o polo teria sido implantado em São Paulo, que tinha quatro refinarias, enquanto a Bahia tinha apenas uma.
Em sua tese de doutorado, Adary Oliveira resgata uma afirmação dada por ACM em 1988, a respeito do processo de implantação do complexo petroquímico. “Escolhido governador, o presidente Médici autorizou-me a ver o seu discurso em mãos do general Otávio Costa, que o redigira. Médici visitaria a Bahia em 22 de maio (1970) e me levaria, como levou, em sua comitiva. Otávio Costa, que redigiu um belo discurso, inseriu, a meu pedido, um trecho fixando o Polo Petroquímico do Nordeste na Bahia”, lembrou o político baiano.
Ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), José de Freitas Mascarenhas é um dos exemplos da capacidade que ACM tinha para descobrir novos talentos. Foi apresentado ao então novo governador da Bahia no início de 1971, quando trabalhava junto com Rômulo Almeida para a Clan SA, empresa que fez os estudos para implantação do Polo. Engenheiro recém-formado, ingressou no governo e passou a trabalhar no projeto que, segundo ele, era visto com maus olhos por empresários paulistas.
“O empresariado paulista via o polo aqui [na Bahia] como uma espécie de competição”, recorda José, acrescentando que ACM era uma “força política forte, principalmente em Brasília”. Foram pelo menos cinco anos de trabalho na fase de projeto, lembra. “Ele tinha um estilo muito forte de defender seus argumentos, como todo mundo sabe. Nós tinhamos a base técnica, mas a base polítia foi crucial à construção. Esse tempo foi muito rico em lutas. Foram várias batalhas vencidas”, pontua.
Vinda da Ford
Waldeck Ornelas compara a luta para atrair o Polo para a Bahia com a que foi travada, anos mais tarde, no processo de implantação da Ford, também em Camaçari. “Nos dois casos havia grandes interesses contrários. Eu estava com ele no Senado naquela época e lembro bem do trabalho que foi para aprovar aquela medida provisória. Essas grandes lutas marcaram as conquistas que permitiram à Bahia dar saltos em seu desenvolvimento”, conta. Para ele, a marca desses projetos era tão forte que transpunha os limites de um único mandato. “Pedra do Cavalo é um exemplo disso. A barragem começou com ele e foi concluída pelo governador seguinte, que foi João Durval, responsável pela adutora”.
Secretário de Indústria e Comércio no terceiro e último governo de ACM, o ex-governador Paulo Souto lembra a atração da indústria automobilística para a Bahia.
“Antonio Carlos sempre foi visto como o político forte que ele era. Mas ele tinha um outro lado muito forte, como gestor e como alguém que se dedicava a descobrir talentos na administração pública”, destaca Paulo Souto. Segundo o ex-governador, ACM nunca permitiu que a política se sobrepusesse aos interesses administrativos.
Souto, que sucedeu ACM como governador, lembra que o líder político e os seus sucessores sempre buscaram projetos que representassem “saltos qualitativos” para a economia do estado. Foi assim com a Ford, lembra.
Turismo sempre teve papel de destaque
Apaixonado pelas coisas da Bahia, Antonio Carlos Magalhães foi o responsável pela revitalização do Centro Histórico de Salvador, quando assumiu o governo baiano pela terceira vez. Seus três mandatos como governador foram marcados pelo desenvolvimento do turismo, enquanto atividade econômica, relembra o ex-secretário da área Paulo Gaudenzi.
Segundo Gaudenzi, ACM sempre viu a necessidade de promover o crescimento econômico da Bahia. “Ele entendia a necessidade de enfrentar os problemas do estado e aproveitar as oportunidades que apareciam”, lembra.
Foi assim que impulsionou o turismo baiano, colocando em posição de destaque no Brasil e internacionalmente, conta. “Quando Antonio Carlos assumiu o governo baiano pela primeira vez, a Bahiatursa já existia – foi criada por Luiz Viana (ex-governador da Bahia). Mas tinha como função construir e administrar hotéis. Foi no primeiro governo de ACM que a Bahiatursa foi reformulada para se tornar uma empresa de promoção do turismo”, explica Gaudenzi.
E o apreço que ACM sempre demonstrou pelo turismo tinha uma razão bastante clara, aponta Paulo Gaudenzi: “Ele enxergava o turismo como um fato econômico, via como uma estratégia para desenvolver determinadas regiões da Bahia”. Foi assim que, no segundo governo, ACM criou o plano Caminhos da Bahia, para desenvolver novos destinos turísticos fora do Recôncavo da Bahia. Aí, locais como Ilhéus, Porto Seguro, Morro de São Paulo e Lençóis passaram a ser trabalhados.
“Em 1991, isso tudo foi retomado com uma ênfase na melhoria da infraestrutura turística, com recuperação e abertura de novas estradas, aeroportos e tudo o que era necessário para o desenvolvimento destes destinos”, destaca Gaudenzi. Segundo ele, além de promover melhorias diretamente ligadas à atividade turística, ACM trabalhou em áreas que representavam melhorias para quem vinha a passeio, mas sobretudo para quem vivia nos locais. “Os planos para impulsionar o turismo tinham muita coisa relacionada ao saneamento básico, fornecimento de água e telecomunicações”, lembra.(Correio)